26 de jul. de 2016

Desenvolvimento: Ilhas Maurício à venda

Desenvolvimento: Ilhas Maurício à venda


Port Louis, 08/08/2007 – “Neste país estamos vendendo tudo, desde nossos corpos até nossa terra e, agora, o mar e a lagoa. Vai restar alguma coisa para nós?”, perguntou Jack Bizlall, porta-voz da rede de organizações não-governamentais de Maurício chamada Kalipso. “Não sei como dizer aos meus filhos que estão vendendo o mar e a lagoa a investidores privados e que não estou fazendo nada para ir contra eles”, disse o ambientalista Vassen Kauppaymuthoo. Ativistas e pescadores locais, junto com outros que ganham a vida em atividades relacionadas com o mar e a lagoa, procuram impedir que o governo desta república leve adiante seu projeto de lei sobre “negócios aquáticos”. Os ativistas também estão preocupados com a lagoa e os arrecifes próximos devido à calma de suas águas azul-claro, uma das principais atrações turísticas da ilha.
O governo pretende regulamentar a atividade comercial desenvolvida no mar ou em torno dele. Partes do oceano e da lagoa serão entregues em concessão, deixando, assim, de pertencerem ao domínio público. O prazo máximo de arrendamento será de 30 anos, segundo o projeto. As concessões ao setor privado serão concedidas para construção de embarcadouros, extração de água do mar e desenvolvimento da aqüicultura. O plano também contempla conceder a quem obtiver os arrendamentos áreas de terras próximas à costa. Qualquer pessoa que entrar sem permissão nessas áreas será punida com penas de até um ano de prisão ou multa de até US$ 3.125, de acordo com o projeto de lei.
O governo desta ilha do oceano Índico, 900 quilômetros a leste de Madagascar, busca investimentos privados com experiência e suficiente capital para pagar o arrendamento e as licenças, com uma participação de estrangeiros que pode chegar a até 80%. “Se esta lei for aprovada, a lagoa e o oceano em volta da ilha deixará de pertencer ao público e serão integrados aos investidores para seu uso exclusivo”, afirmou Kauppaymuthoo. O ambientalista acrescentou que o governo não tem faculdade para fazer isso, já que a Constituição do país, que ficou independente da Grã-Bretanha em 1968, estabelece que o oceano não lhe pertence.
Além disso, disse que a aqüicultura tem conseqüências negativas para o meio ambiente, pois os peixes são alimentados com farinhas animais, produtos químicos e outras substâncias que contaminarão o mar e a lagoa, causando doenças nas pessoas e atraindo os tubarões. “A indústria do turismo, que proporciona à ilha uma grande quantidade de divisas, também sofrerá”, advertiu Kauppaymuthoo. Maurício está desenvolvendo rapidamente seu setor turístico, com a meta de atrair cerca de dois milhões de visitantes por ano no curto prazo. O ministro da Agroindústria e da Pesca, Arvin Boolell, disse, em defesa do projeto, que o desenvolvimento da aqüicultura e da indústria pesqueira é parte da estratégia oficial para acelerar o crescimento econômico.
O objetivo é duplicar em sete anos a renda per capita, que agora está em torno de US$ 5.400 . “Como faremos isto a não ser criando riqueza e trabalho para nossa gente?”, perguntou o ministro da Indústria e do Comércio, Rajesh Jeetah. O presidente da governamental Comissão para a Democratização da Economia, Cader Sayed Hossen, afirmou que o açúcar refinado, um dos principais produtos de exportação de Maurício, é vendido na Europa a 500 euros a tonelada, enquanto uma tonelada de corvina vermelha custa 3.500 euros. “Isso significa uma grande renda para a ilha”, afirmou.
Boolell destacou o crescimento no consumo de pescado por habitante, que alcançou os 21 quilos, e o esgotamento desse recurso na lagoa. O diretor do Fundo de Investimento dos Pescadores, que apóia o projeto, acrescentou: “Como vamos alimentar a população e os turistas sem pescado?”. Já foram identificados 20 potenciais locais para o desenvolvimento da criação artificial e 10 investidores, tanto locais quanto estrangeiros, declararam seu interesse, disse à IPS uma fonte do Conselho de Investimentos. Boolell afirmou que Maurício pode receber US$ 25 milhões em investimentos, que criariam cinco mil postos de trabalho.
Segundo estudo feito por uma firma francesa, poderia chegar-se a uma produção anual de 29 mil toneladas de pescado em criadouros. “Se todos estes projetos forem postos em prática se utilizará menos de 1% dos 280 quilômetros quadrados da lagoa”, disse Boolell. Mas Kauppaymuthoo é pessimista. “Quando uma porta é aberta, permanece aberta. Hoje é 1%, que pode se transformar em 2% e depois em mais. Onde iremos parar?”, perguntou. Pequenas organizações políticas e sociais são as únicas que criticam o projeto. Algumas argumentam que os pescadores e o público ficarão privados do acesso às praias e à lagoa.
Um destes grupos, o Lalit, destacou que “guardas privados já estão tomando conta das praias diante dos hotéis, cuja construção aumenta, ocupando uma parte crescente da costa”. Boolell negou que ficará proibido o acesso da população às praias, e garantiu que será proibida a navegação de embarcações de recreio. “Os que são contra o projeto deveriam conhecer o único criadouro de peixes da ilha. Por acaso estão proibindo as pessoas de irem à praia?”, acrescentou. Esse criadouro começou a operar em 2002 no sudeste da ilha. Produz cerca de mil toneladas anuais em uma superfície de dois hectares no mar, tanto quanto os dois mil pescadores dedicados à pesca artesanal em uma área de 243 quilômetros quadrados.
O diretor da companhia, Chris Lee Sin Cheong, afirmou que não há nenhum problema derivado de sua atividade, seja ambiental ou por causa da suposta atração de tubarões. “Não proibimos ninguém de ir ao mar. Todos podem vir e comprovar por si mesmos, mas ninguém o fez até agora”, afirmou. Cheong, entretanto, admitiu que a lei proposta vai regulamentar o acesso. “De outra forma, qualquer um poderá vir para fazer qualquer coisa no mar e na laguna”, acrescentou. Também assegurou que “nunca contaminaríamos o meio ambiente, afetando a indústria turística que está crescendo rapidamente”.
Kauppaymuthoo recordou que na década de 90 as autoridades negaram que existisse problema de contaminação da água pela atividade de uma unidade de tingimento têxtil. “Mas um estudo da Universidade de Maurício, que enviou ao exterior amostras de salmonete para serem analisadas, detectou a presença de metais pesados neles”, afirmou. As organizações sociais enfatizam que se os criadouros são úteis devem estar nas mãos de pescadores artesanais, com a vista voltada para o interesse público, encarando a atividade de maneira sustentável. Boolell disse que devido à globalização Maurício deve identificar novos setores de atividade economia. “A aqüicultura é um deles. Ou nos adaptamos às novas condições ou perecemos”, afirmou. (IPS/Envolverde)
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