11 de set. de 2015

A DITADURA QUE O INGLES VIU- por Isadora Otoni

O livro “A ditadura que o inglês viu” revela o apoio indireto que os ingleses deram ao golpe militar e as reprovações ao governo durante a ditadura
Por Isadora Otoni
A ditadura que o inglês viu Geraldo Cantarino Editora Mauad, 199 págs.
A ditadura que o inglês viu
Geraldo Cantarino
Editora Mauad, 199 págs.
Para o embaixador britânico Sir Leslie Fry, o brasileiro comum é passivo e sofredor, anormalmente pacífico e com aversão a derramamento de sangue. Para seu sucessor, Sir John Russell, os brasileiros eram ingratos à ajuda dos Estados Unidos. A salvação para esse povo, portanto, estava nas mãos dos militares e da “caridade americana”.
Os relatórios enviados pelos embaixadores ao ministro das Relações Exteriores do Reino Unido sobre o Brasil podem ser lidos em A ditadura que o inglês viu, livro de Geraldo Cantarino lançado pela Editora Mauad X esse ano. Em suma, os representantes da Inglaterra deram apoio indireto ao golpe militar, manifestando inclusive a necessidade de serem mais presentes. As medidas autoritárias dos militares são, muitas vezes, elogiadas.
Antes de João Goulart ser tirado do poder, Fry registrou seu medo do comunismo no Brasil e contou que o país estava em uma crise sem fim. “É difícil ver qualquer raio de esperança no horizonte”, escreveu. Logo quando o golpe de Estado foi declarado, o humor do diplomata mudou para um otimismo. “O comportamento de Castello Branco é firme e correto”, descreveum sobre o primeiro presidente da ditadura. O embaixador ressaltou as intenções de cortar a corrupção e iniciar reformas no país.
Depois da morte do estudante Edson Luiz de Lima Souto, em 1968, Russell elogiou a ação do Exército. “As autoridades chamaram o Exército e reassumiram o controle – com uma necessária e extravagante exibição de força”, relatou ao ministro Michael Stewart. Para o embaixador, os militares estavam corrigindo a falta de democracia instaurada desde Getúlio Vargas. Mesmo assim, ele admitiu que as alegações de que a oposição era comunista não passavam de generalizações.
Reviravoltas
Somente a partir do anúncio do Ato Institucional nº 5 (AI-5), John Russell dá outro tom em seus relatórios. Ele enviou o documento Brasil: Uma Revolução dentro da Revolução ao ministro Stewart descrevendo a situação tensa que o Ato deixou no país. “Os militares alegaram que um complô político estava em andamento para derrubar o regime. Eu tenho as minhas dúvidas”, comentou sobre as justificativas da decisão. “Começaram, jubilantemente, a prender pessoas consideradas hostis ao regime”, descreveu. Ele também falou sobre a censura: “Esse controle da imprensa é uma das características mais desagradáveis da situação atual”. “O fechamento do Congresso e a instauração da censura à imprensa são atos que ficarão entalados na garganta de muitos”, previu Russell.
(Reprodução/DCM)
Apesar de reprovar a violação dos direitos humanos, autoridades britânicas permaneceram caladas (Reprodução/DCM)
De fato, a Embaixada britânica envia em 1969 uma carta intitulada Terrorismo no Brasil. O documento confidencial narrava os casos de ataques a emissoras televisivas, assaltos a bancos e outros atos no Brasil. “Dois líderes terroristas conhecidos, Carlos Lamarca e Carlos Marighella, foram identificados como tendo tido uma participação importante”, destacam. Por causa dos fatos relatados, a Embaixada muda sua posição para favorável ao AI-5. Na época, o ministro de assuntos comerciais Jeffrey C. Petersen elogiou o assassinato de Marighella, comparando com a morte de Che Guevara.
O novo embaixador, Sir David Hunt, descreveu o ano de 1970 como “muito satisfatório”. Ele elogiou o governo de Médici tanto pela atividade econômica como política. Ainda aproveitou para ressaltar a amizade entre o Brasil e o Reino Unido. “Nós não temos problemas políticos de qualquer natureza com o Brasil”, escreveu. Sobre as supostas conquistas brasileiras, Hunt ainda citou que o país se tornou tricampeão da Copa do Mundo.
No entanto, David alfinetou a falta de democracia no Brasil. “Ninguém parece se importar com essa suspensão arbitrária da democracia”, lamentou. “Estou um pouco abalado, no entanto, por alguns representantes da maioria. Refiro-me, por exemplo, a um magnata do açúcar, pernambucano, que nos intervalos de abusar de seus trabalhadores de uma forma que jamais vi fora da América, expressou a mais extravagante admiração ao governo. Se um homem como ele é amigo do governo, eles devem ter muitos inimigos, ou pelos menos merecê-los”, opinou o embaixador. Em outra carta, ele arriscou dizer que em 1974 o país finalmente teria a eleição de um não militar.
Após uma visita da rainha Elizabeth II ao Brasil, os brasileiros esperavam uma visita de Estado em retribuição a Grã-Bretanha. Porém, as críticas ao regime brasileiro pipocavam no Reino Unido, o que dificultaria a retribuição. Até as fortes relações comerciais entre os países foram abaladas devido às guerrilhas urbanas e às acusações de tortura e maus-tratos de prisioneiros políticos.
Apesar das preocupações britânicas com a violação dos direitos humanos em relação a prisioneiros políticos brasileiros, as autoridades se calaram até a abertura política de Ernesto Geisel, em 1979. “Esta é uma questão interna para as autoridades brasileiras e não podemos fazer qualquer representação sobre casos particulares, a menos que a pessoa envolvida seja um cidadão britânico”, respondeu o vice-ministro das Relações Exteriores Joseph Godber ao pedido de intervenção feito pelo deputado Kevin McNamara.
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