12 de nov. de 2016

Movimento de ocupação das escolas em São Paulo: lições da juventude Editor é preciso acabar em defesa da educação e da democracia. FORA GOLPISTAS

Movimento de ocupação das escolas em São Paulo: lições da juventude

indiceRESENHACAMPOS, Antonia M.; MEDEIROS, Jonas; RIBEIRO, Márcio M.. Escolas de luta. São Paulo: Veneta, 2016 (Coleção Baderna), 352p.

ANTONIO OZAÍ DA SILVA*
“Este livro conta a história da mobilização dos estudantes secundaristas paulistas contra o fechamento de quase cem escolas no final de 2015. Com uma riqueza de detalhes localizados na pesquisa em documentos oficiais, na internet e em entrevistas com os protagonistas, o livro narra e analisa como os estudantes paulistas reagiram à decisão arbitrária de fechar suas escolas”, escreve Pablo Ortellado, prefaciador da obra (p.12).
Escrito por Antonia Malta Campos (Mestra em Sociologia pelo IFCH/Unicamp, Jonas Medeiros (Doutorando em Educação pela FE/Unicamp e pesquisador do NDD/Cebrap) e Márcio Moretto Ribeiro (professor do bacharelado em sistemas de informação na EACH/USP e membro do GPoPAI), “Escola de lutas” divide-se em três capítulos, além das reflexões sobre as perspectivas do movimento estudantil e os anexos. A edição é primorosa, ilustrada por fotografias que sintetizam o caráter e importância da luta estudantil e a resistência às forças de repressão policial-estatal.
O primeiro capítulo, “Das manifestações às ocupações”, resgata as origens e a história da ação e organização estudantil diante do anúncio do secretário da Educação, Hermann Voorwad, da “reorganização escolar”. Numa decisão profundamente autoritária, o governador Alckmin (PSDB) determina “a transferência de nada menos do que um milhão de alunos da rede pública estadual paulista para que escolas fossem divididas por ciclos” (p. 27). Ainda que tente se amparar em argumentos racionais-burocráticos, em nome da eficiência do sistema escolar e pretensamente para o interesse dos estudantes, a burocracia da educação estatal revela sua face ideológica e política dissociada da realidade dos milhares de seres humanos, alunos e pais, que seriam atingidos pela “reorganização escolar”. O descaso do governador Alckmin e do seu secretário da (des) Educação com os estudantes e seus pais gerou uma reação que nem mesmo o burocrata mais pessimista poderia imaginar. A resistência tomou a forma das manifestações de rua e das ocupações das escolas. A indignação deu ensejo a luta!
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Foto do livro, p. 182-183.
A ocupação das escolas revelou um processo fragmentado, determinado pelas peculiaridades da realidade díspar de cada instituição escolar, mas que confluiu para o mesmo objetivo: questionar a decisão burocrática-governamental e pressionar para que o governo estadual retrocedesse em sua intenção. A ascensão e o auge das ocupações é o tema do segundo capítulo. Neste, os autores recuperam e analisam as manifestações dos jovens estudantes, as formas de organização que assumem as ocupações das escolas, as tensões internas e com a comunidade na busca pela legitimação do movimento, as resistências à repressão policial e às ações das diretorias, burocratas e professores(as) contrários às ocupações. Os autores demonstram como os estudantes foram alvo de campanhas difamatórias, preconceitos e assédio.
As dificuldades para ocupar as escolas e manter as ocupações exigiram criatividade no tocante à organização e às formas de luta, capacidade de resistência e desejo de transformação da realidade. A autodescoberta, o empoderamento e a convivência, sedimentados no confronto com a repressão, o assédio da burocracia educacional e as adversidades, foram fundamentais para a resistência e a superação dos desafios. Ainda neste capítulo, os autores analisam os conflitos de interesses entre os próprios estudantes, entre estes e as diretorias das escolas e os professores, com os pais e mães e a comunidade externa (apoiadores e opositores às ocupações), entre a forma horizontal e assembleística da juventude que ocupa as escolas e as organizações institucionalizadas e hierarquizadas do movimento estudantil – além de outros aspectos importantes como o papel do judiciário e da mídia.
A ascensão da luta social estudantil, com a crescente ocupação dos espaços escolares – apesar de alguns reveses e do cerco repressivo burocrático-institucional do governo Alckmin –, forçou o recuo governamental. Esta fase do movimento de ocupação das escolas é analisada pelos autores no terceiro capítulo. Essencial para o desenlace positivo foi a conquista da legitimidade por parte dos estudantes e o consequente apoio da sociedade civil e dos artistas. Por outro lado, a desocupação das escolas revelou graus de conscientização e disposição de luta forjados no enfrentamento dos desafios e das forças repressivas estatais e burocráticas.
Foto do livro, p. 230-231.
Foto do livro, p. 230-231.
Os estudantes aprenderam com a pedagogia da luta e o seu exemplo semeou lições perceptíveis ao leitor minimamente atento. Não nos cabe induzir o leitor ou indicar lições: que cada um tome para si o desafio de aprender com os jovens. Não obstante, quem almejar compreender a juventude contemporânea, suas raízes sociais, seus desejos, linguagem, limites, etc., deve seguir o exemplo dos autores desta obra e se debruçar sobre os registros e análise desta experiência. A propósito, um dos maiores méritos do livro consiste na opção metodológica dos autores em conceder a voz aos protagonistas diretos, ou seja, “reconstruir a luta contra a “reorganização” escolar da perspectiva dos estudantes”. Os estudantes literalmente “falam”! Os autores transcrevem longos trechos da fala estudantil, uma linguagem que expressa um outro mundo, outra realidade incompreensível à burocracia escolar e mesmo a muitos professores.
Neste sentido, a linguagem dos estudantes expressa a dissociação do sistema escolar em relação aos seus anseios, sua cultura e realidade social. Em sua luta, a juventude estudantil desvelou a escola e a educação contemporâneas, pôs a nu as suas insuficiências e a falência de um modelo educacional sustentado pelas relações de poder hierárquicas e a pedagógica burocrática. Simultaneamente, a experiência destes jovens revela novas possibilidades que nutrem a perspectiva de uma escola realmente democrática na qual os protagonistas sejam os diretamente envolvidos e interessados no processo de ensino-aprendizagem. Talvez este seja o significado maior destas “Escolas de luta”. Aprender com a luta, aprender com os estudantes: eis a principal lição.
A obra merece ser lida por todos aqueles que se preocupam com a situação atual da educação no país, pelos que apenas querem conhecer de maneira mais aprofundada esta experiência de luta social e por quem assume o compromisso de transformar a escola numa perspectiva democrática, autogestionária e capaz de oferecer uma educação diretamente comprometida com os educandos, na qual estes se reconheçam enquanto protagonistas do próprio destino e não apenas objetos dos interesses, devaneios e perversões da burocracia estatal.
A nota crítica à obra consiste na ausência de informações dos links dos vídeos, textos, páginas do Facebook, etc. Como os autores demonstram, a utilização da tecnologia teve um papel fundamental na comunicação e organização estudantil (grupos de WhatsApp, as páginas do Facebook, as fotografias e gravação de vídeos com celulares – e a divulgação pela internet –, a disponibilização de textos, relatos de experiências, etc.). Os autores resgatam estes registros na reconstrução e análise das ocupações. Como salientado, este procedimento valoriza a voz dos protagonistas, os estudantes que vivenciaram esta experiência. Portanto, a disponibilidade dos respectivos links dos vídeos, falas, etc., tornariam ainda mais rica a leitura da obra – na medida em que permitiria ao leitor aprofundar o seu conhecimento a partir das fontes citadas pelos autores. Além disso, fortaleceria ainda mais o procedimento metodológico adotado. Não obstante, esta ausência não obscurece a riqueza e a qualidade da obra.
141217* ANTONIO OZAÍ DA SILVA é Professor Associado na Universidade Estadual de Maringá (UEM), Departamento de Ciências Sociais (DCS); Doutor em Educação (USP). Publicado originalmente na REA, n. 186, novembro de 2016, disponível em http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/34135/17854   blogdoozai
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