BAILE DA ILHA FISCAL - O CASO BRASILEIRO "O Brasil é um dos maiores paraísos fiscais do planeta" (Luiz Francisco de Souza, Procurador da República https://www.sindifisconacional.org.br/. Editor - leia e entenda porque Batman para Presidente do Brasil. Ele vem de Wall Street
BAILE DA ILHA FISCAL - O CASO BRASILEIRO
"O Bras (Luiz Francisco de Souza, Procurador da República)il é um dos maiores paraísos fiscais do planeta" Introdução
Este texto pretende ser uma reflexão de como a tributação no Brasil foi
manipulada para beneficiar o processo de mundialização do capital financeiro,
sob coordenação do FMI, e transformou o país no paraíso fiscal do capital
estrangeiro. Veremos qual o custo fiscal e social dessa desoneração do grande
capital e o quanto prejudicou os trabalhadores, os pequenos consumidores e a
economia nacional.
Primeiramente, fizemos uma breve análise do cenário econômico em que se
insere a onda neoliberal para facilitar a contextualização das medidas
tributárias adotadas pós-1995. Em seguida, mostramos como Wall Street
montou um arquipélago de paraísos fiscais para servir a seus interesses
econômicos e como a criminalidade financeira foi beneficiada com o conluio
entre o governo, empresas transnacionais e a máfia global.
Depois, verificamos como o Brasil se enquadra no processo de mundialização
da delinqüência financeira, e, por fim, dedicamos os dois últimos tópicos ao
estudo de como a política tributária desonerou o capital financeiro permitindo
seu livre trânsito nos mercados e qual foi o custo social e fiscal dessa
"liberdade".
O pano de fundo
A hegemonia dos EUA sobre o processo global de acumulação capitalista é
cada vez maior. O capital norte-americano e seu Estado imperial aumentaram
sua posição e seu peso relativo na economia global por meio de fusões e
aquisições de corporações. Líderes nos principais setores da economia
mundial são norte-americanas: 244 das 500 maiores e 61 das 100 principais
corporações. Na América Latina, 10 das 20 principais empresas são norteamericanas.
O fenômeno de concentração de riqueza e centralização do poder de Wall
Street e Washington na América Latina é recente, pois chegou após vários
decênios da "concorrência socialista" no plano global de políticas nacionalistas
ou populistas, que limitaram a sua hegemonia.
O governo Reagan (1981-1989) formulou, por meio de seus braços
operacionais - FMI e BID -, uma nova ordem mundial, na qual, pela primeira
vez, os interesses do capital financeiro se sobrepuseram aos interesses do
capital industrial. O reganomics seguia o modelo inaugurado por Thatcher em
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1979. A desregulamentação e o corte de impostos para os ricos tornariam
particularmente atraente a aplicação financeira nos EUA.
A taxa de juros seria elevada para combater a inflação, atrair capital
estrangeiro e revalorizar o dólar. Atraindo capital do resto do mundo, os EUA
poderiam despreocupar-se em manter um superávit comercial. Faltava avisar
os russos, ou seja, convencer os adversários a desregulamentar o fluxo de
capital, pois, afinal, os EUA não suportariam o custo social e político de elevar
a taxa de juros a patamares que comprometessem o crescimento econômico.
Como é possível que o mercado financeiro gire centenas de vezes mais
dinheiro do que o mercado real (produtos e serviços)? Mesmo antes do fim do
acordo de Bretton Woods (a maior moratória do século), os EUA passaram a
emitir papel sem lastro, o que implicou significativo excesso de liquidez no
mercado: 40 trilhões de dólares de produto e 100 trilhões de dólares de moeda.
A necessidade de valorização desse capital fictício e a "diplomacia do dólar
forte", além dos fatores citados, levaram os EUA a impor essa nova ordem
mundial a todos os países do mundo capitalista.
Assim, surgiu de forma avassaladora a onda neoliberal nos países periféricos e
nos países ricos. Nestes últimos, os governos capitaneados por conservadores
atacaram com avidez as conquistas trabalhistas das décadas anteriores e os
movimentos sindicais. Em 1981, a Holanda aboliu o controle das
movimentações financeiras, seguida pela Alemanha, em 1982, e pelo Japão e
o resto da Europa no final dos anos 80. Os países periféricos, sobretudo na
América Latina e no Oriente Médio, com as fortes crises econômicas das
décadas de 70 e 80 (oscilações na taxa de juros, na moeda e no preço do
petróleo), renderam-se facilmente a essa onda. Independentemente de suas
características históricas e de seus problemas estruturais, todos os que
bateram nas portas do FMI tiveram de rezar na mesma cartilha neoliberal para
eliminar os controles financeiros e aguardar o ingresso dos fluxos financeiros.
Em 1990, foi a vez do depauperado bloco soviético, e, a partir de 1997, dos extigres
asiáticos.
Observamos que, de forma geral, existe uma percepção por parte da
sociedade de que as decisões importantes para suas vidas não são tomadas
nas instâncias políticas, mas nos grandes centros financeiros. O discurso
passa a ser economicizado, e as instituições políticas democráticas,
desacreditadas. Isso ocorre por conta de um "falso consenso" que pretende
substituir a ação dos Estados nacionais fortes que possam ameaçar a
consolidação da hegemonia americana.
Em resumo: a garantia do sistema monetário internacional passou a ser o dólar
em vez do ouro. E a garantia do dólar passou a ser a continuidade dos
investimentos do resto do mundo em Wall Street. E a garantia dessa
continuidade é a mesma liberdade de capitais que inviabiliza qualquer
possibilidade de desenvolvimento das economias periféricas.
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Uma nova linguagem política e um discurso teórico têm sido elaborados a fim
de ofuscar os manejos do imperialismo norte-americano na região e em toda
parte. No que diz respeito às suas operações (absorção de empresas
estratégicas, apropriação de ativos, domínio de mercados), os bancos e os
conglomerados transnacionais não são mais considerados unidades e agentes
do sistema imperialista. Agora, eles são vistos como facilitadores da
globalização e, portanto, da crescente integração e interdependência da
economia mundial.
A transferência de renda do trabalho para o capital, sob todas as formas
possíveis, e sua reconcentração são entendidas como mecanismos de ajuste
interno (o conhecido "dever de casa") às exigências da economia global. A
aquisição a baixo preço e a tomada do controle dos ativos públicos e estatais
são chamadas de privatização.
A remoção de restrições ao investimento estrangeiro, a liberação dos mercados
e a desregulamentação generalizada, todas elas destinadas a aumentar
rapidamente as taxas de lucro sobre o capital investido de curto prazo, são
encaradas como formas de "ajuste estrutural", debaixo do guarda-chuva das
reformas imprescindíveis ao "salto para a modernidade".
O receituário imperial - vulgarmente chamado de neoliberal - de políticas
macroeconômicas é apresentado sob o manto intocável da "estabilização da
moeda". Daí a imposição de políticas econômicas que visam a atrair e a
favorecer o capital estrangeiro, a necessidade de alijar os investidores locais e
seu tratamento diferenciado. Um maior controle militar e policial, sob o pretexto
de combate ao narcotráfico e ao terror, é apelidado de política de defesa do
"mercado-livre" e favorável à "liberdade de iniciativa".
Finalmente, os "neoliberais" - para usar o termo vulgar - afirmam que, quando a
nova ordem estiver estabelecida, a liberação econômica levará a políticas
democráticas. Surgirão, então, políticos responsáveis, preocupados em
administrar o sistema de mercado livre e em evitar cobranças demagógicas,
"populistas" e irracionais.
Dessa forma, grosso modo, a América Latina tem sido preparada não só para
ser despojada de seus recursos, mas para ser o cenário de uma batalha
iminente pelo mercado mundial, entre os principais centros de poder capitalista,
debaixo das aspirações hegemônicas do capital norte-americano, em franca
ofensiva e indômita expansão.
O arquipélago da lavagem de dinheiro e crimes fiscais: Wall Street
Qual o papel dos paraísos fiscais nesse fluxo? Por um lado, eles ajudam a
quebrar a resistência dos países ao processo de liberalização, por outro,
viabilizam ao capital financeiro a fuga de controles e impostos que os países
ainda precisam impor. Controles e impostos dos quais os empresários
nacionais e os trabalhadores (esses menos ainda) não conseguem escapar.
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A criminalidade financeira, longe de ser um "acidente de percurso" da
economia, é, pois, parte de uma engrenagem coerente, intimamente ligada à
expansão do capitalismo moderno. Considerando que "business is business", a
criminalidade financeira traduz-se em um próspero e estruturado negócio no
qual oferta e demanda se encontram no ponto ótimo. Entretanto, a grande
lavagem de dinheiro e a reciclagem dos lucros das organizações criminosas
não podem existir sem o apoio dos governos. O conluio de interesses une
governos, empresas transnacionais e máfias e permite o "bom" funcionamento
da economia capitalista. Nesse contexto, são fundamentais para que a política
de Wall Street funcione: a existência de um arquipélago planetário confiável na
gerência da criminalidade financeira - os paraísos fiscais, a liberação completa
do movimento dos capitais e a lavagem automática viabilizada pelos sistemas
eletrônicos dos bancos, que permitem a desmaterialização e o crescimento das
transações financeiras.
Segundo o FMI, o rentável negócio da lavagem de dinheiro mundial movimenta
entre 500 bilhões de dólares a 1,5 trilhão de dólares por ano, ou 5% da
produção mundial. Esse produto criminal mundial bruto inclui, entre outros, os
lucros do tráfico de drogas (300 a 500 bilhões de dólares), da pirataria
informática (200 bilhões de dólares), da corrupção, do tráfico de armas e de
animais.
Noventa e cinco por cento dos paraísos fiscais são antigos balcões de
negócios europeus e americanos, afirma Christian de Brie, do Le Monde
Diplomatique. O universo dos paraísos fiscais financeiros estende-se pelos
inúmeros territórios e continentes, e não existem confins geográficos, facções
políticas ou conflitos de raça que limitem a proliferação de novos centros de
offshore. Receptador do dinheiro sujo e fora da lei, o arquipélago dos paraísos
fiscais banha-se em todos os oceanos que se estendem da Europa ao Caribe e
à América Central, passando pela "zona de co-prosperidade" japonesa.
Os paraísos prestam-se a todos os serviços ligados à delinqüência financeira.
A técnica da pré-lavagem, que consiste em transferir dinheiro líquido e divisas
do local de aquisição para estabelecimentos financeiros em diversas praças e
contas, é o caminho trilhado pelo dinheiro grande, em parte oriundo da evasão
do lucro das multinacionais, da manipulação do preço de transferência e de
todo tipo de operações delituosas, em direção a offshores.
O Brasil na era da mundialização das atividades financeiras criminosas
De acordo com a financista francesa Marie Chrystine Dupuis, responsável pelo
Programa Global da ONU Contra a Lavagem de Dinheiro do Crime Organizado,
o Brasil é um dos países do Terceiro Mundo mais tentadores para a lavagem
de capitais do crime organizado no mundo. Essa situação deve-se a fatores
tais como: a posição geográfica do Brasil numa região produtora de drogas, a
importância de sua praça financeira, com extensa rede bancária; a existência
de duas bolsas de valores com volume expressivo de transações; a
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dependência de capitais externos para fechar suas contas públicas; a opção
política de seguir a cartilha do FMI como condição para se inserir na nova
ordem mundial, e o conseqüente processo de desregulamentação e
(des)controle das operações financeiras.
No Brasil, o volume de dinheiro ilegal em circulação aumenta de maneira
desproporcional em relação ao orçamento do Estado, o que condena o país ao
ciclo da bolha financeira e sua provável explosão.
Os paraísos fiscais e as contas offshores desempenham papel decisivo nos
processos de lavagem e reciclagem do dinheiro sujo. Mas não só isso. Como já
nos referimos anteriormente, o esquema offshore é também usado para
interesses econômicos, o que impede qualquer empenho das autoridades para
eliminá-lo. Após o episódio de 11 de setembro, o governo americano, que
sempre se mostrou contrário a causar qualquer constrangimento aos paraísos
fiscais, tem adotado publicamente uma postura favorável a manter certos
controles. Entretanto, não podemos avaliar até onde vai o espetáculo mediático
contra o terrorismo e a verdadeira intenção de combater a liberdade do fluxo
financeiro que, no limite, é o baluarte da política neoliberal imposta pelos EUA
para garantir sua hegemonia.
No Brasil, um dos casos de lavagem de dinheiro mais notáveis foi o que
envolveu personagens próximos do governo Collor com a máfia italiana. Em
1993, foi instaurado inquérito para investigar as operações de contas CC-5 de
uma empresa financeira domiciliada no Paraná. Esse inquérito era um
desdobramento do "inquérito-mãe" destinado a apurar o Esquema PC - o
esquema de poder paralelo coordenado pelo empresário Paulo César Farias,
ex-tesoureiro da campanha do presidente Fernando Collor, cuja investigação
por uma CPI levou ao impeachment do então presidente.
Durante as investigações, foram pesquisadas 40 contas, a maioria em grandes
bancos, usadas para compra e venda de dólares no mercado paralelo. Os
trabalhos de investigação revelaram o quanto as instituições financeiras
ajudaram na lavagem de dinheiro. O processo concluiu "ter havido participação
das instituições financeiras enfocadas nessa sofisticada engrenagem de
fraude" (inquérito 35/93 PF-SP).
De acordo com um relatório da Interpol e da DEA (Departamento NorteAmericano
de Combate às Drogas), desde o início dos anos 90 o Brasil vem se
sobressaindo como uma boa opção de "investimento", leia-se legalização de
dinheiro sujo.
Mas, além dos fatores citados pela financista francesa da ONU, há um fator
importante que coloca o Brasil na rota da lavagem: a facilidade e a rapidez de
enviar o dinheiro daqui para fora e trazê-lo de volta. Para tanto, contribuem
alguns instrumentos, entre os quais as chamadas contas CC-5. Entre os anos
de 1992 e 1998, as contas foram muito utilizadas para lavagem. Em sete anos
saíram do país 124 bilhões de reais, sendo, de acordo com o Ministério Público
do Paraná, mais de 50% desses valores objeto de sonegação.
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E quem criou a CC-5? O Banco Central, por meio da Carta-Circular 5/69, criou
essa conta com o objetivo de permitir que estrangeiros pudessem repatriar os
recursos trazidos. Quem poderia abrir uma conta CC-5? Somente empresas
sediadas no exterior e pessoas físicas estrangeiras. No início houve regras
restritivas ao uso dessas contas.
Entretanto, com a imposição do Consenso de Washington para que os países
periféricos "acompanhassem a tendência mundial de integração econômica e o
trânsito de capitais", percebemos na década de 90 uma mudança na legislação
da CC-5 que garantia a livre movimentação de recursos de instituições
financeiras domiciliadas no exterior mediante uma subconta chamada "ContasLivres
de Instituições Financeiras - Mercado de Câmbio de Taxas Flutuantes",
por meio da Carta-Circular 2.259, de 22/2/1992.
Na prática, diz um estudo do Banco Central, "se um agente quiser fazer uma
remessa para o exterior, basta que deposite cruzeiros reais na conta de uma
instituição financeira não-residente e deixe que ela faça o resto. Com os
cruzeiros reais ela pode comprar moeda estrangeira em banco aqui no Brasil e
transferir a moeda para a conta do destinatário no exterior".
Em outras palavras: qualquer um pode mandar dinheiro para o exterior, basta
que use uma conta desse tipo, aberta em nome de algum fundo de
investimento. Não importa se a sede desse fundo é em Cayman (como é o
caso do Fund Opportunity) ou em Nova York. O BC ainda chegou a colocar
algumas condições à abertura das CC-5, o que de fato não impediu que elas
continuassem a ser utilizadas até mesmo por "laranjas". Após a CPI dos
Precatórios, o uso das CC-5 decaiu.
Parece inexplicável a inexistência de um trabalho de "inteligência" entre a
Receita Federal e o Banco Central com o intuito de obrigar os movimentadores
dessas contas a comprovar a origem do dinheiro remetido ao exterior. Segundo
o jornalista José Roberto Toledo, da Folha de S. Paulo, das 90 pessoas que
mandaram mais de 20 milhões de reais ao exterior por meio de contas CC-5,
entre 1992 e 1998, apenas vinte pagaram Imposto de Renda em 1998.
Houve determinação política de coibir esse estado de coisa? Algum dos dois
órgãos se moveu no sentido de defender o interesse público? Até onde se sabe,
não. As autoridades brasileiras estavam cumprindo à risca as determinações
de Washington - nada deve impedir o livre fluxo de capital. Não importa se esse
dinheiro é limpo ou sujo, o importante é garantir o ingresso de capital
estrangeiro para equilibrar as contas da balança comercial, debilitadas pela
desastrosa política econômica, que fez sua opção por Wall Street e abriu mão
de nossa soberania e de nosso povo.
Em 1998, já com bastante atraso em relação a outros países, inclusive aos da
América Latina, o Brasil elaborou a legislação que criminaliza a lavagem de
dinheiro, tanto que o pedido de prisão preventiva do juiz Nicolau dos Santos
Neto, o juiz Lalau, foi baseado na Lei de Lavagem. Entretanto, a lei é
insuficiente, pois ela criminaliza a lavagem de dinheiro, mas desde que seja
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ligada aos seguintes delitos: tráfico de drogas, terrorismo, contrabando de
armas, extorsão mediante seqüestro, crimes contra a administração pública
(corrupção), contra o sistema financeiro mundial e os praticados por
organizações criminosas.
Sonegação fiscal não está incluída, ou seja, um pessoa pode sonegar 10
milhões de reais, lavar esse dinheiro e, quando descoberta, não será punida
por lavagem. Não é de agora a tentativa de descriminalizar a sonegação.
Com o advento da Lei 9.249/95, extinguiu-se a punibilidade do crime contra a
ordem tributária pelo pagamento do tributo. Esse assunto será mais bem
explorado adiante.
Com essa possibilidade impediu-se a inclusão da sonegação fiscal na
criminalização da lavagem de dinheiro. Esse é apenas um dos benefícios que a
legislação tributária pós-1995 trouxe ao grande capital, permitindo ao dinheiro
da sonegação ser aplicado na ilha fiscal sem risco de penalização (pecuniária
ou criminal).
O Brasil é um dos países do Terceiro Mundo mais tentador para a lavagem de
capitais do crime organizado no mundo, afirma a responsável pelo Programa
Global da ONU Contra o Crime Organizado, a financista francesa Marie
Christine Dupius.
No Brasil, a tributação sangra o pequeno consumidor, o assalariado e o
produtor nacional para aumentar a arrecadação e pagar os altos juros da dívida
pública, como veremos a seguir no item específico sobre tributação. As
elevadas taxas de juros são justificadas para manter o fluxo de capital esperto
e volátil, boa parte desse capital é brasileiro, que, depois de passar por Jersey,
Bahamas ou Cayman, voltava, até recentemente, com os privilégios de
investimento externo. Os fundos de investimentos estrangeiros, diferentemente
dos fundos de investimentos normais, não pagam o imposto de renda de 20%
sobre os ganhos de capital e dividendos e estão isentos da CPMF de 0,38%.
Um tratamento preferencial para favorecer o ingresso de capitais e fechar as
debilitadas contas externas brasileiras, dizem os meninos de recado do FMI. A
forma mais comum de investimento no Brasil é via Anexo IV e Anexo VI (ações
da bolsa de SP e renda fixa, respectivamente). De 1991 até setembro de 2000,
entraram no Brasil, pelo Anexo IV, 159,4 bilhões de dólares e saíram 145,5
bilhões de dólares. Estima-se que pelo menos 25% dos investimentos do
Anexo IV são de brasileiros que, dessa forma, evitam a tributação. Do que
entra como investimento direto no Brasil, quase 10% chegou ao país pela via
suspeita dos paraísos fiscais. Em 1997, o Brasil recebeu mais investimentos
oriundos das ilhas Cayman do que de qualquer país do mundo, exceto os EUA.
O Sistema Tributário Nacional e o Baile da Ilha Fiscal
O contexto macroeconômico da tributação
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Na teoria monetária, a Lei de Gresham nos diz que "o dinheiro ruim faz
desaparecer o dinheiro bom".
Em qualquer competição travada com as regras do laissez-faire global, que foi
planejado para reproduzir o livre mercado norte-americano, as economias de
mercado latino-americanas tropeçam em sistemática desvantagem. Elas não
têm futuro.
A mensagem oficial é a de que nós estamos indo para o céu em um carrinho
de mão. O carrinho de mão é uma idéia fantasiosa. Não existe, no fim do túnel,
um mundo liberal, democrata e próspero, ao feitio americano. Infelizmente, o
povo brasileiro dentro do carrinho é verdadeiro.
Os Estados soberanos estão travando uma guerra de desregulamentação
competitiva. Nessa disputa, o socialmente desordenado mercado norteamericano
dispõe de vantagens poderosas. Não por acaso surge um consenso
estabelecido na sede do império, Washington, mediante um receituário
conhecido como neoliberal, que fixou uma agenda de reformas. Tais reformas
seriam a precondição para os investimentos e os empréstimos. Mais
investimentos do que empréstimos, como se verá adiante.
John Wiliansson, o pai do Consenso de Washington, diz: "Vocês não têm futuro,
a menos que façam reformas rápidas e profundas". Bem, deu no que deu.
As reformas rápidas e profundas, das quais a Lei 9.249/95 é apenas um
ingrediente, vieram para criar o ambiente exigido pelo "governo paralelo" ao do
Alvorada, sediado em Washington.
Não havendo no mundo, no final dos anos 80, banco algum disposto a oferecer
capital de empréstimo, o ciclo de endividamento das economias ditas
emergentes só podia ter continuidade mediante investimentos de capital direto.
A farsa da moeda e a política da (des)estabilização
O Plano Real não era e nunca foi mais do que uma reforma monetária. Aliás,
ele faz parte de uma família de planos de estabilização utilizados em todos os
países emergentes que acabaram batendo na porta do FMI. Isso não apenas
foi dito no Congresso Nacional dos Auditores-Fiscais (Conaf) de Recife, como
está escrito na Carta de Recife, de 1997.
A ausência do debate qualificado, que foi sepultado por conta do triunfalismo
reformista do governo dos neoliberais, não permitia que se observasse, com
exceção dos observadores atentos, um problema gravíssimo: a valorização
cambial.
De olho na absorção de recursos financeiros internacionais, a equipe
econômica ofereceu a âncora cambial e a abertura comercial irrestrita e
descontrolada.
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O cardápio ainda não estava completo. Faltava a insensatez do
escancaramento para o capital de curto prazo, um couvert apetitoso, que veio
para o capital financeiro de curto prazo servido à la carte no Anexo IV. Mas
ainda faltava a grande atração: uma taxa de juros suculenta.
Evidentemente, se todo o lastro da estabilidade residia em capital de curto
prazo especulativo, mais enxurrada de importações, dólar fictício, taxas reais
de juros "na lua", não haveria como conter o endividamento interno explosivo e
o crescimento do passivo externo líquido.
A estabilização estava marcada para fazer a economia brasileira desfalecer. O
resultado foi uma moeda bichada pelo endividamento interno e externo, com
taxas medíocres de crescimento, abaixo da média dos próprios "emergentes".
A política fiscal e a tributação dos inocentes
Desgraçadamente, como os negócios financeiros são mais difíceis de entender
e os interesses muito pesados, raramente se menciona o custo fiscal desse
tipo de estabilização e de política monetária.
Na verdade, a equipe econômica quis fazer um ajuste, via sobrevalorização
cambial e taxa de juros, que atraíam capitais especulativos, mantendo as
reservas de garantia elevadas.
Na essência, essa é a mesma lógica do programa de "ajuste" do México e do
da Argentina. Só que na Argentina durou dois anos, no México, cinco anos. Os
dois demoraram mais tempo para estourar.
O resultado no Brasil foi a desestruturação do parque produtivo nacional e o
aumento do déficit em transações correntes. O governo apostou sem cartas
para jogar, e, assim, ocupou o vazio econômico, que já estava definido de
saída (pelas restrições congênitas do próprio modelo), com o discurso político
calcado na retórica das reformas. As reformas, claro, eram aquelas prescritas
pelo governo paralelo sediado em Washington.
A reforma da Lei das S.A., já exigida desde o governo Collor, criava um
mecanismo para permitir aquilo que os capitais de empréstimos dos bancos
sempre exigiram no passado: aproveitar a festança das altas taxas de juros em
títulos de curto prazo. Dessa feita, o artigo 9º da Lei 9.249/95 permitiu que os
capitais, generosamente tratados do ponto de vista fiscal, também fossem
aproveitar a farra na aplicação dos títulos do governo, que praticava e continua
praticando uma das taxas de juros mais altas do mundo.
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Sem empréstimo de banqueiros, que sempre torceram o nariz para o altíssimo
risco da aposta brasileira e sempre souberam que o real era um dólar furado, o
Brasil escancarou as suas fronteiras para a entrada dos capitais diretos, que
vieram para substituir os empréstimos no financiamento do déficit em
transações correntes, porém, munidos das mais variadas exigências, que iam
do tratamento generoso dos seus dividendos à participação nos lucros e ao
envio de remessas. Isso para não falar do tratamento privilegiado nas
privatizações com financiamento do BNDES.
A política fiscal, portanto, passou a ser paradisíaca para o andar de cima, que
aproveitava "à tripa forra" a especulação com os títulos do governo, os prêmios
de isenção aos seus dividendos e o tratamento vip ao capital estrangeiro, do
qual os fundos de renda fixa foram o maior escândalo. Um exemplo é o Fundo
do Banco Opportunity, administrado por Daniel Dantas e Pérsio Arida, que,
sabendo da proibição para aplicadores nacionais, fazia a operação triangular,
via Anexo IV, para aproveitar a lambança da taxa de juros mais elevada do
mundo, em uma verdadeira ilha fiscal paradisíaca dentro do Brasil, excludente
e fechada para os do andar de baixo. Ao mesmo tempo, como ninguém almoça
de graça, a tributação do andar de baixo atingia as raias da vulgaridade. O
salário dos trabalhadores foi confiscado por todos os meios e formas em nome
da "modernidade", da "estabilidade" da moeda e da "responsabilidade fiscal".
A lição de Keynes
A teoria econômica de Keynes reconhecia que a mobilidade internacional do
capital financeiro iria ceifar as políticas, especialmente as de pleno emprego,
dos governos nacionais.
Entretanto, ele não poderia ter previsto que a volatilidade mundial do capital
faria que governos se resignassem, de modo próprio, à administração apenas
marginal das suas economias.
Os atuais governos nacionais não podem mais - atados aos acordos com o FMI
- implementar políticas anticíclicas, que já foram capazes de retirar suas
economias da recessão no pós-guerra. Os impostos não estão gerando
dinheiro bom, porque os tributos estão sendo reciclados para o pagamento de
juros e os encargos da dívida pública, que no acumulado dos últimos 12 meses
ultrapassou a casa dos 90 bilhões de reais - mais da metade da arrecadação
de tributos e contribuições administrados pela Receita Federal prevista para
2001.
A submissão às regras do governo paralelo sediado em Washington e a
submissão integral aos critérios do capital financeiro mundial e às exigências
dos investidores diretos das grandes corporações multinacionais simplesmente
obrigam os "subgovernos" a praticar um terrorismo fiscal para o gerenciamento
compungido do monumental endividamento que o seu reformismo neoliberal e
a sua falsa estabilização engendraram.
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Brasil, o filme
Risível, temos de dizê-lo, é o ar superior, muitas vezes debochado, com que
certos ministros e secretários da área fiscal costumam enaltecer a si próprios
como autores das mais formidáveis perversões, convictos da sua impecável
gestão econômica que, na Argentina, terminou no desemprego de até 30% da
população, na dependência total do financiamento externo e no confisco da
renda dos trabalhadores, o que implicou a queda do salário real médio da
população. Sem falar no final do filme: a bancarrota é o default.
Privilégios do Imposto de Renda fazem do Brasil paraíso fiscal do capital
É irônica a legislação tributária brasileira. Ela define como paraíso fiscal aquele
"país que não tributa a renda ou que a tributa à alíquota máxima inferior a 20%"
(art. 24 da Lei 9.430/96). Entretanto, os rendimentos sobre o capital auferidos
no Brasil são tributados a alíquotas inferiores a 20%, enquanto os rendimentos
do trabalho sofrem a incidência progressiva de até 27,5%.
Portanto, a legislação atual faz do Brasil um paraíso fiscal do capital. O
privilégio dos rendimentos do capital em relação aos do trabalho fere os
princípios da igualdade e da progressividade e determina qual classe social
arca com o ônus tributário no Brasil. Essa concepção paradisíaca de tributação
aprofunda as desigualdades sociais.
É inacreditável um país detentor de uma das maiores concentrações de renda
do mundo aprovar leis desse teor. Caminhamos na contramão dos sonhos da
maioria da população. Vivemos no paraíso fiscal do capital e no inferno
tributário do assalariado e do pequeno empresário, como diz Osíris Lopes Filho,
professor da Universidade de Brasília (UnB) e ex-secretário da Receita Federal.
Diversas mudanças legislativas foram aprovadas, desde 1995, que distorceram,
ainda mais, o sistema tributário brasileiro. Vejamos, a seguir, algumas dessas
alterações.
Juros sobre o capital próprio - o privilégio
Usura heterodoxa é a denominação de Osíris Lopes Filho para a inovação
criada pelo tradicional pacote tributário de fim de ano em dezembro de 1995. A
nova legislação passou a possibilitar à empresa distribuir juros aos seus sócios
ou acionistas (artigo 9º da Lei 9.249/95), reduzindo com isso a sua carga
tributária. Grandes empresas, que apuram lucro elevado, deixam de distribuir
esse resultado fabuloso nos moldes típicos do sistema capitalista para distribuir
juros aos sócios e aos acionistas.
Na época da introdução desse mecanismo, o governo argumentou que essa
inovação vinha compensar as empresas dos reflexos negativos relacionados
ao aumento da tributação em virtude do fim da correção monetária. É que o
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sistema anterior, de indexação das demonstrações financeiras, beneficiava as
grandes empresas na medida em que gerava distorções e redução de tributos.
Alegava o governo que a legislação anterior favorecia o endividamento externo
da empresa, na medida em que os juros pagos a terceiros, decorrentes de
empréstimos, podiam ser deduzidos do lucro quando do cálculo do imposto
devido. Dizia-se que tal legislação induzia à utilização de empréstimos, não
estimulando a obtenção de capital próprio pelas empresas. Seria necessário,
portanto, incentivar o financiamento da empresa pelos sócios. É absurda essa
justificativa. No Brasil, os percentuais elevados das taxas de juros fazem com
que os empresários evitem, ao máximo, buscar empréstimos no mercado
financeiro. Assim, não faz sentido incentivar a utilização de capital próprio
porque a conjuntura econômica já induz à utilização da modalidade de
autofinanciamento.
Trata-se, na verdade, de uma despesa fictícia para a empresa, sem fato
econômico correspondente, pois, na maioria dos casos, não há operação de
empréstimo. Os recursos que o empresário aplica na empresa visam à
obtenção de lucros e dividendos e não de rendimentos financeiros. É
integralização de capital na empresa e não empréstimo.
Portanto, esse incentivo não tem qualquer função econômica, presta-se
meramente a mecanismos de planejamento tributário, visando à redução do
pagamento de tributos. Quem banca esses juros, de fato, é a sociedade. Esse
mecanismo de renúncia fiscal fez com que, só em 1998, a União perdesse 3,25
bilhões de reais de arrecadação. No mesmo período, o confisco de Imposto de
Renda, resultante da não-correção da tabela do IR, foi de 1,8 bilhão de reais.
Os beneficiários desse incentivo aético são as empresas capitalizadas e
lucrativas. Hoje, com os juros estratosféricos, a maioria das empresas
nacionais está descapitalizada e no prejuízo, não tendo, portanto, como se
beneficiar desse incentivo.
Para as grandes empresas, principalmente os bancos, esse incentivo é uma
festa. Se não fossem deduzidos os juros do capital próprio, o Imposto de
Renda seria calculado da seguinte forma: uma alíquota inicial de 15% e, a
partir do lucro de 240 mil reais anual, aplicar-se-ia a alíquota adicional de 10%;
por fim, agregar-se-ia a contribuição social sobre o lucro de 9%. Ter-se-ia uma
alíquota agregada de aproximadamente 34%. Creditando-se esses juros aos
sócios e aos acionistas, há cobrança de Imposto de Renda na fonte à alíquota
de 15%. Na hipótese de a empresa distribuir, por exemplo, 10 milhões de reais
de juros sobre o capital próprio, ela reduz o pagamento de seus tributos no
valor de 1,9 milhão de reais. O benefício é duplo: alíquota menor (única de
15%) e redução dos tributos na pessoa jurídica.
Enquanto isso, o trabalhador tem o seu rendimento tributado progressivamente
à alíquota de até 27,5%. A desigualdade de tratamento salta aos olhos de
qualquer criança. É uma verdadeira ofensa aos princípios constitucionais de
13
igualdade e capacidade contributiva, que parecem condenados a ficar apenas
no papel.
Em suma, o grande beneficiário dessa legislação tributária é o capital. O
cidadão que vive do não-trabalho - de aplicação financeira - paga menos
Imposto de Renda que o trabalhador. As empresas estrangeiras, que
ingressaram no país em decorrência do programa de privatizações e da
quebradeira das empresas nacionais provocada pela política econômica do
governo, além de utilizarem-se do pagamento de juros sobre o capital próprio
para pagar tributos federais com valor privilegiado, não são tributadas nas
remessas de lucros ao exterior.
No Brasil, quem pode mais paga menos. É exatamente o oposto à concepção
do princípio segundo o qual quanto maior for a capacidade contributiva do
contribuinte maior deve ser a participação com tributos na manutenção do
Estado. Não apenas proporcionalmente, mas também progressivamente.
Está clara, portanto, a opção do atual governo: sobretaxar o trabalho e aliviar a
carga do grande capital, especialmente o capital financeiro proveniente do
exterior. Esses dois aspectos da política tributária caminham juntos. Um é a
contrapartida do outro. Enquanto favorece o capital, o governo insiste em não
corrigir o Imposto de Renda da pessoa física, impondo seis anos de
congelamento (a inflação do período chegou próxima dos 45%), confiscando,
conseqüentemente, parte significativa dos salários e do rendimento do
trabalhador brasileiro. Além disso, aumentou a alíquota do Imposto de Renda
da pessoa física de 25% para 27,5%.
Outros privilégios tributários do capital
Além da permissão para dedução dos juros sobre o capital próprio na apuração
do Imposto de Renda devido pelas empresas, outros privilégios são garantidos
aos rendimentos e aos ganhos de capital. A renda de aplicações financeiras é
tributada à alíquota de, no máximo, 20% (renda fixa). Os ganhos de capital são
tributados apenas em 15%. A renda variável sofre uma incidência de meros
10%, até 31/12/2001, e 20% a partir de 2002. A renda do capital estrangeiro
aplicado no mercado financeiro é tributada em no máximo 15% (renda fixa). Os
lucros distribuídos são isentos de Imposto de Renda.
Como se vê, todos os rendimentos citados, decorrentes de capital, sofrem uma
tributação à alíquota máxima de 20%. Voltemos à legislação em vigor, segundo
a qual o país que tributa renda à alíquota inferior a 20% é considerado paraíso
fiscal (art. 24 da Lei 9.430/96). Portanto, afirmar que o Brasil é paraíso fiscal
para os rendimentos do capital não é manifestar uma opinião. É simplesmente
constatar um fato. E quem paga a conta dessa realidade é o trabalhador.
Cabe ao governo FHC usar seu discurso "contemporâneo" para responder, se
14
conseguir, por que o rendimento do capital paga menos Imposto de Renda que
o rendimento do trabalho? O que legitima que uma pessoa com capacidade
contributiva (econômica) de 10 milhões de reais anuais pague somente 15%
(juros sobre capital próprio) de Imposto de Renda, enquanto outra, com
rendimentos de 30 mil reais anuais, pague 27.5%?
O preceito constitucional da isonomia não está sendo respeitado. A origem da
renda, se de capital ou de trabalho, não pode dar ensejo a tratamento diverso.
A Constituição Brasileira de 1988 já estabeleceu o fator de discriminação para
o princípio da isonomia: a capacidade econômica.
Tem razão Norberto Bobbio quando diz que o grande desafio atual da luta
pelos direitos do homem, como a igualdade tributária e a capacidade
econômica, não é mais de normatizar os direitos, ou seja, de transformá-los em
leis, mas sim de encontrar formas ou meios que garantam a eficácia e a
aplicação desses direitos. É preciso desfrutá-los.
Isenção da distribuição de lucros e dividendos e da remessa de lucros
para o exterior
Outro privilégio fiscal criado durante o governo FHC foi a isenção do Imposto
de Renda sobre os lucros ou dividendos distribuídos aos sócios, ou acionistas,
apurados a partir de janeiro de 1996, independentemente de serem residentes
no país ou no exterior (Lei 9.249/95, artigo 10).
Em outros termos, os rendimentos das pessoas físicas provenientes de lucros
ou dividendos não são tributáveis, nem na fonte, nem na declaração do
Imposto de Renda. Isso significa que até as remessas para o exterior de lucros
e dividendos estão isentas do pagamento do Imposto de Renda.
Essa renúncia fiscal permite que sejam efetuados planejamentos tributários
diversos visando à elisão fiscal, bem como dá um tratamento tributário
extremamente desigual e injusto a contribuintes que possuem igual capacidade
tributária. Contribuintes com a mesma renda têm tratamento tributário distinto.
Enquanto os lucros e os dividendos estão isentos, os rendimentos do trabalho
são tributados à alíquota de 27,5%.
Os representantes do governo defendem a isenção sob a alegação de que o
lucro distribuído já foi efetivamente tributado na pessoa jurídica e que, ao
exigir-se a tributação na pessoa física, estar-se-ia praticando uma injustiça
fiscal. Esse argumento não procede.
Primeiro porque se trata de entidades distintas, não se pode confundir a
pessoa jurídica com a figura de seus sócios ou acionistas. Segundo, porque
nem todo lucro distribuído foi tributado na pessoa jurídica. Em terceiro lugar,
em quase todos os demais países, os lucros e os dividendos quando
15
distribuídos aos sócios e aos acionistas são tributados na pessoa física,
mesmo que tais lucros já tenham sido tributados na pessoa jurídica.
Cumpre lembrar que o Brasil também adotava esse tratamento tributário até
1995, ou seja, a distribuição dos lucros e dos dividendos era tributada na fonte
ou na declaração do sócio ou acionista que recebia o rendimento.
Essa isenção gera outras distorções e injustiças no sistema tributário. Uma
delas é que esses rendimentos distribuídos ficam de fora da tributação
progressiva, sofrendo, conseqüentemente, uma incidência menor, ou nenhuma,
e apenas proporcional. Outra injustiça é que parte dos lucros distribuídos não é
sequer tributada na pessoa jurídica. Isso ocorre porque a legislação permite a
distribuição de lucro meramente contábil e, em muitos casos, grande parte do
lucro contábil não sofre qualquer tributação. Para empresas que optam pela
tributação com base no lucro presumido, por exemplo, o lucro fiscal é, quase
sempre, muito inferior ao lucro contábil.
Em síntese, pela legislação atual, a incidência do Imposto de Renda depende
da origem da renda, o que é um absurdo e uma discriminação, para não dizer
um privilégio. A renda como produto do capital é menos tributada que a renda
como produto do trabalho. Não há qualquer justificativa lógica constitucional
para esse disparate tributário. A natureza da renda não pode ser fator para
tratamento diferenciado na tributação.
A legislação brasileira parece andar sempre na contramão da Justiça, caminha
às avessas da solidariedade, da justiça fiscal, da isonomia tributária e, também,
da progressividade.
Na visão do Unafisco Sindical, os rendimentos e os ganhos de capital devem
ser incluídos na declaração anual de Imposto de Renda, permitindo a
compensação do respectivo imposto já recolhido. Desse modo, haverá
tributação justa e igualitária, pois todos os rendimentos estarão sujeitos à
tributação progressiva.
A renúncia fiscal relativa à isenção sobre os lucros e os dividendos distribuídos
é estimada, para o ano de 1998 (exercício 1999), em cerca de 3,7 bilhões de
reais. Com um crescimento de 5% ao ano do rendimento global declarado pela
categoria "proprietários e capitalistas", chega-se a uma estimativa
conservadora de 4,08 bilhões de reais. Cabe ressaltar que o cálculo é realizado
a partir do rendimento declarado médio dos cerca de 1,4 milhão de
contribuintes incluídos naquela categoria durante o ano de 1998.
Não há dúvida de que a contrapartida dessa renúncia fiscal foi o aumento de
tributos sobre a classe trabalhadora. Esse privilégio dado aos rendimentos de
capital ofende o princípio da igualdade, porque um assalariado paga mais
Imposto de Renda que um contribuinte cujos rendimentos são denominados de
lucros.
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Redução da alíquota e da progressividade do adicional do Imposto de
Renda das pessoas jurídicas
No primeiro ano do governo FHC, a tributação dos lucros das empresas
também foi aliviada. Reduziu-se a alíquota do Imposto de Renda das pessoas
jurídicas de 25% para 15%. As alíquotas do adicional do imposto também
foram reduzidas: até 1995, havia duas faixas para o adicional de Imposto de
Renda para lucros elevados, de 10% e 15%; agora há apenas uma alíquota -
de 10% -, para o lucro que ultrapassar 240 mil reais no ano.
Lembramos que para as instituições financeiras, as alíquotas do adicional do
Imposto de Renda eram ainda maiores, chegando a 18%, dependendo da faixa
de lucro. Portanto, os bancos foram os mais beneficiados.
Essa foi mais uma das mudanças na legislação tributária na era FHC que
caminhou na contramão dos princípios de justiça fiscal, como progressividade e
igualdade. Os princípios constitucionais foram totalmente abandonados.
Tais medidas contribuem, consideravelmente, para o aumento da concentração
de renda em nosso país, ou, pelo menos, para a sua manutenção.
A farsa
A criação da tributação em bases universais foi uma grande farsa. Essa
suposta tributação dos lucros auferidos no exterior é apenas para inglês ver
(melhor: para iludir o pequeno contribuinte), a exemplo do que ocorre com a
tributação da terra no Brasil.
A tributação em bases universais significa tributar todos os rendimentos e
ganhos de capital, independentemente de onde foram gerados (em qualquer
lugar do mundo), isto é, independentemente de terem sido gerados no país ou
no exterior devem ser tributados no país onde a pessoa é residente ou onde
tem seu domicílio tributário. Para as pessoas físicas isso já existe há muito
tempo, antes até da Lei 7.713/88. Para as pessoas jurídicas, essa tributação
somente foi criada com a Lei 9.249/95 (art. 25).
A Lei 9.249/95 estabeleceu que, a partir de janeiro de 1996, os lucros, os
rendimentos e os ganhos de capital auferidos no exterior, por meio de filiais,
sucursais ou coligadas, serão adicionados ao lucro líquido do período-base,
para efeito de determinação do lucro tributável (lucro real), em 31 de dezembro
de cada ano, no momento do encerramento do balanço da empresa.
Em outras palavras, a partir de 1996, os lucros de filiais e coligadas de
empresas brasileiras no exterior deveriam estar sujeitos à incidência do
Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre os Lucros Líquidos (CSLL).
Esse lucro, gerado no exterior, deveria ser incluído na declaração do IRPJ e
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tributado junto com o lucro da empresa sediada no Brasil. O imposto pago no
exterior poderia ser compensado.
Com essa lei, em tese, os lucros de empresa brasileira auferidos em paraíso
fiscal pagam Imposto de Renda no Brasil. Mas, na prática, isso acaba não
acontecendo, como explicaremos a seguir.
O objetivo dessa lei foi evitar a fraude fiscal, amplamente utilizada pelas
empresas brasileiras com filial no exterior. A fraude consistia em diminuir o
lucro tributável, apurado no Brasil, declarando-o como se fosse gerado no
exterior. Esse tipo de fraude foi reconhecido publicamente pelo Banco Central,
por intermédio de seu diretor, Alquimar Moura, quando declarou à Folha de S.
Paulo que "estou preocupado com o crescimento dos lucros dos 67 bancos
brasileiros no exterior. Apenas 12% dos ativos totais desses bancos (exceto
BB) estão no exterior, mas no primeiro semestre deste ano 28,7% do lucro total
desses bancos foi obtido no exterior". Criticou-se essa tributação com o
argumento de que filiais em paraísos fiscais seriam extintas caso seu lucro
fosse tributado no Brasil.
Engana-se quem pensa que a partir de 1996 esses lucros passaram a ser
tributados. Essa lei foi apenas para inglês ver. Afinal, se a ordem era facilitar a
mundialização do capital financeiro, como iria o governo brasileiro taxar os
maiores representantes desse capital - os bancos? Aliás, são justamente as
instituições financeiras que mais filiais têm no exterior. É que com uma simples
instrução normativa, do secretário da Receita Federal (38/96), posteriormente
convertida em lei, essa tributação deixou de ser aplicada. Criou-se um
mecanismo de diferimento desses lucros, ou seja, passam a ser tributados
somente no momento em que ingressarem no país. É possível imaginar
quando isso irá ocorrer.
Os grandes bancos têm todos os motivos para comemorar essa manobra legal.
É estranho e incoerente o surgimento dessa brecha legal, pois o próprio
secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, declarou, no Congresso
Nacional, em audiência na CPI dos Bancos, que as instituições financeiras não
pagam quase nada de Imposto de Renda ("58% não pagaram nada, pois se
utilizam de brechas legais", Jornal do Brasil 22/11/98).
Recentemente, a Medida Provisória 2.158-3, de 24/8/2001, revogou o benefício
acima criticado, porém com efeitos de arrecadação apenas para janeiro de
2003. Entretanto, durante sete anos, os bancos usufruíram da farra fiscal do
capital patrocinada por um ato administrativo tributário ilegal e inconstitucional.
Outros benefícios do mundo tributário para o grande capital
São muitos os benefícios tributários para o grande capital criados a partir de
1995, mas vamos listar apenas mais alguns.
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Redução drástica das multas das infrações fiscais - reduzindo os riscos para a
prática de sonegação. Equiparou-se, em alguns casos, o sonegador ao
inadimplente (Lei 9.430/96, art. 44). A partir daí, o governo passou a dar ênfase
apenas ao combate à inadimplência, deixando de lado o combate à sonegação.
Antes dessa mudança, as multas no caso de autuação pelo fisco eram de
300% no caso de fraude e 150% para os demais casos. Com o advento dessa
lei, foram reduzidas para 150% e 75%, respectivamente, lembrando que se o
contribuinte pagar o débito até 30 dias da autuação tais multas serão ainda
reduzidas em 50%, resultando efetivamente em 75% e 37,5%, respectivamente.
Como se vê, o risco em sonegar diminuiu.
Redução do risco de sonegar - a Lei 9.249/95, art. 24, determina que nas
omissões de receitas detectadas pelo fisco o valor do imposto a ser lançado
será apurado de acordo com o regime de tributação adotado pelo contribuinte e
não mais tributada integralmente a receita omitida, que penalizava o sonegador
e desestimulava a prática da evasão.
Antes dessa lei, quando o fisco apurava omissão de receitas num total de 100
mil reais, o imposto a ser cobrado era de 15 mil reais (alíquota de 15% sobre
100 mil); hoje, se o contribuinte optar pelo Lucro Real (base escrituração e
contabilidade) e tiver prejuízos fiscais a compensar, digamos de 30 mil reais, o
imposto a ser exigido será de apenas 10.500 reais (15% sobre 70 mil). Numa
outra situação, se o contribuinte optar pelo lucro presumido, a tributação fica
mais confortável ainda, podendo resultar em meros 1.200 reais.
Redução da progressividade do Imposto de Renda das Pessoas Físicas,
eliminando a alíquota de 35% para a faixa de renda mais elevada (Lei
9.250/95) - justificou-se a eliminação dessa alíquota sob o argumento de que
"havia poucos contribuintes nessa faixa de renda". De fato, com uma
administração tributária preguiçosa, que prefere tributar o assalariado e as
receitas das empresas, a evasão é cada vez maior e as pessoas físicas com
grandes rendas acabam sonegando cada vez mais. Ora, se havia poucos
contribuintes nessa faixa, evidentes são os indícios de sonegação, pois essa
alíquota de 35% abrangia as pessoas com renda mensal superior a 14 mil reais,
e não é possível imaginar que num país com tamanha concentração de renda
não haja um número significativo de pessoas que aufiram rendimentos
superiores a esse valor. E mesmo que o número de declarantes dessa faixa
não seja elevado, o valor sonegado é significativo.
Limitação da dedução com instrução a 1.700 reais no Imposto de Renda - foi
também eliminada a possibilidade de deduzir despesas com uniformes e
material escolar, cursos de idiomas e outras despesas com educação (art. 8º
da Lei 9.250/95).
Elevação da alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Física de 25% para
27,5% - Lei 9.532/97, art. 11.
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Aumento do Imposto de Renda das pessoas físicas, principalmente das
camadas menos favorecidas, e do número de declarantes pela não-correção
da tabela de fonte - a tabela do Imposto de Renda das pessoas físicas ficou
congelada desde janeiro de 1996.
Aumento da carga indireta, ampliando a injustiça do sistema - seguindo a
política de tributação sobre o consumo e em cascata, foram aumentadas as
alíquotas da Cofins em 50%, passando de 2% para 3%, incidente sobre o total
das receitas das empresas. Ampliou-se a base de cálculo do PIS e da Cofins.
A CPMF também foi mantida e sua alíquota aumentada para 0,38%.
Concessão de anistias (e Refis) para grandes devedores e sonegadores de
tributos federais - em 1999, o governo federal concedeu anistia de multas e
juros para contribuintes que questionavam judicialmente a exigência de tributos
quando as decisões judiciais já apontavam a União como favorável no litígio. A
União abriu mão de uma arrecadação líquida e certa, comprometeu a
arrecadação futura, estimulando a inadimplência e a sonegação.
Outra espécie de anistia, concedida em 2000, foi o Refis - Recuperação Fiscal
de Contribuintes em Débito com a Fazenda Nacional. Consiste no
refinanciamento - parcelamento - do débito do contribuinte com pagamento
estabelecido por um percentual sobre a receita da empresa. O resultado dessa
benevolente forma de pagamento estabelecida pela lei é que o prazo médio do
parcelamento fica em torno de 80 anos. Há casos em que esse prazo chega a
mais de mil anos.
Na época em que foi instituído o Refis, o Unafisco Sindical fez sérias críticas ao
programa. O Sindicato alertava que o Refis não distinguia entre sonegadores e
inadimplentes especialmente porque tanto o inadimplente quanto o sonegador
ficam livres da ação penal a partir da adesão ao Refis, além de pagarem o
débito à taxa de juros favorecidas (TJLP). O programa permitiu, ainda, a
utilização de prejuízos fiscais de terceiros para compensar multa e juros. O
resultado foi a criação de um mercado de prejuízos fiscais. Nos EUA, onde
vigorou tal mecanismo, a prática foi eliminada a partir da constatação do
absurdo: uma grande empresa do setor automobilístico não recolheu nada de
IR por haver comprado todo o prejuízo fiscal de outra megaempresa do setor. A
conseqüência prática é que muitas empresas transferem seus ativos para
outras pessoas jurídicas. Assim, todas as empresas que se socorrem dessa
anistia disfarçada podem operar com receitas reduzidas, com vistas a reduzir o
valor da parcela do refinanciamento. Não é à-toa, portanto, que algumas
dívidas poderão ser "pagas" no prazo de mais de um milênio.
Podemos afirmar que o Refis foi o maior atestado da falência do modelo de
arrecadação perversa e preguiçosa. A máquina bateu o motor, não tem óleo
que resolva. Tenta-se arrecadar a todo custo, mesmo com práticas pouco
recomendadas. No caso, uma grande anistia fiscal na qual serão beneficiadas
até grandes empresas que têm todas as condições de saldar suas dívidas e
20
que, ao contrário de alguns pequenos e médios contribuintes, até se
beneficiaram com essa política econômica perversa de juros altos e abertura
indiscriminada de nossas fronteiras.
A maior prova de que o Refis tinha endereço certo e os destinatários não eram
as pequenas empresas é o curioso perfil traçado a partir das recentes
exclusões do programa.
Ao todo, até o encerramento de 2001, foram excluídos ou não homologados
mais de 91 mil empresas, correspondendo a 71,26% das inscritas. O valor total
da dívida excluída, no entanto, limita-se a 17,54% do total.
Descriminação da fraude fiscal
A legislação penal tributária brasileira mal começou a dar sinais de eficácia e
os donos do poder já retrocederam, criando embaraços legais para a sua
aplicação.
A previsão legal do crime contra a ordem tributária é um excelente instrumento
no combate à sonegação de tributos, visando ao cumprimento voluntário da
obrigação.
Bastou algumas grandes figuras nacionais serem condenadas por crime fiscal
e não tardou para mudar-se a lei.
Primeiro extinguiu-se a punibilidade do crime contra a ordem tributária pelo
pagamento do tributo (Lei 9.249/95, art. 34). Como se isso não bastasse,
impediu-se o fisco de remeter ao Ministério Público a representação fiscal para
fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária, no momento da
autuação fiscal, postergando-a para após a decisão final na esfera
administrativa, o que na prática resulta, na maioria dos casos, na prescrição do
crime (Lei 9.430/96, art. 83).
Com a vigência dessa lei, o contribuinte que comete crime contra a ordem
tributária fica livre da ação penal, prevista na Lei 8.137/90, desde que pague
seu débito. Isso vale, por exemplo, para casos de apropriação indébita. Ainda
que a empresa se aproprie de valores devidos por terceiros - Imposto de
Renda retido na Fonte, contribuições previdenciárias e Imposto sobre Produtos
Industrializados - e não repasse essas quantias aos cofres públicos, basta que,
ao ser flagrada, quite esses valores para ficar livre do processo.
Vale ressaltar que se estivesse em vigência esta lei em 1992, PC Farias não
teria sido preso.
É flagrante a desigualdade de tratamento entre o ladrão de galinha e o
sonegador de tributos: enquanto aquele somente têm reduzida a sua
21
penalidade caso repare o dano, permanecendo, porém o crime, o sonegador
de tributos, se for pego pelo fisco e pagar o seu débito, tem extinguido o seu
crime. Mais uma redução significativa no risco da sonegação.
A extinção da punibilidade pelo pagamento cria um privilégio para o sonegador
que não é aplicado às demais modalidades delitivas, o que fere o princípio
constitucional da igualdade
É preciso uma mudança cultural de modo que influencie o legislador brasileiro
para que dê efetividade à igualdade constitucional e acentue a reprovabilidade
às condutas sonegadoras de tributos.
A descriminalização faz parte de um conjunto de benefícios tributários para o
grande capital. Reduziu-se a sua tributação e o risco da sonegação. A quem
isso interessa?
Desoneração do patrimônio rural
A Lei 8.847/94, que atualizou o Estatuto da Terra, mantendo sua essência de
tributar progressivamente em função da utilização da terra, foi profundamente
alterada pela Lei 9.393, de 19 de dezembro de 1996.
As principais alterações foram as seguintes:
• Suprimiu o dispositivo que impunha o pagamento do ITR com base no dobro
da alíquota correspondente ao imóvel que, no segundo ano consecutivo e
seguintes, apresentasse percentual de utilização efetiva da área igual ou
inferior a 30%;
• (progressividade no tempo). Essa medida foi um retrocesso, favorecendo o
latifúndio improdutivo, pois, na lei anterior, em quatro anos um latifúndio
improdutivo seria tributado com base na alíquota de 36%, agora, a alíquota
será no máximo de 20%;
• Extinguiu o VTNm - Valor da Terra Nua mínimo -, que era fixado pela SRF
para garantir um valor mínimo no imposto lançado. Funcionava como uma
malha do valor declarado e protegia a base de cálculo do imposto, Valor da
Terra Nua Tributável, contra práticas abusivas de subavaliação de imóveis
praticadas pelos grandes proprietários para não pagarem o ITR devido;
• Criou a possibilidade de a União repassar aos órgãos da administração
tributária dos estados a cobrança e o lançamento do ITR;
• Substituiu as três tabelas previstas na lei anterior por apenas uma Tabela de
Alíquotas, desconsiderando as profundas diferenças regionais (econômicas e
fundiárias) existentes no país. Por exemplo, deu o mesmo tratamento fiscal
22
para um imóvel de 30 ha, esteja ele localizado na área mais seca do Ceará ou
no solo mais nobre do Paraná.
Essa modificação na legislação do ITR veio logo após a suspensão do
lançamento do ITR/95, em março de 1996. Vale lembrar que o lançamento
suspenso de 1,9 bilhão de reais foi reduzido para algo em torno de 300 milhões
de reais, e a arrecadação foi de 262 milhões de reais, sendo que mais da
metade dos imóveis já havia pago o imposto (apenas os pequenos, pois
representavam 1% do lançado).
Na época, o governo justificou a necessidade da nova legislação para o ITR
como forma de punir o latifúndio improdutivo por meio da justiça fiscal, que
rebaixaria os preços da terra.
Na verdade, a substituição da lei atendia à demanda dos grandes proprietários
pela extinção do mecanismo da progressividade no tempo do ITR, previsto na
Lei 8.847/94, que entraria em vigor no lançamento 1997, ano-base 1996 (seria
o primeiro ano de duplicação da alíquota pela baixa utilização), ao tempo em
que deixava a base de cálculo do tributo livre do batimento com o VTNm.
Com total apoio da mídia, o governo anunciou, por ocasião do lançamento da
MP, que a arrecadação do ITR alcançaria a cifra de 1,6 bilhão de reais no
primeiro ano de vigência da nova lei. Muito distante do previsto, a arrecadação
do ITR, após seis anos de vigência da Lei 9.393, permanece muito aquém do
potencial. A preços correntes, em milhões de reais, temos: 1996 -262; 1997 -
209; 1998 - 224; 1999 - 273; 2000 - 267 e 2001- 230 (estimativa), ou seja,
verificamos com a nova lei a trajetória decrescente da arrecadação (exceto em
1999 e 2000) em relação ao arrecadado em 1996, o primeiro e último ano de
vigência da Lei 8.847/94 (mesmo com lançamento subestimado). Se fizermos a
análise em termos reais, há um decréscimo de todos os períodos em relação a
1996, e a participação do ITR no PIB continua um vexame: 0,0002%.
Conclusões
Há uma lógica econômica, fio condutor de todo o processo da delinqüência
financeira internacional. A nova ordem econômica mundial, ao exigir a
liberdade total para o capital, propiciou a intensificação da lavagem
internacional de dinheiro. A integração dos mercados financeiros produziu uma
facilidade maior da circulação do dinheiro sujo. Esse processo foi imposto pelos
EUA e por seus órgãos de apoio (FMI e BID) como forma de garantir a
hegemonia americana.
Nesse contexto, a política econômica brasileira, submetida de corpo e alma aos
interesses americanos, desenvolveu, na última década, uma série de
alterações legais, seja do ponto de vista do controle de câmbio, seja do ponto
de vista tributário, para adequar a nossa economia aos padrões exigidos pelo
23
FMI.
Assim, foram feitas várias alterações na legislação tributária que resultaram em
desoneração do capital estrangeiro, do grande capital nacional e das pessoas
mais ricas. E qual o intuito desse manejo fiscal? Garantir que esse capital
desonerado fosse liberado para transacionar no mercado financeiro
internacional, além de tornar atrativo o investimento externo no país.
A redução da carga tributária para os segmentos de maior poder aquisitivo
trouxe como conseqüência a elevação dos tributos para a parcela dos
contribuintes menos favorecida economicamente, por meio de uma maior
ênfase nos impostos indiretos e cumulativos e um maior ônus tributário para a
classe assalariada, por ser mais fácil de ser controlada.
Não faltaram ao grande "baile da Ilha Fiscal" os ingredientes que conferem o
devido requinte às grandes farras: liberdade para aplicar em qualquer lugar do
mundo nos paraísos fiscais, sigilo bancário para proteger a origem do dinheiro,
ausência de risco de ser punido ou criminalizado por sonegação, embriaguez
dos elevados rendimentos propiciados pelas indiretas taxas de juros e pela
desoneração tributária.
Esse baile foi patrocinado pelo governo brasileiro à custa da tributação cada
vez mais pesada da maioria dos brasileiros que, barrados no baile, só foram
lembrados na hora de pagar a conta do ajuste fiscal, com o aumento da carga
tributária.
A "agenda" de integração dos mercados financeiros e de capitais traçada pelo
FMI e pelo BID criou um enorme mercado para o dinheiro sujo, que pode ter
conseqüências sérias para a segurança mundial pela incapacidade dos
Estados de regular a vida coletiva.
Países que abriram seus mercados privatizaram todo o patrimônio público,
sucatearam o Estado, atraíram capitais externos com taxas de juros
escorchantes, seguiram à risca o receituário neoliberal. Ganharam em troca o
quê?
No nosso caso, além de uma enorme renúncia fiscal representada por um
estrondoso déficit comercial, elevada dívida pública, recessão e possibilidade
de explosão da bolha financeira, acrescente-se a ressaca moral pelo patrocínio
de uma nova ordem econômica que não consegue resolver os anseios e as
necessidades da humanidade.
Aos barrados no baile cabe o compromisso de construir o futuro de uma nova
civilização planetária, como propõe o Fórum Social Mundial de Porto Alegre,
colocando nesse espaço livre todas as alternativas que o pensamento
hegemônico nos vetou pela força da mídia e pela perversidade das elites.
Queremos uma tributação solidária com a luta dos "de baixo" e com justiça
24
social, em contrapartida à desoneração tributária egoísta servida "aos de cima"
nos últimos sete anos.
Referências Bibliográficas:
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outubro de 2000
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7. Brasil ou Porto Rico: Você Decide - Tese Aprovada VII Conaf -2000
8. Carta Capital - Lavanderia Paraíso - 10/10/01, Ano VII, Nº 100
9. Fórum Mundial Social - Oficina Unafisco - A Reforma dos Ricos, o Novo
Imperialismo e a Maioria Inquieta - Porto Alegre - 2001
10. Alberto Amadei - Tese Conaf
11. Osíris Lopes Filho
12. A Evasão Fiscal dos Grandes Contribuintes - José Alves da Fonseca --
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14. Pátria Mal Amada: Brasil Endividado, Privatizado e Confiscado - Tese do
VII Conaf
15. Chega de Confisco - Unafisco - Site: www.unafisco.org.br
16. Site do Unafisco - Análise de Conjuntura
17. Samuel Pinheiro Guimarães- 500 Anos de Periferia
18. Fernando Marsillac, Lurdes Gutierrez e Alberto Amadei - Jornal do
Comércio - 1987 - Lavagem de Dinheiro e Fundos ao Portador
19. Tese Conaf - Uma Receita Para o Brasil II - Da Análise do Desmonte ao
Projeto de Reformulação - Fátima Gondim Farias, Clair Hickmann, Liduína
Ribeiro e outros
20. As Reformas de FHC e o Redescobrimento do Clientelismo - Luiza Amália,
Nory Celeste S. Ferreira, Paulo Gil H. Introíni, Fernando Coelho e Carlos André
Nogueira
21. Um Modelo Progressivo para o Imposto de Renda das Pessoas Físicas VII
Conaf - Albino I. P. da Cunha
22. A Tributação dos Inocentes - Fátima Gondim Farias, Tese V Conaf -1997
23. Seminário sobre Legislação e Técnicas de Auditoria SRF/ Cofis/ SRRF
4ªRF "Lavagem de Dinheiro" - Recife 1995
24. A Economia Como Ela É - Paulo Nogueira Batista Jr,
25. A Destruição (Não) Criadora - Maria Da Conceição Tavares
26. A Nova Economia da América Latina - Carlos Geraldo Langoni
27. Attac
25
28. Le Monde Diplomatique
29. A Hegemonia dos EUA e o Rumo do Brasil - Alberto Amadei
30. Brasil ou Porto Rico: Você Decide - Tese Aprovada Conaf
31. Carta Capital - Lavanderia Brasil
32. Fórum Mundial Social - Oficina Unafisco - A Reforma dos Ricos, o Novo
Imperialismo e a Maioria Inquieta - Porto Alegre
33. Seminário de Curitiba
34. Seminário de Belo Horizonte
35. Piscitelli - Seminário Internacional da Previdência Social
36. Mauro Bogéa
37. Murilo Cunha
38. Clair Hickmann - Tese Conaf
39. Carlos André - Tese Conaf
40. Alberto Amadei - Tese Conaf
41. Osíris Lopes Filho
42. José Alves da Fonseca
43. CPI da Evasão - Relator Jutahy Magalhães
44. Pátria Mal Amada: Brasil Endividado, Privatizado e Confiscado - Tese do
VII Conaf
45. Chega de Confisco - Unafisco
46. Site do Unafisco - Análise de Conjuntura
47. Fernando Marsillac, Lurdes Gutierrez e Alberto Amadei - Jornal do
Comércio - 1987 - Lavagem de Dinheiro e Fundos ao Portador
48. Tese Conaf - Uma Receita Para o Brasil I e II
49. Osíris Lopes Filho. Indecência absurda. Jornal Tribuna da Imprensa de 17-
11-2001. Rio de Janeiro
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