29 de set. de 2014

Aviação regional tenta atrair investidores

O plano de desenvolvimento de aeroportos regionais do governo é atrativo para o capital privado e internacional? O ministro da Aviação Civil, Moreira Franco, diz que sim, mas profissionais da área veem o modelo com restrições.



São Paulo – O governo lançou um plano de desenvolvimento da aviação regional com o objetivo de ampliar a integração aérea do Brasil. A iniciativa parte do pressuposto de que o interior do País é pouco atendido pela malha, muito concentrada nas principais cidades, e de que há demanda reprimida e poder aquisitivo para sustentar esta expansão. O projeto prevê investimentos de R$ 7 bilhões em 270 aeroportos até 2017 para que 96% dos brasileiros não fiquem a mais de 100 quilômetros de distância de um terminal. A meta é ambiciosa, dada as dimensões do território nacional.
Elza Fiúza/Agência Brasil

Moreira Franco: processo aberto ao capital estrangeiro
O governo federal, porém, não pretende fazer isso sozinho e quer atrair estados, municípios, empresas e investidores privados para o negócio. O Plano Geral de Outorgas da Aviação Regional, publicado em agosto, define que aeroportos podem ser administrados por estados e municípios, ou consórcios de municípios, com Produto Interno Bruto (PIB) acima de R$ 1 bilhão, e autoriza a concessão para a iniciativa privada. Mas o modelo é atrativo para as empresas?

Para o ministro da Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República (SAC), Moreira Franco, a resposta é sim, tanto para investidores nacionais como estrangeiros. “Do ponto de vista do governo não há preconceitos. As concessões já feitas têm participação de investidores privados e de operadores internacionais”, disse ele à ANBA, referindo-se principalmente às licitações de aeroportos de grande porte realizadas nos últimos anos.


A União já vem fazendo investimentos em terminais do gênero. Segundo a SAC, de 2011 a 2014 foram aplicados R$ 401,6 milhões em obras em 40 aeroportos, e mais R$ 378 milhões estão em execução. Para incentivar a criação de voos pelas empresas aéreas, o governo se propõe a subsidiar até metade dos assentos em rotas regionais, com limite de 60 lugares por avião. Isto porque as passagens neste tipo de voo costumam ser caras. Para tanto, serão utilizados recursos do Fundo Nacional de Aviação Civil, que, por sua vez, é abastecido pelas outorgas pagas pelos administradores de empreendimentos já concedidos e por taxas aeroportuárias.
Reprodução

Para Sundfeld, modelo tem que ser amadurecido
A dúvida sobre a atratividade do negócio não reside tanto no potencial da demanda, mas no modelo em si, segundo analistas consultados pela ANBA. Para eles, falta clareza no projeto apresentado pelo governo até agora. “Interesse existe sim, pois o interior do Brasil está crescendo”, afirmou o advogado Carlos Ari Sundfeld, professor de Direito Administrativo da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Resta saber se [o investidor] vai conseguir um modelo confiável. O modelo picado [apresentado até agora] não ajuda”, destacou.

Em sua avaliação, não está clara como será a relação da União com estados e municípios nesta seara. Sem os papeis claramente definidos, os negócios envolvendo aeroportos regionais podem ser instáveis. Além disso, ele ressalta que os subsídios às companhias aéreas ainda não foram regulamentados, o que causa incerteza. “No caso de um bloqueio de Orçamento [da União], por exemplo, qual a garantia [de que estes recursos não serão afetados]?”, questionou. “A empresa corre o risco de tomar um calote e suspender o voo”, observou.

Para o professor do Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Respício do Espírito Santo, o subsídio precisa ser muito bem regulamentado. “Eu não sou contrário, mas é preciso muito cuidado, pois é um assunto extremamente delicado”, disse.

Ele contou que nos Estados Unidos existem subsídios, mas o governo determina quais linhas vai subsidiar e define todos os parâmetros, ao passo que no Brasil “não está claro” como será feita a regulamentação e o controle do apoio estatal.

Já o professor de Engenharia de Produção da Coppe/UFRJ, Elton Fernandes, considera o subsídio uma “anomalia”. “Colocar avião sem demanda para voar é uma imperfeição de mercado, pois voando assim ele estará ocupando espaço aéreo, gastando combustível, poluindo e jogando dinheiro fora”, declarou. “Esta conta precisa ser melhor estudada”, ressaltou.

Espaço
Miguel Ângelo/CNI

Fernandes: faltam aeroportos secundários nos grandes centros
De forma geral, Fernandes avalia que a iniciativa de promover a aviação regional não foi acompanha de um estudo de viabilidade econômica e financeira do modelo. “É uma decisão política”, declarou.

Em sua opinião, o principal problema é a lotação dos aeroportos dos grandes centros mesmo após as ampliações decorrentes das concessões dos últimos anos. “A aviação regional não voa entre cidades pequenas, da cidade pequena vem em direção ao centro. Onde os aviões vão pousar nos grandes centros? Haverá espaço?”, questionou.

Fernandes observa que o governo priorizou a expansão dos grandes aeroportos internacionais, preparados para receber aeronaves de porte maior, e não se preocupou com a construção de aeroportos secundários nas capitais, projetados para atender a demanda vinda do interior.

O ministro Moreira Franco cita, no entanto, polos regionais que têm necessidade de maior volume de voos e poder aquisitivo suficiente para arcar com os serviços, como Macaé, no Rio de Janeiro, onde é forte a indústria petrolífera, Ribeirão Preto, em São Paulo, e Uberlândia, em Minas Gerais, que são centros do agronegócio.
Infraero

Macaé: demanda da indústria petrolífera
“O investidor vai saber, tem sensibilidade para ver se o ambiente e a segurança do negócio são favoráveis”, ressaltou o ministro. Ele citou como exemplo o Aeroporto de Angra dos Reis, polo turístico no litoral do Rio, administrado por um consórcio privado desde 2005 e que será ampliado com recursos do plano de aviação regional.

Para Fernandes, podem ser atrativos aeroportos que explorem “nichos” turísticos ou empresariais e que não dependam somente da demanda cotidiana de passageiros. Além de Macaé, ele destacou o Aeroporto de Cabo Frio, também no Rio, administrado pela iniciativa privada e que opera voos internacionais de cargas. “O aeroporto vive de cargas, não de passageiros. Eu acho que só com passageiros, sem que haja um direcionamento empresarial, [os aeroportos regionais] serão deficitários”, disse.

Empresas

Respício do Espírito Santo questiona a sustentabilidade de metas tão amplas como as apresentadas pelo governo. “Se ninguém pousa, quem é que vai se interessar em investir na ampliação e modernização de aeroportos”, declarou.

Em sua opinião, para que a aviação regional no Brasil de fato decole é essencial o surgimento de novas empresas aéreas dedicadas exclusivamente a este segmento, inclusive com incentivos fiscais.
Geraldo Magela/Agência Senado

Respício defende incentivos a novas companhias aéreas
“O Brasil carece de empresas regionais de fato, por isso deveria haver estímulo para que os empresários, profissionais do setor, constituíssem companhias especificamente regionais, sem limitação de acesso ao capital 100% estrangeiro”, declarou. “[Poderia ser capital] dos Estados Unidos, árabe, chinês, alemão. Seria um passo para modernizar a aviação no Brasil”, acrescentou Respício.

A proposta do professor precisaria de forte apoio político, pois a legislação brasileira não permite participação estrangeira acima de 49% nas empresas aéreas e teria que ser modificada. Ele destaca, porém, que tal iniciativa, além de investimentos, traria know-how internacional para o setor.

Respício não acredita que as companhias brasileiras terão interesse em atuar na aviação regional da forma que o governo quer. Isto porque o mercado nacional é dominado por quatro empresas que operam aviões de grande porte e rotas de alta procura: TAM, Gol, Azul e Avianca.

“Estas operações [de empresas regionais] existem na Europa, Ásia, Canadá, mas no Brasil ninguém quer operar, pois a estrutura de custos de uma empresa grande é gigantesca, ela não vai se preocupar com isso (rotas com poucos passageiros)”, destacou.

Os analistas avaliam que dificilmente este ano haverá ainda alguma novidade grande na área, por causa da eleição presidencial de outubro. “Mesmo processos que estão mais maduros, como o dos portos, vão ficar para o ano que vem”, disse Sundfeld.

O próprio ministro concorda que o rumo do programa vai depender do próximo governo. Ele ressaltou, no entanto, que os estudos ambientais e análises do Tribunal de Contas estão em andamento para o lançamento de editais de licitação, e disse que investidores interessados podem procurar a SAC para obter mais informações. O site da secretaria éwww.aviacaocivil.gov.br.
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