5 de abr. de 2016

Comunidade se mobiliza para salvar o Casarão da Várzea em Recife-PE

Por Elen Carvalho,
De Recife (PE)

A comunidade do bairro da Várzea, na zona oeste do Recife (PE), está mobilizada para transformar em mercado público cultural um casarão que fica na Rua Azeredo Coutinho, 130, na esquina com a Praça Pinto Dâmaso. O movimento, chamado “Salve o Casarão da Várzea”, é composto por moradores do bairro e outras organizações sociais, como o Levante Popular da Juventude (LPJ).
Os mercados públicos fazem parte da vida da população recifense. São cerca de 30 mercados, com arquitetura e história próprias, espalhados pela cidade. Mais do que espaços para comércio de alimentos, utensílios e artesanato, são onde a cultura popular pode se manifestar da forma mais genuína e espontânea.
 
Selma já ouviu muitas promessas de reforma do espaço, para criação de um mercado público, e nenhuma concretização 
Morador do bairro há 33 anos, João Ricardo explica que o espaço é um ponto de referência para a comunidade e que diversas manifestações culturais já ocuparam o casarão. “Aqui acontecia ensaios de maracatu, treinos de grupos de capoeira e outras atividades. Hoje, nós queremos que ele se transforme em um espaço para o comércio e para desenvolver a cultura local”, deseja João.
Os moradores temem que a especulação imobiliária chegue ao local e privatize o prédio. “Já ouvi dizer que queriam construir restaurante aqui. Quem ia desfrutar desse espaço? Não seríamos nós”, argumenta Marcelo Pato, 37 anos, residente no bairro desde que nasceu. Ele entende que a mobilização dos moradores pelo casarão é fundamental para que o espaço seja destinado para o uso da comunidade.
Por isso, o movimento Salve o Casarão da Várzea vem realizando reuniões para discutir e a revitalização e uso do espaço. Neste mês de março, também foi realizada uma assembleia com toda a população do bairro. No início de abril, haverá um mutirão para a construção de uma horta comunitária no espaço externo, no qual os moradores também serão realizarão diversas oficinas e atividades. Entretanto, também será preciso contar com o apoio do poder público.
Abandono e licitação
 
  
Em agosto de 2015, foi divulgado pela imprensa local que a prefeitura teria aberto uma licitação de R$ 1,3 milhão para construção do mercado na área externa. Durante muito tempo, o Casarão da Várzea ficou tomado por lixo e vegetação alta. Lugar propício para a proliferação de insetos e outros animais. O interior do prédio está completamente deteriorado, restando as paredes externas e algumas poucas telhas no teto.
O movimento entrou com pedido de informações, como explica uma das advogadas que está cuidando do caso, Jackeline Florêncio: “Entramos com pedido de informações no gabinete de Projetos Especiais da Prefeitura do Recife e na Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural (DPPC), da Secretaria de Planejamento Urbano da Prefeitura, baseados na Lei de Acesso à Informação, para saber que projetos o poder público municipal tem para o Casarão. Inclusive, em que fase se encontra a licitação no valor de 1,3 milhão, que teria acontecido ano passado.”
Jackeline pontua que é a partir dessas respostas que futuras ações podem ser delineadas e explica que o prazo para que os órgãos respondam a essa solicitação ainda não acabou.
Histórico
O Casarão da Várzea foi inaugurado em 27 de maio de 1905 e é o único representante em Recife do estilo arquitetônico chalé romântico com dois pavimentos. A partir de 1944, o imóvel deixou de ser moradia e, durante 40 anos, foi sede do primeiro hospital odontológico da América Latina, o Magitot.
Depois de um tempo abandonado, a Associação de Moradores da Várzea pediu que o local fosse habitado pelo caseiro João Rosas e sua família, que passaram cerca de 20 anos morando no imóvel. Nos anos 1990, o Casarão fez parte da lista para a classificação em Imóvel Especial de Preservação (IEP), mas só foi contemplado em 21 de maio de 2015. O prédio também está incluído no Setor de Preservação Ambiental (SPA), da Zona Especial de Preservação Histórico – Cultural da Praça da Várzea (ZEPH – 07), de acordo com o Plano Diretor do Recife, lei n° 17.511/08.
Na gestão do prefeito João da Costa (2009-2013), houve uma assembleia com os moradores para discutir o destino do casarão, e o grupo decidiu construir um mercado público cultural. O prédio foi desapropriado em dezembro de 2013. No entanto, a construção do mercado ainda não foi concretizada e o abandono se tornou realidade mais uma vez.
Sonho coletivo
Integrante do Levante Popular da Juventude, Priscila Tamar destaca que a comunidade, que já viu o espaço ser usado para fins sociais quando sediava o hospital odontológico filantrópico, quer que a situação de abandono seja modificada. “Nós entendemos que só a luta popular traz transformações e vitória para a vida dos trabalhadores. Por isso, é de extrema importância que estejamos de mãos dadas com moradores, ambulantes, movimentos sociais e todos que queiram a possam fortalecer a luta por uma cidade para todos”, ressalta a militante.
Selma Cavalcanti tem uma barraca no entorno, onde vende condimentos, mel e garrafada há 20 anos. Ela já ouviu muitas promessas de reforma do espaço, para criação de um mercado público, e nenhuma concretização. A vendedora acredita que o mercado traria inúmeros benefícios para os comerciantes locais. “Seria uma benção para todos. A gente ia ter um lugar mais organizado, limpo e seguro para trabalhar”, afirma.
“Quando olho para cá, vejo a possibilidade de fazer salas para oficinas de artesanato, pintura, dança, música, cineclube. Além de uma horta comunitária, do espaço para o comércio e outras tantas possibilidades”, observa Mauro Neponuceno, mais conhecido como Dudu, que mora na rua de trás do casarão e enxerga muito potencial para que ele possa ser um dispositivo cultural e social.

Edição: Camila Rodrigues da Silva
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