27 de jul. de 2016

"De três em três semanas abre um novo hotel no centro de Lisboa"


"De três em três semanas abre um novo hotel no centro de Lisboa"

Rita Silva, da Associação Habita, e Ricardo Robles, deputado municipal do Bloco, discutem a massificação do turismo e a gentrificação na cidade de Lisboa.
Rita Silva, investigadora e da associação Habita, que defende o direito à habitação e Ricardo Robles, engenheiro civil e deputado Municipal do Bloco de Esquerda, comentam, para o programa Mais Esquerda, a massificação do turismo e a gentrificação na cidade de Lisboa. O comentário pode ser visto aqui e lido na íntegra em baixo. O comentário foi moderado por Mariana Gomes.
Rita, o que achas que nos trouxe a esta situação?
Penso que existe uma série de fatores e de condições que nos trouxeram a esta situação. Há uma espécie de tempestade perfeita que junta questões internacionais com um conjunto de legislação feita a favor desta evolução do mercado. No sentido de tornar a cidade cada vez mais inacessível às pessoas que aqui habitam e tornar o imobiliário mais caro e virado para outro tipo de negócio, que não é o alojamento e o arrendamento para as pessoas que cá estão.
Por isso, em termos de legislação, a a lei das rendas foi a primeira pedra deste edifício legislativo que tem sido construído. Foi uma encomenda da troika, na verdade, ao serviço do capital financeiro e que já tinha previsto que havia um novo modelo de desenvolvimento para a cidade, uma vez que o modelo anterior já se tinha esgotado, a construção nova e expansão da cidade.
Neste momento, temos o centro da cidade com o objetivo da reabilitação urbana de luxo, virada para o arrendamento temporário e para altos standards de rentabilidade. Esta lei das rendas desprotege completamente os inquilinos e faz com que o despejo seja muito fácil e precariza os contratos. O que faz com que, neste momento, seja muito fácil despejar para o negócio imobiliário dentro da cidade, onde havia a maioria dos contratos de arrendamento.
Neste momento, temos o centro da cidade com o objetivo da reabilitação urbana de luxo, virada para o arrendamento temporário e para altos standards de rentabilidade. Esta lei das rendas desprotege completamente os inquilinos e faz com que o despejo seja muito fácil e precariza os contratos. O que faz com que, neste momento, seja muito fácil despejar para o negócio imobiliário dentro da cidade, onde havia a maioria dos contratos de arrendamento.
Por outro lado, temos Lisboa, e não só, o país foi transformado numa espécie de um offshore imobiliário para onde se estão a virar, neste momento, muitos investidores estrangeiros. Temos não só os vistos gold, como os residentes não habituais que neste momento também têm um sistema fiscal muito… uma espécie de um offshore para pessoas que habitem 146 dia por ano em Portugal.
Os fundos de investimento imobiliário continuam praticamente a não pagar impostos nenhuns e, por isso, esta espécie de offshore faz com que haja muito investimento estrangeiro e que não vai criar emprego, vem sobretudo comprar, investir no imobiliário, sobretudo para especular.
Temos toda uma concepção neoliberal do urbanismo, uma liberalização progressiva daquilo que foram as leis de reabilitação urbana, dos próprios PDMs, dos planos de promenor, ou seja, toda uma conceção do urbanismo que entrega e delega no mercado aquilo que deveria regular. Isto faz com que tenhamos neste momento um processo em curso que torna a cidade mais cara, associado ao turismo, não estando eu contra os turistas, acho que a falta de regulação, nomeadamente a questão do alojamento local, que está sem freio, sem qualquer regulação, tudo isso dá origem a um processo de encarecimento da cidade como nunca se viu.
Ricardo, achas que o turismo é um problema na cidade?
Não, o turismo não é um problema, é uma vantagem. Lisboa tem características únicas, uma capacidade de atração muito grande, as pessoas gostam de visitar a cidade e é bom que a cidade esteja preparada para receber pessoas e turistas que nos visitam. Naturalmente, a dimensão do turismo em Lisboa está num patamar cujo impacto na vida de quem trabalhe de quem habita o centro da cidade não é desprezível. É importante pensar como é que a cidade se pode preparar para uma dimensão do turismo tal como ele está neste momento.
Em 2016, vão abrir 20 novos hotéis no centro de Lisboa, na Baixa Pombalina, naquela meia dúzia de ruas no centro da cidade, 20 novos hotéis em 2017, praticamente de quinze em quinze dias, ou de três em três semanas abre um novo hotel no centro da cidade. A cidade não se pode tornar uma cidade montra, uma cidade de vitrine, uma cidade de cenário, porque depois também deixa de ter interesse e essas características únicas desaparecem.
A cidade precisa de se preparar para o turismo e de criar condições para quem possa, e queira, viver no centro da cidade. Esta pressão do turismo é uma das componentes, tal como a Rita disse, de todo o processo de supervalorização do centro da cidade.
Em 2016, vão abrir 20 novos hotéis no centro de Lisboa e 20 novos hotéis em 2017. Praticamente de três em três semanas abre um novo hotel no centro da cidade. A cidade não se pode tornar uma cidade montra, de cenário.
Em 2015, em algumas das freguesias do centro da cidade, os imóveis aumentaram de preço na ordem dos 22%, portanto, há uma expulsão de quem tem menos capacidade económica do centro da cidade porque não consegue pagá-lo. Nós há uns anos éramos contra os condomínios fechados porque achávamos que não era forma de fazer cidade, os condomínios fechados agora não têm muros, mas têm preços. A cidade fecha-se porque o seu centro passa a ser proibitivo, em termos de preços, para poder habitar, tanto de aluguer, como de compra. É preciso pensar a cidade e abri-la para que não se feche sobre oturismo.
Para combater os aumentos súbitos das rendas, as plataformas online de alojamento local, como o airbnb, foram proibidas por exemplo, em Berlim. Rita, achas que deveria acontecer o mesmo em Lisboa?
Acho que neste momento não podemos apenas reduzir a questão ao alojamento local e ao airbnb. Como eu disse antes, há uma serie de legislação que está, toda ela, a incentivar; o Estado põe a mão, no sentido de ajudar o mercado a ter cada vez mais rentabilidade, desprotegendo cada vez mais as pessoas. É preciso regulação que proteja as pessoas, que regule, por exemplo, o preço das rendas. Hoje em dia é um tabu falar na regulação do mercado de arrendamento. É tabu quando isso existe em muitas outras cidades. Já existiu em Nova Iorque, está neste momento a acabar devido a ideologia neoliberal, existe em Paris, em Berlim, noutras cidades.
É preciso mais regulação, é preciso controlo do arrendamento, é preciso a proteção do direito dos inquilinos. Eu acho que ao nível do alojamento local, uma coisa que existe é a equiparação habitação - alojamento local que, para a Câmara de Lisboa, é a mesma coisa. Não pode ser e tem que haver regras de licenciamento. Eventualmente, neste momento até pondero uma moratória a não haver mais alojamento local, uma vez que isto está a ter um impacto muito brusco, muito repentino, na quantidade de casas que existem para arrendamento. E outras questões, como a aproximação no regime fiscal entre uma plataforma, as plataformas e o alojamento local e o arrendamento.
Em relação ao airbnb, há grandes proprietários, há fundos de investimento imobiliário, há habitação de luxo de arrendamento temporário que beneficiam do alojamento local. E há os pequenos proprietários, famílias, jovens, pessoas que, não tendo trabalho, ou tendo rendimentos baixos, têm ali a sua forma de sobrevivência. Deveríamos distinguir entre uns e outros.
Além disso, é preciso acabar com o offshore imobiliário. Pouca gente está a falar nisso e é muito importante, porque a quantidade de investimento estrangeiro a comprar habitação em Portugal é enorme e depois é preciso uma política pública que, além da regulação e da proteção das pessoas, deve ter um investimento na habitação. Eu temo que o programa “Lisboa para Todos” seja totalmente insuficiente e pode-se reduzir a um slogan.
Em relação ao airbnb, parece-me que temos de ter atenção e de ver quais são os atores que estão a fazer alojamento local. Há grandes proprietários, há fundos de investimento imobiliário, há habitação de luxo de arrendamento temporário que beneficiam do alojamento local. E há os pequenos proprietários, famílias, jovens, pessoas que, não tendo trabalho, ou tendo rendimentos baixos, têm ali a sua forma de sobrevivência. Deveríamos distinguir entre uns e outros. E tentar perceber como é que isso se pode fazer, mas precisamos de uma política pública que esteja ao serviço do direito à habitação, da acessibilidade da habitação às pessoas, e não ao serviço dos interesses financeiros do imobiliário.
Já começaste a responder um bocadinho, mas pergunto agora ao Ricardo, quais são as medidas que deveriam ser tomadas?
Voltando atrás com a questão do alojamento local, é de facto uma parte do problema, não é o problema p alojamento local só por si. Mas, de facto, a própria Associação reconhece que abrem todos os meses 200 novos espaços de alojamento local no centro da cidade e isso cria uma pressão muito grande na ofertas, nas casas que estão disponíveis para habitação. Ao contrário do que defendia o governo de Passos Coelho e de Paulo Portas, é preciso regulamentar, e não desregulamentar. E é preciso que haja controlo sobre esse licenciamento.
A Associação de Alojamento Local reconhece que abrem todos os meses 200 novos espaços de alojamento local no centro da cidade e isso cria uma pressão muito grande nas casas que estão disponíveis para habitação. É preciso que haja controlo sobre esse licenciamento e é preciso uma moratória para parar o licenciamento de novas unidades hoteleiras.
É sobretudo também preciso uma moratória, para parar o licenciamento de novas unidades hoteleiras. A atual Presidente da Câmara de Barcelona adotou esta medida. Barcelona é uma cidade para a qual temos que olhar, e temos que aprender muito com essa cidade, há outras na Europa, como Veneza, Berlim, Amesterdão, Londres. É preciso olhar para essas cidades e perceber os problemas que surgiram e as respostas que foram encontradas. Uma moratória sobre o licenciamento de novas unidades hoteleiras é uma delas.
Depois, é preciso que a Câmara pare a alienação de património. A Câmara tem muito património, não só no centro, mas em toda a cidade, e esse património é um instrumento importante para criar políticas de habitação. É preciso usar esse património, e não vendê-lo. Não vamos desbaratá-lo para apresentar contas bonitas, é preciso utilizar esse património para o manter e pô-lo à disposição das pessoas.
Por último, há uma taxa turística implementada por esta Câmara Municipal, que recolhe anualmente 16 milhões de euros. Este valor imenso, está nas mãos de organizações como a Associação Turismo de Lisboa ou a Associação de Hotelaria de Portugal e é preciso que não esteja nas mãos destas associações, mas na mão do poder municipal para que coloque esse dinheiro ao serviço da populações. Melhores equipamentos, melhores sistemas de mobilidade no centro da cidade e fora do centro da cidade, e, sobretudo mais opções de habitação. O dinheiro que fica na cidade, contributo do turismo, tem de ser aplicado às pessoas e não às associações de hotelaria e os atores que beneficiam do próprio turismo.

+e, Ep2 | Gentrificação, com comentários de Rita Silva e Ricardo Robles | ESQUERDA.NET


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