24 de nov. de 2016

'ATO CRIMINOSO' Deputada grega alerta senadores sobre riscos de venda de papéis da dívida pública



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'ATO CRIMINOSO'

Deputada grega alerta senadores sobre riscos de venda de papéis da dívida pública

Para Zoe Konstantopoulou, emissão de títulos de dívidas tributárias por estatais não dependentes aumentará dívida pública e priorizará pagamentos a bancos. Senadores querem retirada de urgência da matéria
por Hylda Cavalcanti, da RBA publicado 24/11/2016 17:43, última modificação 24/11/2016 18:03
MARCOS OLIVEIRA/AGÊNCIA SENADO
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Zoe: modelo que iria salvar a Grécia levou o país a uma recessão de longo prazo, com grande impacto social
Brasília – A deputada grega Zoe Konstantopoulou, ex-presidente do Parlamento do país europeu e fundadora do partido Viagem para a Liberdade, fez um alerta hoje (24) aos parlamentares brasileiros, durante audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. Ela falou sobre o Projeto de Lei do Senado (PLS) 204/2016, que busca transferir recursos da dívida ativa do setor público para as chamadas estatais não dependentes, que são empresas de direito privado, ou de economia mista: “Analisem, reconsiderem e refutem imposições de um sistema parecido com o adotado no meu país, defendidas por aqui”. Zoe foi convidada para vir ao Brasil falar sobre a situação da Grécia e modelos de recuperação da economia que não funcionaram e estão sendo propostos para aplicação por aqui. A ideia do governo Temer é arrecadar recursos por meio da venda, por essas empresas, de papéis financeiros convertidos da dívida tributária.
O PLS, de autoria do senador José Serra (PSDB-SP), ministro das Relações Exteriores, estabelece as seguintes regras: primeiro, autoriza que sejam criados papéis financeiros, assim como as empresas estatais não dependentes, que são sociedades de propósito específico de administrar ativos de estados e municípios. Essas estatais ficam liberadas para emitir debêntures (ou seja, títulos negociados no mercado financeiro com o compromisso de pagar juros), o que poderá vir a ajudar na realização de investimentos em infraestrutura, por exemplo, em curto prazo.
Mas como esses papéis financeiros emitidos por tais empresas terão a garantia dos estados e municípios, a operação se configura numa dívida pública para esses entes da federação.
Segundo Zoe, o modelo que foi desenvolvido com o argumento de que iria salvar a Grécia consistiu no que ela chamou de “ato criminoso”, que causou grande impacto para a população e levou os gregos a uma recessão de longo prazo, bem como à instabilidade do tecido social daquele país. “O FMI (Fundo Monetário Internacional) sabia disso e agora tenta exportar esse mesmo modelo para a América Latina e a União Europeia”, afirmou.
Caso o PLS seja aprovado, fica privilegiada a destinação de recursos para essas estatais, enquanto setores como saúde, educação, assistência social e segurança, entre outros, ficarão congelados por 20 anos, depois da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, que limita tais gastos.

'Financeirização do país'

Conforme avaliação da entidade Auditoria Cidadã da Dívida, além de os estados e municípios ficarem com a responsabilidade de honrar a dívida pública causada por esse esquema financeiro, os prejuízos para a sociedade também serão muitos, uma vez que os direitos sociais ficarão congelados e a maior parte dos recursos do Orçamento será para pagamento, pelos governos e União, da dívida pública – podendo haver corte de direitos trabalhistas e previdenciários para os brasileiros.
Para a coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida Pública, Maria Lucia Fattorelli, “aprovar o PLS hoje é o mesmo que operacionalizar uma dívida pública sem contrapartida, num esquema semelhante ao que foi identificado na Grécia”.
“O prejuízo que esse esquema acarretou na Grécia elevou no período de um ano o valor das garantias. O pior é que, por esse modelo, o crédito não sai do lugar, o que está sendo cedido é a garantia. Precisamos desmascarar isso e explicar para a população que essa proposta vai aprofundar o que chamamos de ‘financeirização’ do país”, explicou Maria Lucia. “Os senhores parlamentares possuem responsabilidade quanto a isso, caso a proposta se transforme em lei”, ressaltou.
Ao criticar os argumentos de Maria Lucia, o presidente da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Venilton Tadini, disse que estes papéis vão ajudar o país a retomar investimentos, “que é o que o Brasil precisa para crescer”. Tadini também afirmou que a situação é diferente e que não deveria haver comparação entre o que acontece hoje no Brasil com o quadro observado na Grécia, em 2010. "Não há problemas nem erros no que está sendo proposto pelo PLS", disse.
A decisão sobre este modelo, segundo os senadores Roberto Requião (PMDB-PR), Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) e Lindbergh Farias (PT-RJ), não pode partir de uma votação tão urgente. Eles querem que seja retirado o pedido de urgência para apreciação.
Por meio desta cláusula de urgência, a matéria terá de seguir direto para o plenário do Senado após ser apreciada pela comissão, o que impede mais debate e audiências públicas em torno do tema.

'Violação da democracia'

A deputada grega reiterou que o modelo que se está tentando importar para o Brasil “é uma violação total da democracia e a supressão da liberdade para a população”. Zoe explicou que em 2010, “de uma hora para outra”, o povo grego ficou sabendo que seu país estava seriamente endividado e que a solução para isso seria entrar em um acordo com empresas, com a União Europeia e o FMI. “De um dia para outro, com a aprovação desse modelo, um corpo de pessoas não eleitas, como os integrantes do Banco Central Europeu e do FMI, passaram a ser os supervisores da Grécia”, relatou.
Sendo assim, medidas como altos impostos, cortes de pensões e benefícios sociais foram impostas à população. “Uma em cada duas crianças gregas passou a viver abaixo da linha da pobreza. O mesmo aconteceu com um em cada dois aposentados do país. Houve uma explosão de suicídios na Grécia por parte de pessoas em desespero. E o mais grave é que esse discurso de que tal medida salvaria a nação, na verdade, não fez com que recursos fossem repassados para melhoria da população, e sim para os bancos privados da França e da Alemanha. As medidas nem sequer foram investigadas.”
A deputada, que coordenou um comitê que avaliou os erros e questões criminais apontados por esse sistema no Parlamento grego, disse ainda que parte desses problemas aconteceu no seu país porque, em todo o mundo, “ao contrário do povo e dos que servem à Justiça, existem pessoas que não querem que a população saiba a verdade”.
“A lição principal que aprendemos com o exame da dívida grega é que o que aparentemente soa como um presente econômico financeiro, na verdade, pode consistir numa espécie de contra-escudo, um pretexto para que regimes totalitários sejam instalados em países onde a democracia deveria imperar”, alertou.
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