31 de mai. de 2015

Para além da tragédia: Mostra em SP explora paraísos coloridos e misticismo vudu do Haiti


“O Haiti é um país invisível”, disse o escritor Eduardo Galeano (1940-2015) em um discurso em frente à Biblioteca Nacional de Montevidéu em 2011 para reforçar que a ilha caribenha só era lembrada pelas sucessivas catástrofes que acometeram a sua história. Na contracorrente da narrativa trágica, a mostra “Haiti - Vida e Arte”, em cartaz na Galeria Olido, no centro de São Paulo, explora com 80 obras o lado positivo — e colorido — do país, ressaltando a importância da cultura vudu para a emancipação do povo haitiano, a primeira nação a se tornar independente da história da América Latina.

Patrícia Dichtchenian/OM

“Pra mim, todos os haitianos são vuduístas”, diz Emmanuel Saincilus, 29, em frente à sua tela, 'Bois Caiman', que aborda cerimônia vudu
“Por todos os lugares, há pessoas que acham que os haitianos não têm muita capacidade de reflexão. Mas nós temos muita imaginação e diversidade em nossa pintura. E nós levamos ao Brasil a alma imaginativa de nossa arte”, afirmou em entrevista a Opera Mundi Emmanuel Saincilus, um dos quase 30 artistas haitianos que têm trabalhos exibidos na mostra e o único que veio a São Paulo conferir a exposição e realizar um workshop sobre processo de criação.
Emmanuel é filho de Ismael Saincilus (1940-2000), um dos principais mestres da pintura haitiana que criou nos anos 1960 a Escola de Arte de Artibonite, centro de referência cultural responsável por projetar diversos artistas haitianos no circuito internacional.
Como muitos pintores da ilha, Emmanuel retrata em suas telas uma explosão de tonalidades vivas, tomando o misticismo do vudu e o universo onírico como uma das principais inspirações para as seus trabalhos. “O que proporciona as cores aos artistas haitianos é o próprio meio-ambiente da ilha, que é todo colorido”, diz.
Somadas às pinturas com cenários muitas vezes paradisíacos, a mostra conta com 27 peças de metal, que foram esculpidas a partir de latões de óleo usados para gerar energia ao país. Além disso, estão também expostas 23 bandeiras de vudu bordadas com milhares de missangas e lantejoulas que são utilizadas para a decoração de templos e em cerimônias religiosas.

Patrícia Dichtchekenian/OM

Com bordas de cetim, bandeiras de vudu chegam a usar até 20.000 miçangas e lantejoulas cada uma

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“Não tem como falar da arte do Haiti sem falar de vudu”, sintetiza a curadora Dirce Carrion. Para ela, que trabalha desde 2005 em projetos de direitos humanos na ilha caribenha, a mostra vem em um momento oportuno com a discussão do fluxo migratório de haitianos para o Brasil, que abre espaço para discursos racistas e xenófobos já existentes no país.
“Sempre tive vontade de trazer esse acervo para cá. A arte é o reconhecimento de que ninguém chega aqui sem nos aportar nada. Essas pessoas não chegam de mãos vazias, mas têm muito a nos acrescentar. Mostrar essas pessoas por meio da cultura é muito importante para nós”, argumenta Carrion.
Após o terremoto que matou mais de 200 mil pessoas em 2010, a curadora chegou a elaborar uma exposição sobre os haitianos no Museu Afro-Brasileiro. Assim como naquela ocasião, as obras que compõem a atual mostra são provenientes do acervo pessoal do colecionador haitiano Jacques Bartoli.

Patrícia Dichtchekenian/OM

Em rápida passagem por SP, colecionador Jacques Bartoli observa suas obras expostas na Galeria Olido
“Desde o início dos anos 1990, coloco minha coleção à disposição de quem quiser organizar exposições ou divulgar a cultura haitiana gratuitamente”, explica Bartoli. “Para mim, é uma forma de expor a cara positiva do haitiano. Frequentemente, é passada a imagem negativa de um Haiti marcado pela pobreza, instabilidade política, ditadura, etc. Parece que não há nada além disso em nosso lar. Mas há outras coisas que nós podemos mostrar. E o objetivo é que os brasileiros se aproximem da nossa cultura e vejam nossas semelhanças”.
SERVIÇO

Haiti Vida e Arte – 26/05 a 22/06
Galeria Olido – Avenida São João, 473, Centro - São Paulo/SP
Salão de Exposições – 1º Andar
Terça a sábado, das 13h às 20h; domingo, das 13h às 19h
Workshop com Emmanuel Saincilus: até sexta (29/06), a partir das 14h30
Realização: Prefeitura de São Paulo / Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial
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