17 de jul. de 2016

Renegociação da Dívida Pública - Desenvolvimento e Soberania. Editor - o artigo em nada difere da situação brasileira

Renegociação da Dívida Pública - Desenvolvimento e Soberania

A 5 de Abril de 2011, o Secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, realizou a Conferência de Imprensa, «Renegociar a dívida pública – Desenvolver a produção nacional», onde se denunciava o «insuportável e ilegítimo processo de extorsão dos recursos nacionais, por via da especulação das taxas de juro sobre a dívida pública portuguesa», e reclamava: «A renegociação imediata da actual dívida pública (…) com reavaliação dos prazos, das taxas de juro e dos montantes a pagar; A intervenção junto de outros países que enfrentam problemas similares(…) visando uma acção convergente para barrar a espiral especulativa, a par da revisão dos estatutos e objectivos do BCE (…)»; «A adopção de uma política virada para o crescimento económico(…) de defesa e promoção da produção nacional»; «A diversificação das fontes de financiamento» e «A avaliação» das Parcerias Público Privadas, visando «a renegociação ou cessação de contratos que se mostrem ruinosos para o Estado».
Estávamos em vésperas do pedido do governo PS/Sócrates, sob o ultimato dos banqueiros nacionais e o apoio do PSD e CDS, para a intervenção da troika. Recorde-se que, nesse mesmo dia, a banca nacional veio publicamente recusar empréstimos ao Estado e exigir o recurso ao FMI.
O PCP afirmava, assim, um caminho de ruptura à política dos PEC – o PEC 4 tinha acabado de ser chumbado na Assembleia da República – e alternativo à ingerência externa e à chantagem dos mercados financeiros!
Caminho que foi depois consolidado e desenvolvido no Compromisso Eleitoral para as Legislativas/2011, onde, no texto de apresentação, afirmamos: «o PCP não precisou de esperar por 2010 e 2011 para assinalar, de forma clara e explícita, o principal problema do País. Os brutais défice e dívida externa, e localizar a sua origem».
A que se deu seguimento com o Projecto de Resolução n.º 4/XII/1.ª, «Pela Renegociação da Dívida», apresentado no início dos trabalhos da nova Assembleia da República, debatido a 20.07.2011, e depois reprovado pelo PS, PSD e CDS.
Estava então em curso uma campanha mediática e política de terror, chantagem e mistificação, procurando justificar e tornar imprescindível, inevitável, porque era dito, sem alternativa: a entrada da troika e a «negociação» de um dito Memorando de Entendimento. De facto, como justamente foi denominada pelo PCP, um verdadeiro Pacto de Agressão ao País e aos portugueses! Pacto imposto pela troika estrangeira – CE, BCE, FMI – e aceite e subscrito pela troika nacional, PS, PSD e CDS.
Portugal estava, no discurso desses partidos, acossado entre a espada e a parede: sem a troika e o Memorando era a bancarrota do Estado (como se algum Estado alguma vez tivesse sido extinto, encerrado, à semelhança de uma empresa, por descontrolo/bancarrota das suas contas!). Não haveria dinheiro para o pagamento dos salários e pensões! Foi a tentativa de auto-culpabilização dos portugueses, com a conhecida tese do «vivemos acima das nossas possibilidades»! Foram as explicações simplistas e parciais, falsas, para explicar o buraco a que as suas políticas de direita tinham conduzido o País, absolvendo-as. Valia e valeu tudo para explicar o inexplicável: como era possível acontecer o desastre financeiro do País, numa UE de países «irmãos e solidários», e que tinha sido apresentada como o paraíso à nossa espera! Como era possível tal coisa com o guarda-chuva do Euro? Não tinha garantido Victor Constâncio, um actual Vice-presidente do BCE, quando em 2000 tomava posse de Governador do Banco de Portugal, ser o Euro um seguro contra todos os riscos? Afirmou então Victor Constâncio: «Sem moeda própria não voltaremos a ter problemas de balança de pagamentos iguais aos do passado. Não existe um problema monetário macroeconómico e não há que tomar medidas restritivas por causa da balança de pagamentos. (…) Se e quando o endividamento for considerado excessivo, as despesas terão que ser contidas porque o sistema financeiro limitará o crédito. O equilíbrio restabelece-se espontaneamente, por um mecanismo de deflação das despesas, e não têm que se aplicar políticas de ajustamento.»
Destaque-se e sublinhe-se: «O equilíbrio restabelece-se espontaneamente» e «não têm que se aplicar políticas de ajustamento»!!!
A proposta do PCP de renegociação da Dívida foi então silenciada ou considerada, nos melhores dos epítetos atribuídos, como «irrealista», «desajustada». Estava e esteve o PCP quase sozinho, demasiado tempo, na sua defesa. Mas há três conclusões decorrentes da nossa proposta que são hoje possíveis de evidenciar:
– A especulação da Dívida Pública portuguesa, e de outros países, só aconteceu porque as funções do Banco de Portugal, como emprestador de último recurso, desapareceram com a adesão à UEM, e não foram para lado nenhum… o BCE não as absorveu! Quando, no Verão de 2012, o BCE, ao arrepio dos seus Estatutos, assume essas mesmas funções, a especulação caiu. A especulação contra a Dívida Pública portuguesa não era uma inevitabilidade!
– A extrema oportunidade da nossa proposta de renegociação, em Abril de 2011. Portugal tinha, então, como principais credores externos privados grandes bancos alemães, franceses, holandeses, etc. Hoje tem pela frente, além de bancos portugueses, três poderosos credores institucionais/oficiais (CE, BCE, FMI) a imporem as suas regras e, ironia das ironias, com a colaboração do próprio Estado português, parte de qualquer dessas entidades.
O tempo decorrido com a intervenção da troika foi mais que suficiente para que a banca estrangeira se aliviasse dos títulos de dívida do Estado e de outros activos portugueses. Degradaram-se, desde então, as condições de renegociação, quer pelo volume largamente acrescido da Dívida (mais 32% em Dezembro/2015 face a Março/2011), quer pelo tipo de credores! O «empréstimo» da troika destinou-se a salvar alguns dos principais bancos do Directório comunitário e não a salvar o País 1.
– A razoabilidade da nossa proposta face à solução trágica da entrada da troika e da assinatura do Pacto de Agressão. Cinco anos depois, mais 55,6 mil milhões de euros (mais 32 pontos percentuais no rácio do PIB, no período já referido) de Dívida Pública (que pode ainda ser acrescida, segundo o Conselho de Finanças Públicas e o Eurostat, com mais 92,7% do PIB de «passivos contingentes»), periclitantes contas públicas, um tecido económico esfrangalhado e brutalmente endividado – alguma redução do endividamento das pequenas empresas é fruto de milhares de falências – algumas das principais empresas portuguesas desmanteladas e/ou entregues ao capital estrangeiro – CIMPOR, PT, EDP, REN, ANA, CTT, TAP, FIDELIDADE, etc.) –, uma crise sem fim no sector financeiro, com elevados custos públicos, uma colectividade humana destroçada, fragilizada, flagelada, empobrecida e reduzida de meio milhão de cidadãos na força da vida, 5% da população, 10% da sua força de trabalho! Que o País vai pagar muito caro no médio prazo, em termos demográficos, económicos e sociais.

O debate ideológico sobre a Dívida (as dívidas)…

Com a transformação do Pacto de Agressão no Programa do governo PSD/CDS P. Coelho/P. Portas, sob a tutela da troika, as «narrativas» de classe intensificaram-se para que a propaganda ajudasse a vencer a enorme resistência e luta dos trabalhadores e do povo, que de muitas formas e feitios aconteceu. Hoje é claro que as coisas não foram mais longe porque existiu essa resistência e luta! Passos e Portas são derrotados nas eleições de Outubro, apesar de todas as mentiras e demagogia que semearam em 2015, porque existiu essa resistência e luta.
A resposta ao problema da Dívida Pública continua a ser hoje a questão política nuclear do País. Questão inapelavelmente imbricada com o a libertação do País do Euro e da assumpção do controlo público sobre a banca. Mas não menos decisivo foi e é identificar com rigor as causas da Dívida, identificar as políticas, as dinâmicas económicas e sociais que a fizeram crescer/engordar, até atingir a sua actual dimensão.
Essa identificação é crucial para lhe responder adequadamente e equacionar com igual rigor e solidez as soluções, hoje, para Portugal.
Desde a chegada da troika várias e diversas foram as explicações/justificações. Numa breve síntese avança-se com a seguinte (e discutível) seriação:
– Uma identificação das «causas» da Dívida para justificar as políticas realizadas e o cumprimento do Pacto de Agressão. Vivíamos acima das nossas possibilidades e/ou tínhamos um Estado «gordo», um peso do Estado desproporcionado face à capacidade económica, aos recursos do País. Enunciava-se assim uma fraude política, para de forma simplista e populista justificar o facto consumado da agressão da troika.
– Uma identificação como «causas» da Dívida, a crise do sistema capitalista aberta em 2007 (o subprime), uma forma do PS explicar, ou a governação «despesista» dos governos PS/Sócrates (2005/2011); e uma forma do PSD/CDS justificar, escondendo as responsabilidades dos seus governos anteriores a 2005 e o apoio à generalidade das decisões estratégicas dos governos PS, caso dos três primeiros PEC! Duas explicações «passa-culpas»!
– Uma identificação das «causas», localizando-as no sistema político e particularmente nos sistemas eleitorais… Por muitos outros, Silva Peneda (PSD), ex-presidente do Conselho Económico e Social, explica: «Não foi o mercado que falhou, o que falhou foi o sistema político», e que era preciso «a reforma do modelo de governação». Ou seja, uma efectiva manobra de diversão!
Muitas outras «causas» foram sendo avançadas, tais como a idiossincrasia do capitalismo português – «um capitalismo sem capital», e ainda a corrupção, identificada como a grande, quando não a única responsável, pelos défices orçamentais.
Algumas das causas anteriormente referenciadas tiveram, certamente, em graus muito diversos, responsabilidades parcelares pela situação a que chegámos, mas não atingem o nível de explicações sistémicas. Mas todas têm um objectivo preciso: promovem a desresponsabilização política de sucessivos governos e maiorias, e dos respectivos partidos, PS, PSD e CDS, e das suas consensuais opções políticas estratégicas! E não foi por falta de condições e meios políticos e financeiros para outra política. Dispuseram de maiorias absolutas na Assembleia da República e vultosas disponibilidades de fundos comunitários e receitas das privatizações. O resultado é conhecido, um desastre económico e social, um monstruoso endividamento público, das empresas e das famílias, um brutal agravamento de desigualdades sociais e regionais, desequilíbrios e insustentabilidade económica e social…
As causas estão na política de direita, prosseguida há 40 anos por governos PS, PSD, com/sem CDS, com um conteúdo central: uma recuperação capitalista, latifundista e imperialista, com três eixos estruturantes.
As privatizações, liberalização e desregulamentação económicas – nomeadamente com a reconstituição/recomposição de grupos monopolistas, associados/dominados pelo capital estrangeiro e a destruição da Reforma Agrária.
Os que fizeram essa recomposição do poder económico monopolista, e viam nos novos grupos «os elementos racionalizadores das transformações económicas do País, da modernização e de um novo modelo de especialização» (segundo Guterres); os que promoveram a destruição da Reforma Agrária, que significou a retoma do comando da política agrícola nacional pela classe dos grandes proprietários do Alentejo e Ribatejo, com o aprofundamento das políticas de liquidação da agricultura familiar e do agravamento do défice agro-alimentar nacional, deviam hoje olhar para o País e tirar conclusões do resultado da sua estratégia e prática governativas.
A integração capitalista europeia, a partir da Adesão à CEE em 1986, e os consequentes saltos qualitativos, Mercado Único, Maastricht e a moeda única, o Euro, do Tratado de Lisboa, do Tratado Orçamental. Processo que prossegue com o aprofundamento federalista e neoliberal com a União Bancária. Integração que retirou ao País instrumentos económicos e políticos fundamentais para o seu desenvolvimento independente e soberano, num mundo de fortes e crescentes interdependências. Alguns dos principais défices e estrangulamentos económicos e sociais do País, nomeadamente os crimes cometidos contra os seus sectores produtivos, e a sujeição à chantagem dos mercados financeiros, decorrem da política de direita, enquadrada e conduzida pela União Europeia!
A significativa «financeirização» da economia nacional, com uma forte presença e domínio das dinâmicas e grupos financeiros e imobiliários, no desenvolvimento a todo o pano de actividades especulativas, tendo como anos charneira 2006/2007, em que estas ultrapassam em peso no PIB a indústria e, juntas com o comércio e distribuição, superam os sectores produtivos! A financeirização acentua, no quadro da liberalização da circulação de capitais e da crescente presença do capital estrangeiro, reforçadas pela adesão à UE e ao Euro, uma brutal drenagem de capital, que rapidamente ultrapassa as transferências líquidas comunitárias.
As dívidas, pública e externa, e as dívidas das famílias e das empresas, estão indissoluvelmente ligadas a estas opções políticas e estratégicas!
A que deve acrescentar o acréscimo de Dívida decorrente da forte especulação sobre a Dívida Pública, desde 2010, e a Dívida decorrente da aplicação do Pacto de Agressão da troika.
Aquando da adesão à CEE (1986) a Dívida Pública estava abaixo dos 60% do PIB, e foi crescendo até aos 134% no fim do 1.º semestre/2014, pese os muitos milhões de euros que lá foram despejados de receitas de privatizações. Um saco sem fundo…
Considerem-se três factores centrais nas dinâmicas da Dívida Pública e Dívida Externa.
O desequilíbrio das contas públicas, decorrente da anemia económica – estagnação, baixo crescimento, recessão – que nos atingiu particularmente desde a entrada na Zona Euro e que causou uma forte penalização das receitas fiscais, obrigando o Estado a despesas extraordinárias de ordem social e de «socorro» a empresas. A que se acrescentam: as perdas de receitas fiscais, decorrentes dos benefícios fiscais ao grande capital e capital estrangeiro, a redução da carga fiscal (numa década já vamos em duas descidas da taxa nominal do IRC, de 35% para 21%, pelos governos PSD/CDS de Durão Barroso/Paulo Portas e de P. Coelho/P. Portas), da eliminação do imposto sucessório, do planeamento e evasão fiscal do grande capital, e de perdas decorrentes das privatizações (a par da redução significativa de receitas de dividendos/lucros). A que se juntou, desde 2007, o gasto de milhares de milhões de euros «públicos» na salvação de bancos privados (BPN, BPP, BES, BANIF)2. Mas hoje também está claro, depois dos «leaks»/fugas do Liechtenstein, da Suíça, do Luxemburgo e da Holanda, do Furacão e do Monte Branco, das Mil Famílias que não pagam impostos, e dos Papéis do Panamá, que o Estado português não tem despesa a mais, tem é receita fiscal a menos… apesar da carga fiscal a mais sobre os trabalhadores, os reformados e os pequenos empresários!
A baixa competitividade da economia portuguesa, que não resulta de altos níveis salariais e/ou reduzidas jornadas de trabalho, ou de uma invocada e inventada «rigidez do mercado do trabalho», como sistematicamente argumenta o capital e os seus partidos e que está na base de sucessivas e gravosas «reformas» da legislação laboral. Bem pelo contrário, como todas as estatísticas o demonstram na comparação com outros Estados-membros da União Europeia.
De facto, a baixa competitividade portuguesa tem como elemento estrutural a baixa produtividade média do tecido económico e o seu perfil produtivo, onde são dominantes produções de baixo valor acrescentado e baixas e médias tecnologias.
Resultado das fragilidades e desvantagens competitivas de um universo empresarial, na generalidade, de gestores com baixos níveis de formação e qualificação, elevada subcontratação empresarial, empresas descapitalizadas e/ou baixos níveis de capitais próprios, reduzidos investimentos na inovação, etc.
Situação estrutural que deveria ter sido obstáculo à adesão à moeda única, que foi agravada por se ter passado a operar com um euro forte, penalizando exportações e facilitando as importações, a par da predação dos sectores (produtivos, PME, empresas exportadoras) de Bens Transaccionáveis pelos sectores de Bens não Transaccionáveis, fornecedores de factores de produção. O que decorre de um tecido económico fortemente monopolizado/oligopolizado pelos grupos monopolistas da finança, da energia, das telecomunicações, do aço e do cimento, da madeira, da distribuição (neste caso relativamente aos seus fornecedores), etc.3
Os défices de produção, sobretudo de produções de elevado valor acrescentado, responsáveis por crónicos saldos negativos da balança comercial. Resultado do tecido económico nacional atrás caracterizado e das políticas comunitárias anteriormente referidas [agricultura (PAC), pescas e indústria], agravado por uma política comercial externa da UE, nomeadamente dos seus acordos internacionais de comércio, bilaterais ou multilaterais, adequada e determinada pelos interesses dos países do centro da Europa, e sobretudo da Alemanha. Consequência lógica de um Mercado Único onde a Divisão Europeia do Trabalho foi acelerada e oleada pelo euro.4 Os 500 mil emigrantes não aconteceram por acaso!
Sublinhe-se, ainda, que a «absolvição» da política de direita e a desresponsabilização política dos partidos (PS, PSD e CDS) que a levaram a cabo na «produção» da Dívida, é também uma forma de dizer «todos somos culpados»! E como somos todos, ninguém é culpado…
Sabe-se que há os que continuam convencidos que a «doença» dos défices e dos endividamentos reside exclusivamente em nós, no País, no Estado português, nos portugueses, e que é possível dar-lhe «remédio», sem quebrar amarras e constrangimentos externos, nomeadamente ao nível das nossas relações com a UE. Os que continuam a pensar que num mercado único e integrado, com uma moeda única, o País pode responder adequadamente às dinâmicas e fluxos económicos, financeiros e sociais que o atingem, apenas por políticas no plano interno. Ou seja, os mesmos que pensam que os excedentes externos, em 2015, de 8,3% do PIB da Alemanha (violando reiteradamente as recomendações comunitárias) nada têm a ver com os nossos défices (e de outros países). O Euro não falhou, como pensam alguns, cumpriu o papel para que foi criado!5
Os mesmos que ainda hoje devem estar convencidos que a desertificação económica e humana de Trás-os-Montes, quando havia o escudo, era responsabilidade dos transmontanos. (Diga-se, com a UE e o Euro, apesar das auto-estradas a situação agravou-se… e não será o Túnel do Marão que a vai compor).
Mas estes são os impenitentes, para quem os interesses do capital são a bússola que deve guiar Portugal e o mundo!

As condições para a renegociação hoje

Apesar da continuidade dos que pensam que um dia haverá «eurobonds», numa mutualização das dívidas ditas «soberanas», à custa da Alemanha, ou que continuam a pensar que «um Euro bom é possível» (diria o nosso povo, esperam por sapatos de defunto), houve avanços significativos, mesmo se ainda não decisivos, na compreensão e consciência, teórica e política, do problema da Dívida.
Com dificuldades, é certo, foi progredindo a ideia da renegociação, se não nos termos apresentados pelo PCP pelo menos da renegociação para a sua reestruturação nos prazos e juros. Depois da nossa «solidão» (e de mais alguns, poucos) surgiu, em Março/2014, um manifesto de 74 personalidades de diversas áreas políticas e ideológicas apelando à reestruturação da Dívida. Mesmo se alguns não se mostraram posteriormente muito firmes e coerentes nos seus propósitos, mesmo se a proposta se encontrava particularmente vinculada a acordos e lógicas da UE. Mas foi um progresso, como o PCP não deixou de assinalar, o reconhecimento de que «A actual Dívida é insustentável na ausência de robusto e sustentado crescimento»! Não sendo o necessário, estamos já bastante longe de quando a defesa do PCP de renegociação da Dívida era «populismo» e «irresponsabilidade»!
Mais recentemente (Novembro/2015), um manifesto de numerosos economistas europeus de diversas áreas políticas e ideológicas apresentou o que foi denominado «uma nova narrativa da crise» na Zona Euro. Apesar de significativas diferenças face à nossa avaliação do problema e das soluções, e ter um objectivo claro «salvar» o euro, não deixa de constituir, de facto, uma narrativa diversa da visão «austeritária»! Diversa da explicação e da receita que a UE e o FMI aplicaram e pretendem continuar a aplicar em Portugal e noutros países! (Manifesto que contou, estranhamente ou não, com a assinatura de alguns portugueses, como Braga de Macedo!)
Evoluções que são certamente um reflexo das lutas dos trabalhadores e dos povos na Europa, contra as políticas de exploração, crescente degradação das condições de vida, desemprego e empobrecimento, promovidas pelo grande capital multinacional europeu e executadas pelo Directório das grandes potências europeias. Lutas certamente na base de alguns resultados eleitorais, sobretudo na Europa do Sul, pesem as contradições, ambiguidades e ilusões e alguns graves resultados, como o crescimento de partidos da extrema-direita e fascistas. Evoluções que reflectem igualmente a constatação dos desastres a que essas políticas conduziram a Grécia, Portugal e outros países.
É certo que continuam as ilusões, as ambiguidades e as tibiezas, para não dizer medo, como as que se expressam no PS, ao recusar a assunção pelo Estado português de uma decisão própria, limitando-se a esperar por uma hipotética iniciativa dos órgãos da UE, e travando assim propostas para abrir caminho à libertação nacional do sufoco da Dívida.
Há também os que julgam possível continuar a fazer a gestão da Dívida, na sua actual dimensão, um pouco mais ou um pouco menos, fazendo o seu rolamento (em linguagem chã: empurrando o problema com a barriga!), e esperando que as taxas de juro não subam, os preços do petróleo continuem baixos, que os nossos mercados na Europa cresçam, o euro se mantenha enfraquecido face ao dólar, e que a liquidez das Facilidades Financeiras (QE) do BCE/Draghi cheguem à economia real. Sempre com muita fé de que não aconteçam coisas indesejáveis, como uma nova salvação de um banco ou um aprofundamento da deflação. É muita expectativa numa «situação» que, mesmo que se mantenha por algum tempo, não permitirá à economia nacional, com a urgência que se impõe, sair do marasmo em que se encontra e romper com os estrangulamentos, o desemprego, as desigualdades, o empobrecimento e injustiças que atingiram o País. Não travará a sangria humana em curso. Não inverterá a degradação do aparelho produtivo. Não responderá à degradação social verificada. Se mais não houvesse, o peso do serviço da Dívida – o peso dos juros no PIB é o dobro da média comunitária e o mais elevado da UE – não deixa dinheiro para o investimento e as despesas públicas necessárias, sociais e outras.
É certo que existem todos e muitos outros obstáculos. Mas, face às alterações em Portugal, na Europa e no Mundo, o momento é azado para se reforçar a luta pela renegociação da Dívida Pública. A Assembleia Geral das Nações Unidas, a 10 do passado mês de Setembro, reconheceu-o como um direito dos Estados soberanos, que não deve ser impedido por quaisquer medidas abusivas.6 Uma iniciativa que tem obrigatoriamente de ser conjugada, articulada com novas políticas para o Euro e a Banca.
O serviço da Dívida Pública portuguesa é um fardo pesadíssimo que compromete o presente e o futuro do País. Que socava o próprio regime democrático. Renegociar a Dívida é um direito do povo português na decisão do seu destino colectivo. Uma questão central na afirmação da soberania e independência de Portugal.
Notas
(1) Philippe Legrain, Conselheiro económico de Durão Barroso (Fev. 2011/Fev. 2014), então Presidente da CE, em entrevista ao Público (11-05-2014): «É preciso lembrar que na altura havia três franceses na liderança, do BCE – JC Trichet – do FMI – D Strauss-Kahn – e de França – N Sarkozy. Estes três franceses quiseram limitar as perdas dos bancos franceses. E A. Merkel, que estava inicialmente muito relutante em quebrar a regra do «no bail out», acabou por se deixar convencer por causa do lobby dos bancos alemães e da persuasão dos três franceses. Foi isto que provocou a crise do euro.»
(2) Segundo o BCE (2015) o Estado português gastou, no período 2008/2014, 19,5 mil milhões de euros, 11,3% do PIB, a salvar bancos, sem contabilizar os custos do BANIF.
(3) O insuspeito Victor Bento (in «O Nó Cego da Economia») calculou essa predação, entre os anos de 1990 e 2008, no equivalente a 15% do PIB.
(4) No Argumentário em defesa do Euro, publicado pela CE, havia uma fábula perorando sobre as vantagens do euro na promoção de «uma divisão do trabalho mais eficaz» na UE. Diga-se que Merkel teve «razão» – quando se pronunciou, na polémica ocorrida há meses, sobre «licenciados a mais» em Portugal: de acordo com a fábula, os portugueses só deviam ser «pintores da construção civil», ficando a Alemanha com os «picassos»!
(5) Pedro Carvalho, «E o euro falhou?», in Revista «Portugal e a UE» n.º 61, Agosto/2011: «O euro foi e é uma decisão política, uma opção do grande capital “europeu” no contexto da integração capitalista no quadro do processo de classe que constitui a União Europeia». E cumpriu os seus objectivos fundamentais, ao criar um quadro onde «os únicos factores de ajustamento a choques económicos recaem sobre os salários e o emprego, ou melhor dizendo, pela desvalorização salarial e o aumento do desemprego»; quadro onde se reduziram também, pela acentuação da «liberalização dos movimentos de capital» «os custos de internalização e internacionalização do capital».
(6) Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 10/Setembro, sobre a reestruturação da Dívida Pública: os Estados soberanos têm o direito de «elaborar a sua política macroeconómica e, nomeadamente, de reestruturar a sua dívida soberana, direito que nenhuma medida abusiva poderá impedir ou dificultar o exercício».
Share:

0 comentários:

Postar um comentário