14 de jun. de 2016

Meirelles foi investigado por mesmos motivos que Cunha


Meirelles foi investigado por mesmos motivos que Cunha


Relembre a reportagem de IstoÉ:
Henrique Meirelles, ex-presidente do BC
Henrique Meirelles, ex-presidente do BC
Presidente e diretor do BC esconderam da Receita bens no exterior

Henrique Meirelles e Luiz Augusto Candiota, responsável pela política monetária do Banco Central, são inves- tigados por suspeita de sonegação, omissão fiscal e evasão de divisas

Weiller Diniz
Na era Itamar Franco, o Banco Central era chamado de “caixa-preta” pelo então presidente da República. Menos pela arquitetura indevassável de sua sede em forma de caixote, cujo interior é protegido por espessos vidros negros, e mais pela autonomia da cúpula da instituição que mantém segredos econômicos trancados a sete chaves. Os discretos dirigentes do BC – a maioria egressa do mercado financeiro – em suas raras aparições públicas têm um padrão de comportamento e procuram exibir um ar austero e reservado. Pelo menos uma vez por mês ficam na berlinda nas famosas reuniões do Conselho de Política Monetária (Copom), que decide a taxa de juros do País. Agora os dois nomes mais importantes do Banco Central – o presidente, Henrique Meirelles, e o diretor de política monetária, Luiz Augusto de Oliveira Candiota – estão sendo observados de perto e, desta vez, não é só pelos economistas. Os dois estão sendo investigados por suspeita de sonegação fiscal e outros crimes tributários. Meirelles se enrolou na declaração do Imposto de Renda relativa ao ano de 2001. Sob o argumento de que morava no Exterior, ele simplesmente não apresentou sua declaração, o que é permitido a não-residentes no Brasil. Mas o problema é que em 2001 Meirelles declarou à Justiça Eleitoral que já estava residindo em Goiás, cumprindo a primeira exigência para se candidatar a deputado federal nas eleições do ano seguinte. Meirelles, um homem de R$ 100 milhões, também apresentou versões diferentes de seu patrimônio à Receita e ao Tribunal Regional Eleitoral. Já Candiota não declarou movimentações financeiras em uma conta em Nova York. A dupla está sob a lupa do Ministério Público e da CPI do Banestado, que pode readquirir musculatura com a chegada de uma nova base de dados de um banco nova-iorquino utilizado como uma megalavanderia de dinheiro sujo vindo da América do Sul: o MTB Bank, sediado no coração financeiro de Manhattan, que tem milhares de operações bancárias sendo analisadas e trocou de nome para CBC depois de ser investigado nos EUA.
Lavagem – O MTB é um velho conhecido da polícia americana e toda a direção do banco foi processada
por envolvimento com lavagem de dinheiro. No Brasil 
o banco também é conhecido. Por ele passaram as 
contas da White Gold (atribuída ao ex-prefeito Paulo Maluf) e movimentações do doleiro foragido Toninho Barcelona. É no número 90 da Broad Street de Nova York – endereço do MTB – que está alojada a conta de número 030172802 com uma movimentação financeira milionária utilizada pelo segundo homem na hierarquia do Banco Central, Luiz Augusto Candiota. A conta tem como titular uma offshore (empresa cujo proprietário real é escondido) de nome Europa, com endereço na Plaza Independência, 822, Montevidéu, Uruguai, outro conhecido paraíso fiscal. Na conta no MTB Bank, existem movimentações registradas por Candiota desde 16 de dezembro de 1999 até 9 de abril de 2002 que nunca foram declaradas à Receita Federal. A lei exige que brasileiros informem, anualmente, bens, contas e movimentações financeiras no Exterior.
Candiota só prestou contas ao Leão do fluxo de dinheiro na conta corrente do Citibank no paraíso fiscal de Nassau, mas não informou a existência de dinheiro no MTB Bank nas declarações de renda entre 1998 e 2002. Entre 1999 e 2002, em 11 operações, a conta no MTB movimentou exatos US$ 1.290.845,50, o equivalente hoje a R$ 3,8 milhões. Oficialmente, Candiota informou ter enviado US$ 960 mil (R$ 1 milhão) entre 1997 e 1999 ao Citibank Nassau. Nesse período, ele ocupou vários cargos em grandes bancos privados, inclusive o de diretor executivo do Citibank no Brasil. Em agosto de 2003, a propósito de remessas via CC-5 (de não-residentes no Brasil) para o Citibank no paraíso fiscal de Nassau, Candiota disse a ISTOÉ que estava em dia com a Receita. “Todas as remessas que fiz são legais. Os recursos têm origem declarada. A conta também. Estou pronto para explicar todos os detalhes desses fatos aos foros adequados.” Procurado por ISTOÉ na quinta-feira 22, o diretor disse, através do assessor de imprensa do BC, Jocimar Nastari, que não se manifestaria.
Doleiro preso – Em dezembro de 1999, quando Candiota atuava como diretor executivo do Banco Fibra em São Paulo, a movimentação secreta no MTB Bank recebeu US$ 100 mil (R$ 180 mil à época) vindos da Kundo S.A., uma offshore com sede no paraíso fiscal das Ilhas Virgens e tocada pelo doleiro paranaense Alberto Youssef, preso e condenado no Brasil por sonegação fiscal. O dinheiro foi parar na conta 15114115, em nome de Candiota no Northern International de Nova York. O valor e a conta não foram informados ao Imposto de Renda. A declaração do economista relativa ao ano de 1999 só registra uma conta no Exterior, a do Citibank, além de depósitos em bancos dentro do Brasil e outros bens. No ano seguinte, em 2000, Candiota mantém suas transações no MTB longe das garras do Leão. No dia 29 de novembro daquele ano, a conta movimentou outros US$ 60,9 mil (R$ 115,8 mil à época). O remetente do dinheiro, segundo a base de dados do MTB Bank, é o próprio Luiz Augusto de Oliveira Candiota, residente à rua Gregório Paes de Almeida, 974, Brasil. É o endereço de Candiota no Alto de Pinheiros, elegante bairro na capital paulista. Em 2001, a atividade financeira dele foi mais agitada. São quatro movimentações que repetem o esquema anterior: o dinheiro sai da conta no Citibank e vai parar na conta corrente do MTB, cujo titular é a Europa, mas o beneficiário final é o próprio Candiota. Foram quatro depósitos. O primeiro em 6 de fevereiro no valor de US$ 99,2 mil (R$ 197 mil), o segundo no dia 1º de agosto, de US$ 117,6 mil (R$ 294,1 mil), um outro em 17 de outubro no valor de US$ 66,1 mil (R$ 178 mil) e o maior deles, em 21 de setembro, foi de US$ 446,4 mil (R$ 1,2 milhão).
Em 2001, passaram pela conta no MTB US$ 729 mil. No Imposto de Renda relativo a 2001, Candiota dizia possuir R$ 343 mil na conta do Citibank nos Estados Unidos. Curiosamente, é na declaração de 2001 que o diretor do BC faz uma pirueta fiscal. Candiota fazia seu imposto no formulário completo – alguns à mão –, o que lhe permitia deduções entre R$ 25 mil e R$ 30 mil todos os anos. No Imposto de Renda de 2001, ele faz a opção de perder dinheiro e escolheu o formulário simplificado, no qual o abatimento máximo é de R$ 8 mil. É exatamente neste ano que seus rendimentos isentos e não tributáveis, no valor de R$ 1,057 milhão, entram no Brasil e dentro da declaração simplificada não precisam ser detalhados, assim como ocorreu com os funcionários públicos que estão sendo investigados por uma força-tarefa do governo.
Globalizado – Em 2002, Candiota já estava tocando
sua própria empresa, a Lacan Investimentos e Participações, junto com a mulher. Um ano antes, as ações da empresa correspondiam a R$ 1 mil, mas nas informações de 2002 elas foram declaradas no valor de R$ 2,3 milhões. Em seu currículo na página do BC na internet, ele afirma ser sócio-diretor do Grupo Lacan desde dezembro de 2000. No IR daquele ano não há menção à Lacan. Mesmo com a prosperidade em terras nacionais com a empresa e atuando na Bolsa, Candiota não descuidou da vida financeira no mundo globalizado. Em 2002, dançam US$ 404,4 mil na ciranda envolvendo o MTB, a offshore Europa e sua conta no Citibank. Foram três pequenos depósitos no mês de fevereiro, um em março e um quarto depósito no mês de abril, de US$ 320 mil (R$ 736 mil pelo câmbio da época). Naquele ano, desfilaram pela conta de Candiota no MTB o equivalente a R$ 933,8 mil, considerando o câmbio do dia de cada movimentação. As transações no MTB não foram declaradas e Candiota informou possuir R$ 505,5 mil no Citibank dos EUA. O curioso é que ele, em um único dia – 17 de outubro de 2001 –, faz duas operações. A primeira é oficial. Candiota traz dos EUA para o Brasil US$ 274,3 mil (R$ 746,1 mil) através da CC-5, mas no esquema paralelo ele envia US$ 66,1 mil para a conta Europa no MTB Bank. Há uma diferença entre o que Candiota diz ter remetido legalmente para o Exterior (US$ 960 mil) e o que ele internou no País (US$ 274 mil). Na ponta do lápis sobrariam US$ 686 mil, mas é o próprio Candiota que declara ter apenas US$ 143 mil no final de 2002 em terras estrangeiras. Os analistas da CPI acham que a diferença – US$ 543 mil – entrou no Brasil no mundo paralelo dos doleiros. Outro detalhe curioso do IR do diretor do BC está no saldo que ele declara ter no Citibank de Nassau no final de 1998. No ano-base de 1998 ele diz ter R$ 649 mil na conta. No ano seguinte, quando reproduz a quantidade de dinheiro na coluna relativa a 1998, o valor aumenta para R$ 1,016 milhão. Quanto mais Candiota enriquece, menos impostos ele paga.
Companhia – Candiota não está sozinho na investigação sobre bens e declarações de renda. Na última semana, dois procuradores no Distrito Federal abriram uma investigação que tem como alvo o presidente do Banco Central, o engenheiro Henrique Meirelles. O patrimônio edificado por Meirelles desde o tempo em que ocupava cargos menores no BankBoston até atingir o posto de presidente internacional da instituição é invejável. A fortuna bateu na casa dos R$ 100 milhões entre bens e direitos no Brasil e no Exterior. O principal problema identificado na análise das contas de Meirelles em suas declarações de renda está no ano de 2001 até maio de 2002, período no qual ele não pagou impostos no Brasil, mesmo tendo uma extensa lista de imóveis, fazendas, aplicações e empresas em seu nome no Exterior e no País. O patrimônio de Meirelles em 2001 somava R$ 105 milhões e poucos analistas acreditam que seus bens não geraram nenhuma renda.
De acordo com consulta feita na página da Receita na internet no último dia 24 de maio, o titular do CPF número 274.742.838-91, Henrique de Campos Meirelles, no ano de 2001, estava “omisso”, na linguagem utilizada pelos técnicos da Receita. No dia 12 de maio de 2003, ISTOÉ procurou a assessoria do presidente do BC para esclarecer se Henrique Meirelles havia declarado bens, ações e contas no Exterior e no Brasil relativos ao ano de 2001. “Não declarei porque não estava sujeito ao Fisco brasileiro naquele ano, pois morava no Exterior”, foi a resposta repassada pelo assessor especial do BC, João Batista do Nascimento Magalhães, acrescentando que o presidente do banco mudou seu domicílio fiscal para os EUA em 1997 e o reabriu em julho de 2002 no Brasil. Há controvérsias. Pelas leis da física nenhum corpo pode ocupar dois espaços simultaneamente. Meirelles acha que sim. O presidente do Banco Central disputou a eleição em 2002 e foi eleito deputado 
federal pelo PSDB. Renunciou depois para presidir o BC. O artigo 9 da lei eleitoral brasileira exige que todos os candidatos tenham filiação partidária e domicílio eleitoral de, no mínimo, um ano antes da eleição. Por isso Meirelles declarou à Justiça Eleitoral de Goiás que morava no Brasil no ano de 2001, caso contrário não poderia disputar a eleição.
Para os técnicos da Receita e especialistas, ouvidos por ISTOÉ, o que importa é o “ânimo de permanência”, como estabelece o código tributário nacional e as instruções normativas da Receita que disciplinam todos os anos quem tem que pagar impostos. “Sendo brasileiro, pisou aqui já é residente. Botou os pés no País já tem obrigações com o Fisco”, diz um técnico da Receita ouvido por ISTOÉ. O ex-secretário da Receita Ozires Lopes Filho concorda: “No Brasil o imposto é visto pelo ângulo da residência e não pela nacionalidade. Quando veio disputar uma eleição ele tinha que declarar.” Meirelles também apresentou declarações de bens discrepantes. Para o TRE de Goiás informou 12 imóveis no Exterior e, no Brasil, duas contas correntes e investimentos em fundos DI, além de ações em Nova York.
As informações para a Justiça Eleitoral são públicas. Por elas Meirelles fez um pé de meia de R$ 45 milhões. Já nas declarações sigilosas à Receita, com 50 itens, a fortuna do presidente do BC é mais do que o dobro: R$ 96 milhões. O apartamento na rua 8, no setor Oeste de Goiânia, por exemplo, tem duas avaliações. Para o TRE, conforme declaração assinada por Meirelles, ele vale R$ 540 mil. Aos olhos do Leão ele dobra e é avaliado por R$ 1 milhão. No dia 12 de maio deste ano, Meirelles foi procurado por ISTOÉ, via e-mail, às 11h18 com perguntas sobre seu patrimônio no Exterior. No mesmo dia, às 15h40, com a memória subitamente refrescada pela pergunta feita quatro horas e 22 minutos antes, Meirelles fez uma retificação da renda declarada no ano de 2002. Ele, já na cadeira de presidente do BC, aumenta em R$ 600 mil o valor recebido do Exterior, que pula de R$ 4,3 milhões para R$ 4,9 milhões. Desta forma, Meirelles, que solicitava uma restituição de R$ 54 mil, passou a devedor e pagou R$ 110 mil. Ouvido por ISTOÉ, Meirelles confirmou que não pagou impostos no Brasil relativos ao ano de 2001. Ao contrário dos tributaristas, Meirelles insiste que não tinha obrigação de pagar impostos no Brasil. Quanto à diferença de declarações à Justiça Eleitoral e à Receita, Meirelles disse: “Ambas as declarações são consistentes, observadas as datas de entrega, as mutações patrimoniais, bem como eventuais diferenças de critério aplicadas à finalidade de cada uma delas.” A diferença é de R$ 51 milhões. Entre a informação à Justiça, em julho, e à Receita, em dezembro de 2002, Meirelles não adquiriu bens no Brasil. Ao TRE ele não informou, por exemplo, a participação na empresa Red Horizon nos EUA. Também não declarou quadros, pratarias e móveis no valor de R$ 250 mil
Demissão – Não é a primeira vez que dirigentes do BC no atual governo enfrentam problemas com a Receita Federal. No ano passado, o economista Beny Barnes, então diretor de assuntos internacionais do Banco, foi obrigado a sair de fininho depois de ser flagrado enviando R$ 7,5 milhões para o Exterior sem declarar ao Imposto de Renda. Depois disso, fez três declarações retificadoras à Receita. Por estas e por outras que muita gente não entende por que os diretores do BC trocam salários milionários no sistema financeiro por remunerações bem mais modestas como servidores públicos. Os segredos que levam da “caixa-preta” podem valer muito no ávido mercado financeiro. Em março de 2003, ao ser aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, o atual diretor de Política Monetária, Luiz Augusto de Oliveira Candiota, parafraseou um colega americano e deu a pista do porquê é tão importante ganhar menos, desde que seja no BC: “Existem três grandes invenções desde o começo dos tempos: o fogo, a roda e o Banco Central.” Não se sabe o que o economista faria com as duas primeiras invenções. E nem se imagina o que faria com a terceira.”
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