7 de ago. de 2016

Abertura: O império de mitos

Abertura: O império de mitos
2016-05-11 21:36:22


La Grande Tour de Babel, Pieter Brueghel l'Ancien, 1563
Chico Villela
Há diferença entre um império de mitos e os mitos de um império. Os mitos de um império pressupõem alternativas; um império de mitos bloqueia qualquer possibilidade que fuja à mitificação.
Na história da humanidade já foram registrados mais de 70 impérios. O maior em extensão territorial foi o do mongol Gengis Cã e seus descendentes, iniciado nas primeiras décadas do século 1200. O império dos dias de hoje, conduzido pelos Estados Unidos da América, é sucessor do império britânico, que se gabava de o sol nunca se pôr nos seus domínios em todo o planeta.
O império estadunidense (o termo ‘americano’ designa todos os povos, etnias e países do continente América; o nome América do Norte abrange Canadá, EUA e México) acha-se em acelerado processo de degradação econômico-financeira, social e política. Mas a maioria das mídias corporativas do mundo, que dominam a produção e a disseminação de notícias e informações, apresentam a imagem exatamente contrária sobre o império e seus associados, com destaque para a também decadente e ausente de rumos União Européia.
A elaboração de vasta mitologia envolve, além da mídia, miríades de entidades e pessoas. Nos fatos mais marcantes, como os atentados de setembro de 2001 às torres gêmeas em NY e ao Pentágono, ou nos mais corriqueiros, como mais um golpe de Estado em países latino-americanos (o Brasil é a bola da vez) e africanos, a máquina de impor versões favoráveis ao império funciona em silêncio e sem parar.
O objetivo desta pequena série ‘O império de mitos’ é apresentar as versões imperiais e tornar concretas análises e pontos de vista que desvendam as falsificações, as distorções, a fabricação e a disseminação de pretensas informações ‘verdadeiras’. Assim, estarão em foco temas como a guerra global ao terror, a guerra às drogas, o poder militar ‘invencível’, a abjeta realidade econômico-financeira e social, a prática e a promoção da ‘democracia’, a ‘liberdade de imprensa e informação’, a política imperial com relação aos chamados ‘inimigos’ como Rússia, China e Irã, a sujeição da União Européia aos mandos e desmandos, e outros temas correlatos.
Entre estes temas correlatos, um dos mais significativos é a realização de atentados e atos de violência planejados e levados à frente por setores do império e associados e atribuídos a inimigos. A expressão que os identifica é ‘false flag’, algo como ‘bandeira falsa’. A mídia, cumprindo seu papel de cúmplice e beneficiária da ação suja imperial, invariavelmente omite as verdades e amplia as versões. Um exemplo clássico, que já dura cerca de 15 anos, é o dos atentados de 2001 , seguidos do envio de cartas com esporos de antrax a destinatários no país, com meia dúzia de mortes.
Talvez esta seja a série de acontecimentos mais falsificados e mal contados da história recente. A versão fantasiosa de que terroristas islâmicos isolados, por mais de um ano, sem conhecimento das onipresentes 16 agências de inteligência do país, além do FBI, tenham planejado, financiado e implementado a destruição das torres do World Trade Center e de trecho da sede do Pentágono, não resiste à menor análise. O evento foi básico para o projeto neoconservador do chamado Novo Século Americano, iniciado com a invasão do Afeganistão e seguido pela criminosa ocupação e destruição completa do Iraque.
Outro tema que pode desvendar a real ação do império é sintetizado na palavra ‘blowback’. O conceito de blowback foi popularizado pelo analista Chalmers Johnson, ex-militar da Marinha dos EUA e autor de vários livros essenciais à compreensão dos fatos político-militares atuais. O conceito é resumido na deliciosa expressão brasileira “a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar”.
A íntima relação entre a CIA, a agência ISI de inteligência do Paquistão e Osama bin Laden, para o combate contra os invasores russos e seus aliados nos anos 1980 no Afeganistão, é um modelo perfeito da ação que, mais tarde, forneceu e continua fornecendo um formidável blowback contra o próprio império.
A respeito desses temas, a política externa do império é a melhor prova de que não existe concepção de política externa para o governo dos EUA, existe apenas o uso da força. São raríssimos os exemplos de diplomatas profissionais que influíram no andamento paquidérmico do império e seus desígnios nem sempre confessáveis.
A atual crise insolúvel das relações azedas entre EUA e Arábia Saudita, financiadora desta e de outras aventuras político-militares como a Al Qaeda e o terrorífico e assassino Estado Islâmico, Daesh, é mais uma confirmação da volta do cipó de aroeira no lombo do império.
Mas tudo isso, embora seja característica geral, mesmo assim merece tratamento de tema, é um dos pilares do império. O fundador da China moderna, Mao Ze Dong, chamava o império de ‘tigre de papel’. A julgar pelos temas e seus desdobramentos, Mao talvez tivesse razão.
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