8 de mar. de 2017

Deslocamento compulsório e estratégias empresariais em áreas de mineração: um olhar sobre a exploração de bauxita na Amazônia Luiz Jardim de Moraes Wanderley

Deslocamento compulsório e estratégias empresariais em áreas de mineração: um olhar sobre a exploração de bauxita na Amazônia Luiz Jardim de Moraes Wanderley1 Resumo O problema das populações atingidas pelo deslocamento compulsório em área de mineração é muito pouco trabalhado pelas Ciências Sociais e pelas agências do Estado. Porém, é comum em empreendimentos minerais de grande porte a necessidade de retirada de um contingente de indivíduos das terras que ocupam para construir um ordenamento territorial propício ao funcionamento da atividade mineradora. Essas populações são em muitos casos desconsideradas pelas empresas e pelo Estado, ficando à mercê da pressão e das estratégias do capital sobre suas terras e modo de vida. O presente trabalho se prenderá à problemática referente ao deslocamento compulsório em áreas de exploração mineral de grande porte na Amazônia, dando destaque às estratégias empresariais, aos conflitos sociais, à questão fundiária e às populações atingidas. Para tanto, serão utilizados como estudo de caso os empreendimentos de exploração de bauxita localizados no Baixo Amazonas, nos municípios de Oriximiná e Juruti, onde em períodos distintos ocorreram retiradas de indivíduos de seus espaços vividos e usados. Palavras-chave: Mineração; Deslocamento Compulsório; Amazônia 1 Mestre em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFRJ Pesquisador associado ao grupo de Geografia da Mineração no PPGG/UFRJ lulawanderley@gmail.com. Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 476 Abstract The question about reached populations for the obligatory displacement in mining area is very little debated by Social Sciences and the agencies of the State. However, it is common in biggest mineral enterprises to exist the necessity of withdrawal a contingent of individuals from them lands, for building a territorial order which propitiate the functioning of the mining activity. These populations are in many cases disrespected for the companies and State, being the grace of capital pressure and strategies on them lands and them way of life. The present paper will focus the questions over the obligatory displacement in mining exploration area in almost every part Brazilian Amazon, giving prominence for the corporation strategies, the social conflicts, the agrarian question and the reached populations. In such a way, will be used as a case of study the bauxite exploration projects in Low Amazon, in the cities of Oriximiná and Juruti, Pará State, where in distinct periods had occurred removes of individuals from them lived and used spaces. Keywords: Mining; Obligatory Displacement; Brazilian Amazon. Introdução Os grandes projetos de desenvolvimento apresentam traços comuns acerca dos impactos regionais/territoriais, sendo estes tipificados como mudanças na estrutura populacional, no emprego, na organização do território, no quadro político, na cultura e nos ecossistemas (PIQUET, 2007). Tais transformações na sociedade capitalista moderna estão totalmente imbricadas com a necessidade de se criar condições para a reprodução ampliada do capital, estando ainda associada à ideologia modernizadora e ao ordenamento territorial do Estado-nação (SCHERERWARREN, 1993). As grandes corporações mineradoras buscam criar, nas localidades onde se instalam, uma nova racionalidade, por meio de um ordenamento territorial, que lhes permitirá o exercício “seguro” de suas atividades produtivas. Para tanto, estimulam o processo de institucionalização, isto é, a criação de territórios ou o rearranjo de velhos limites com finalidade Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 477 de normatizar o uso e a circulação espacial por meio da institucionaliza- ção ou normatização dos territórios (SANTOS, 1996). Neste sentido, o espaço geográfico tem que ser compreendido como um condicionador impregnado de intencionalidade. O território normatizado requer elementos para coerção, que podem ser por vias materiais – objetos geográ- ficos arranjados intencionalmente para obstaculizar e induzir as ações (bases de controle de circulação, grades, muros) – ou por meio de regras e normas que, ao serem desobedecidas, impõem alguma sanção (ANTAS Jr., 2005). A racionalidade imposta pelas mineradoras define os limites das ações quanto ao uso e funções no/do espaço, de modo que o funcionamento assegure a reprodução do capital. Ao mesmo tempo que as empresas criam novas formas de regulação do uso do território numa escala local, elas atuam pressionando o poder estatal, no intuito de flexibilizar as normas territoriais nacionais, ou ainda contornam os dispositivos constitucionais, para favorecer ou facilitar a instalação e ação do capital. As práticas de desregulação exercidas pelo Estado frente à chantagem locacional, possibilitada pela mobilidade espacial das grandes corporações transnacionais, não se limitam apenas à flexibilização das normas para atrair investimentos. O lobby empresarial transforma as leis aos moldes dos interesses capitalistas, como por exemplo o projeto de lei (PL - no1610/96) do senador Romero Juca (PFL-RR), que pretende regulamentar a mineração em terras indí- genas – TI. O projeto desbloqueia 5.064 processos em 132 TI só na Amazônia Legal, favorecendo 400 empresas, especialmente a CVRD, segunda maior detentora de títulos em TI (RICARDO; ROLLA, 2005). A ação dos lobistas pode, também, atuar sobre a recategorização das Unidades de Conservação – UCs, permitindo a exploração mineral nestas áreas. Justifica-se, então, a existência de mais de 6.163 processos de mineração em UC federais e estaduais na Amazônia Legal (RICARDO; ROLLA, 2006). A criação de territórios institucionalizados é caracterizada pelas transformações promovidas por instituições com seus aparatos e discursos técnico-científicos e informacionais, que instituem ao espaço novas normas, regras e limites territoriais. O processo de institucionalização está diretamente relacionado aos processos de normatização do espaço. As instituições são, por excelência, produtoras de normas que se transfor- Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 478 mam em formas geográficas. Em áreas de mineração industrial na Amazônia, as normas impostas ao espaço pelas recém-chegadas institui- ções (órgãos estatais, empresas, ONGs, associações da sociedade civil etc.) se territorializam geograficamente em forma de propriedades privadas, unidades de conservação da natureza, terras indígenas, territó- rios quilombolas, assentamentos rurais, parques industriais, áreas de lavra etc. Desta maneira, molda-se uma nova ordem espacial (SANTOS, 1996). Essa nova ordem estabelecida se choca com o espaço preexistente, isto é, com os modos de vida e práticas espaciais dos grupos tradicionais rurais amazônicos. O conflito é iminente, no momento em que as formas e normas criadas unilateralmente pelos atores hegemônicos se sobrepõem às formas e normas morais anteriores, exigindo outro comportamento dos habitantes tradicionais. Suscita-se, assim, a resistência, o que Santos (1997) chamou de “a revanche do território”, que tentará ser controlada por meio de punições e da violência. A partir da década de 1970, em Oriximiná, e 2000, em Juruti, as rela- ções de poder e, consequentemente, os territórios adquirem novos limites e atores hegemônicos. A introdução de duas grandes corporações mineradoras, em Oriximiná a MRN (joint-venture formada pelas principais mineradoras do mundo – Companhia Vale do Rio Doce, Alcan, BHP-Billinton, Rio Tinto, entre outras) e em Juruti a norte-americana ALCOA, transformou as realidades locais e afetou as dinâmicas territoriais tradicionais preexistentes. Uma nova racionalidade de limites e normas rígidas e territórios exclusivos foi imposta aos grupos tradicionais quilombolas de Oriximiná, que habitavam a região há mais de um século, e aos filhos de migrantes de nordestinos de segunda e terceira gerações em Oriximiná e em Juruti. As empresas transnacionais aparecem nestas localidades da Amazônia como um dos principais atores na gestão e organização do espaço geográfico. Elas, por meio do poder político e econômico que exercem sobre as diversas esferas do Estado, são capazes de estabelecer novos limites e normas territoriais. Em Oriximiná e Juruti, além da consolidação dos territórios das empresas, compostos por área lavra, ferrovias, parque industrial, porto e company-town, sobre terras tradicionalmente ocupadas, novos territórios institucionalizados (com controle ou supervisão do Estado) como Unidades de Conservações, territórios quilombolas e as- Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 479 sentamentos rurais são criados no entorno mineral. Os novos territórios ressignificaram o espaço habitado, firmando novas normas territoriais e obrigando em casos extremos à remoção dos povos tradicionais de suas terras. Essa nova ordem, em grande parte ditada a partir dos interesses do capital, transborda os limites espaciais do parque industrial, afetando as dinâmicas regionais. Frente aos grandes impactos sofridos pelas remo- ções e, de forma mais significativa, pelo reordenamento espacial, os “atingidos” de Oriximiná e de Juruti reagiram ao modo de apropriação do espaço e passaram a pressionar as empresas e o Estado pela reconfiguração do ordenamento e pela revisão das normas em seu favor. A reação do Estado e as estratégias das empresas foram bastante distintas nos dois casos estudados. O Estado acaba atuando de forma ambígua, de um lado como um “guardião”2 territorial, protegendo o entorno mineral, e de outro como um intermediário das negociações com os povos tradicionais, porém em ambos os momentos sua ação é no sentido de manter a ordem social, em especial para a manutenção do funcionamento da mineradora. Já a empresa, que num primeiro momento tinha sua estratégia bastante atrelada ao Estado, passou a criar mecanismos próprios de controle territorial e social. Cientes de que os atingidos não se limitam exclusivamente aos removidos, buscaremos compreendê-los como os indivíduos que sofreram de alguma forma os impactos e as mudanças materiais e/ou simbólicas sobre seu território e/ou modo de vida resultantes das atividades da empresa mineradora e seus subprojetos (company-town, ferrovia, porto, Unidades de Conservação, assentamentos rurais, territórios quilombolas, etc.). Sendo impacto “processo de mudança social e físicas que interferem várias dimensões e escalas, espaciais e temporais” (VAINER, 2008: p. 5) e desestruturam as relações sociais. Esses processos alteram a organização territorial, a paisagem, a morfologia, a ecologia e instauram uma nova dinâmica socioeconômica, cultural, ecológica e espacial, fazendo emergir novos atores sociais locais e externos, manifestando novos interesses, problemas e conflitos. A temporalidade do impacto deve 2 O termo guardião (ou guardian) teve origem na conferência intitulada “Political Geography and Metageography”, do Professor Peter Taylor, em 2005, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, patrocinada pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia. Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 480 ser estendida desde os primeiros rumores do projeto – incluindo o período de estudos geológicos (CORTÉS apud VAINER, 2008), quando se produzem incertezas nos habitantes e aumento das migrações e das especulações – até o termino do empreendimento e o que é deixado com o fechamento da mina. O presente trabalho, que faz parte de uma reflexão mais ampla desenvolvida na dissertação de mestrado em geografia intitulada “Conflitos e Movimentos Sociais Populares em Área de Mineração na Amazônia Brasileira” (WANDERLEY, 2008), se prenderá à problemática referente aos atingidos pelo deslocamento compulsório e às estratégias empresariais em áreas de exploração mineral de grande porte, utilizando como estudo de caso o reordenamento espacial provocado pelos empreendimentos de exploração de bauxita localizados no Baixo Amazonas nos municípios de Oriximiná e Juruti, no Pará, cujo início dos projetos ocorreu, respectivamente, em 1976 e 2000. O propósito em investigar esses dois projetos de exploração mineral se dá pela necessidade de analisar a história da exploração de bauxita na Amazônia buscando identificar as distinções ou semelhanças nos processos de instalação de grandes projetos, nas estratégias empresariais e nas formas de negociação promovidas ao longo desta história, com importantes variações no contexto polí- tico e social do Brasil e, especificamente, da Amazônia. O deslocamento compulsório ocorrido no Vale do Trombetas durante o regime ditatorial O deslocamento compulsório será compreendido aqui como um processo de desterritorialização, ou seja, a perda do espaço concreto de moradia e sobrevivência, e, consequentemente, das referências culturais, econômicas, sociais e espaciais (HAESBAERT, 2004). Esse processo de deslocalização é comum à atividade de exploração mineral grande porte. Apesar de não apresentar a mesma magnitude de outros tipos de grandes empreendimentos – como os hidrelétricos – onde a desterritorialização ocorre com maior intensidade, não devemos, de forma alguma, desprezá- lo enquanto impacto que afeta a ordem social e a vida dos habitantes Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 481 locais. Em relatório desenvolvido pela International Institute for Environment and Development no projeto Mining, Minerals and Sustainable Development - IIED/MMSD (2002), a instituição chama a atenção sobre a magnitude do tema, apontando que, entre 1950/90, só na Índia mais de 2,5 milhões de pessoas foram deslocadas pela atividade mineral. Se nos anos 1970, sustentadas pelo mito do espaço vazio difundido pelo Estado brasileiro para a Amazônia, as empresas ignoram os povos e os espaços tradicionalmente ocupados (ALMEIDA, 2004), atropelando-os e dizendo-se pioneiros desbravadores da selva, hoje, em Juruti, a ALCOA tenta deslegitimar os direitos dos povos tradicionais ribeirinhos, alegando que eles não são os legítimos donos da terra, sendo meros posseiros que não detêm o direito legítimo sobre a propriedade privada da terra. Deste modo, a mineradora, em seu processo de territorialização, desconsidera os usos e até mesmo a existência de habitantes locais, apropriando-se dos espaços, considerando-os juridicamente “vazios” ou, no termo correto, devolutos. No vale do rio Trombetas (município de Oriximiná), antes de serem descobertas as jazidas minerais, já ali habitavam os descendentes dos centenários quilombos extintos, que se distribuíam esparsamente pelo vale, organizados coletivamente e praticando o agroextrativismo. Estavam, porém, à margem da sociedade e invisíveis ao poder público e às suas políticas de desenvolvimento territorial. Durante a instalação da MRN, os negros foram atropelados, ignorando-se seu direito à terra e ao uso dos recursos naturais. As áreas ocupadas para alocar a company town3, assim como os platôs que se transformariam em minas, foram considerados espaços vazios, terras devolutas, sem habitantes ou usos. A empresa tentou criar a impressão de que fora a primeira a ocupar a região, até mesmo antes dos negros ali chegarem. Desta forma, teria o direito à exploração do espaço, em detrimento do uso promovido pelos povos tradicionais, que a “ameaçava” (ACEVEDO; CASTRO, 1993). Ao promover o discurso pioneiro, a MRN procurou legitimar sua expansão territorial, autoritária, sobre o espaço habitado e utilizado pelos quilom- 3 Company town é o termo utilizado para denominar as cidades exclusivas das empresas. Ou seja, cidades construídas para moradia apenas dos funcionários da empresa e suas prestadoras de serviços. Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 482 bolas, assim como respaldar o poder exercido sobre os negros e seu território. A princípio, o território do capital minerador constava de 65.552ha de áreas de lavra concedidas pelo governo federal por meios de diversos decretos-leis nas décadas de 1960 e 1970, além da fazenda dos Almeidas e de uma posse de 400ha, adquirida mediante pagamento aos negros (Mapa 1). A empresa chegou a solicitar 87.258ha ao INCRA, em 1977, no intuito de consolidar o controle sobre o entorno com um grande território/propriedade. Todavia, o pedido foi indeferido. Após a frustrada tentativa, a estratégia de adquirir terras foi substituída pela criação de territórios tampões, ou seja, áreas de preservação ambiental compreendidas como reserva de valor e faixa isolante que protege a área da mineração de eventuais disputas territoriais – tais políticas territoriais e seus impactos decorrentes serão debatidos posteriormente neste artigo. A primeira desterritorialização efetiva sofrida pelos atingidos diretos aconteceu em 1970, quando 90 famílias quilombolas foram induzidas a travar um “acordo” com a mineradora, concordando em deixar suas á- reas – onde, atualmente, se situa Porto Trombetas – mediante pagamento de indenização (ACEVEDO; CASTRO, 1993). Nos limites territoriais apropriados pela MRN incluía-se a comunidade quilombola de Boa Vista, localizada na margem esquerda do rio, vizinha à company-town. Mesmo não sendo removidas, as famílias sofreram com a desestruturação da vida social, econômica e cultural. Tiveram proibidas as práticas de caça, roçado e coletar de produto da floresta, perderam significativa fatia do território tradicional (áreas dos platôs concedidas para lavra e área ribeirinha destinada à construção de Porto Trombetas). Com essas restrições e perda de áreas, tornou-se praticamente inviável a sobrevivência neste restrito espaço. Em 1995, o Instituto de Colonização e Reforma Agrária – INCRA demarcou a comunidade de Boa Vista. No entanto, com apenas 1.125 ha para 112 famílias e espremida entre a área da mineração e a Floresta Nacional, manteve-se impossibilitada a sobrevivência dos quilombolas pelo uso da terra e dos recursos naturais. A única escolha possível foi submeter-se totalmente ao controle da mineradora como empregados ou clientes dos programas sociais. Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 483 Mapa 1 – Sobreposições Territoriais no Vale do Trombetas A desterritorialização dos negros como reflexo da apropriação espacial do capital continuou na comunidade Mãe Cué, localizada na margem direita do rio, a norte de Porto Trombetas, na área conhecida como Cruz Alta. Segundo Antunes (2000), na década de 1970, aproximadamente 20 famílias foram precariamente indenizadas e expulsas de suas terras pela violência policial, para ceder lugar às instalações da Mineração Santa Patrícia/Grupo Ludwig/JARI. Os expropriados se reterritorializaram na margem oposta do rio. Quando ainda se adaptavam à nova morada, a criação da Reserva Biológica do Trombetas - REBIO, em 1979, os obrigou, por pressão do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF, a retornar ao antigo sítio, recém-abandonado pela mineradora Santa Patrícia. p Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 484 No entanto, o terceiro deslocamento desta mesma comunidade estava por vir, mantendo a incerteza socioterritorial dos negros. Em 1981, o Grupo Ludwig vendeu as áreas de concessão de lavra para a ALCOA, que decidiu retomar o projeto. A transnacional não removeu os remanescentes, porém cercou-os entre as proibições de uso do território e dos recursos naturais pela área da REBIO e de concessão da ALCOA. Em 1991, um acordo travado com a CVRD assegurou a venda de bauxita de Trombetas para a ALUMAR (usina Alumina do Maranhão, da corpora- ção americana em São Luís-MA) e uma maior participação acionária na MRN, em troca da retirada da ALCOA da região do Trombetas. O término do projeto permitiu aos negros reassumirem o território tradicional, porém com grande possibilidade de conflitos futuros nessa área. Houve ainda deslocamentos compulsórios em decorrência do projeto de construção da hidrelétrica de Cachoeira Porteira da Eletronorte/Andrade Gutierrez, que, apesar dos impactos, não saiu do papel. Os impactos da hidrelétrica não foram, neste estudo, considerados como parte do impacto do empreendimento minerador, mesmo a hidrelétrica fazendo parte da política de desenvolvimento regional e reordenamento espacial pensada para dar suporte a uma economia de extração mineral (sobre a questão, ver ACEVEDO; CASTRO, 1993). O interesse da ALCOA, no início dos anos de 1990, no Trombetas provocou fortes mobilizações dos quilombolas, mais conscientes pelas experi- ências de conflitos e problemas sofridos com a MRN. Durante o licenciamento e a audiência pública, em 1991, os negros demonstraram sua recusa e resistência à proposta de desenvolvimento regional. O temor de se repetirem as relações de subserviência e a dependência existente em Boa Vista, os perigos e danos ambientais às florestas, lagos e rios (caso do lago Batata) e a desordem social da região (formação de bregas4 ) estavam entre os argumentos expressos pela então fundada Associação dos Remanescentes de Quilombo do Município de Oriximiná - ARQMO. A partir do final dos anos 1980, as estratégias de apropriação do espaço pelo capital e os mecanismo de negociação se alteraram em muito pelo processo de democratização política e pelo ingresso de novas legislações 4 Durante a tentativa de instalação da ALCOA no Trombetas, em 1990, os quilombolas vivenciaram e se opuseram ao aparecimento de um brega com mais de 60 migrantes mulheres na comunidade de Mãe Cué (ACEVEDO; CASTRO, 1993). Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 485 ambientais. Nos grandes projetos das décadas de 1970/80 na Amazônia, as corporações, apoiadas pelo Estado, utilizavam de um autoritarismo permissível num período ditatorial em que a negociação inexistia. Para o Estado, os povos tradicionais eram irrelevantes, não podendo eles comprometer ou frear o progresso e o crescimento econômico planejado. Tratava-se de sociedades arcaicas, atrasadas e primitivas, que requeriam passar pelos processos de civilização e modernização propiciados pelo desenvolvimento capitalista, ou, então, que deveriam ser removidas, desobstruindo-se, assim, o caminho rumo ao destino manifesto da nação brasileira. Por isso, os conflitos territoriais se resolviam pelo pagamento “irrecusável” de indenizações ou pela força bruta da polícia. Compensação ambiental ou política de controle territorial? As Unidades de Conservação no entorno mineral As Unidades de Conservação são territórios institucionalizados que possuem normas e funcionalidades específicas de acordo com as territorialidades, os interesses e as necessidades do Estado-nação, de atores hegemônicos ou contra-hegemônicos locais, regionais, nacionais ou globais. A distribuição espacial das Unidades de Conservação sobre o território nacional e suas classificações não são aleatórias. Elas assumem padrões que obedecem as necessidades e conjunturas presentes em cada região ou localidade em um determinado tempo histórico. Na Amazônia brasileira algumas áreas protegidas funcionam como estratégias territoriais desenvolvidas por empresas mineradoras no entorno do empreendimento. São, assim, propostas ao poder público com o intuito de constituírem áreas tampões. O conceito de áreas tampões refere-se às áreas estrategicamente pensadas e construídas para proteger os territórios das grandes corporações mineradoras e os cobiçados recursos naturais, tendo sido adaptado do conceito de zona-tampão de Machado et al (2006)5 . 5 “Zonas estratégicas onde o Estado central restringe ou interdita o acesso à faixa e à zona de fronteira, criando parques naturais nacionais, áreas protegidas ou áreas de Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 486 Em áreas cujos recursos naturais serão preservados podem existir perspectivas de futuras minas. Deste modo, podemos entender a ação demarcatória de áreas protegidas como um meio para impossibilitar a chegada de novas empresas6 e uma maneira de controlar as dinâmicas populacionais no entorno mineral. Esses novos limites integram o processo planejado de reordenamento territorial promovido pelo Estado e por grandes corporações de mineração na região dos megaprojetos de desenvolvimento. Neste processo os gestores das áreas de preservação encontraram-se dependentes das mineradoras, no que se refere aos apoios financeiros, de infraestrutura e de logística operacional, comprovando o forte poder de influência exercido pela empresa na gestão e no controle destes territórios. Segundo levantamento promovido pelo Instituto Socioambiental, existe uma grande diversidade de interesses minerais em diferentes categorias de unidades de conservação na Amazônia Legal (RICARDO; ROLLA, 2006), o que aponta para a compreensão destes espaços, também, como importantes reservas de valor para o capital minerador. A Reserva Biológica do Trombetas e a Floresta Nacional Saracá-Taquera estão entre as UCs com incidência de concessões minerais. Na FLONA a incidência atinge mais de 25% da área protegida. No Trombetas, os territórios das áreas de preservação representam a mais conflituosa transformação no ordenamento territorial local, ao sobreporem terras tradicionalmente ocupadas e redefinirem as práticas espaciais permitidas aos povos tradicionais e aos novos migrantes. A livre circulação e uso no entorno mineral pode significar uma ameaça7 ao capital, tendo em vista a possibilidade de formação de beiradões (comunidades formadas por migrantes em busca de trabalho nas imedia- ções de um grande projeto), podendo levar a revoltas populares ou à apropriação das áreas com incidência de minérios e especulação imobiliá- ria por corporações ou pessoas físicas. reserva, como é o caso das terras indígenas e unidades de conservação” (MACHADO et al, 2006, p. 108). 6 Prática conhecida no jargão empresarial como o ato de sentar na mina 7 Ameaça é aqui compreendida numa perspectiva econômica, referentemente aos custos extras ou prejuízos financeiros ao capitalista. Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 487 As áreas tampões servem, sobretudo, de proteção e contensão de conflitos diretos com a mineradora, sendo, inclusive, potencializadoras de conflitos fundiários e ambientais, com o intuito de manter a ordem para assegurar o bom andamento do projeto e a imagem da empresa perante os conflitos. O Estado, e não a empresa, se torna o agente de controle espacial através das áreas de preservação, terras indígenas, assentamentos rurais ou territórios quilombolas8 . Ou seja, as transformações territoriais ocorridas no espaço do entorno refletem o interesse das grandes corporações mineradoras, que procuram proteger-se de ameaças externas e preservar as possíveis reservas minerais existentes, a partir dos discursos de proteção ambiental e social, como conta Coelho et al (2002, p. 163) no caso de Carajás: (...) o entorno dos territórios criados e defendidos pela empresa mineradora é local de disputa, lugar onde o centro (a empresa) tende a se estender territorialmente e impor sua racionalidade. Este encontra sempre maneiras legítimas de fiscalizar e regular as vidas dos moradores do próprio território e do entorno (...). A reivindicação e luta por uma vasta área de terra por parte de uma grande empresa (...) representa também suas pretensões de ampliação futura de suas atividades mineradoras e de extensão de controle do patrimô- nio ambiental a um espaço mais amplo, em face das necessidades atuais e futuras de diversificação de suas atividades e escassez. O principal conflito existente no espaço do entorno mineral em Oriximiná refere-se ao reordenamento territorial promovido pelo Estado por indicação e lobby da MRN nas décadas de 1970 e 1990, que resultaram na delimitação de duas UCs. Essa política de criação de territórios institucionalizados pretendia o controle social sobre o espaço e sobre os indi- 8 Terras indígenas, assentamentos rurais e territórios quilombolas são outras formas utilizadas pelas empresas via Estado de regular o uso do espaço e controlar os movimentos populacionais. Em Oriximiná e em Juruti observam-se essas formas de controle e institucionalização do espaço, contudo não serão contempladas de forma aprofundada neste artigo mas podem ser observadas no Mapas 1 e 2. Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 488 víduos do entorno. Trata-se de um conflito ambiental, no qual os dois lados competem por recursos naturais e suas significações (ACSELRAD, 2004), um lado visando à reprodução social e o outro, à preservação ambiental. Assim, podemos concordar com os estudos de COELHO et al, (2002; 2007) apontam que o Estado, por meio das instituições públicas, especialmente os órgãos ambientais, atua como executor e protetor dos interesses do capital nas regiões de grandes projetos minerais na Amazônia. Desse modo, prioriza exercer uma forte repressão sobre os povos locais e um controle intensivo dos movimentos populacionais e do espaço no entorno, pretendendo impedir qualquer pressão ou mobilização que possa colocar em risco ou prejudicar os negócios. A necessidade do controle do entorno remete aos acontecimentos anteriores na área do Projeto Jari, também no Pará. No Jari, formaram-se aglomerados humanos extremamente pobres, somando mais de sete mil indivíduos, nas bordas no empreendimento (ou beiradões), tornando-se uma ameaça e pressionando os empresários por melhorias sociais e empregos (GARRIDO FILHA, 1980). Os grandes projetos de desenvolvimento econômico conduzidos pelo Estado e/ou por empresas privadas, com seus novos objetos geográficos (SANTOS, 1994) – áreas de explora- ção, company town, hidrelétricas, portos, canteiros de obras incrementaram e ainda incrementam os processos migratórios na Amazônia (BECKER, 1989). Os migrantes, em sua maioria de origem nordestina, direcionam-se para a Amazônia, para servirem de mãodeobra na instalação e funcionamento dos grandes projetos ou na construção das redes de infraestrutura que os compõem. A MRN foi pioneira, na Amazônia, a utilizar o aparato estatal das áreas de proteção ambiental como estratégia territorial de controle socioespacial. Posteriormente, na década de 1980, um grande mosaico de territó- rios institucionalizados, liderado pela CVRD, redefiniu as relações de poder na região de abrangência do Projeto Grande Carajás, formando uma verdadeira guerra dos mapas (ALMEIDA, 1994). Apesar de as á- reas tampões formadas por Unidades de Conservação visarem coibir o avanço das ocupações irregulares, no entorno mineral de Oriximiná ainda existem quatro comunidades cujas características nos permitem chamá-las de beiradões: Lago Batata, Ajudante, Vila Paraíso e Cachoei- Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 489 ra Porteira. Juruti ainda não apresenta estas formas de ocupação, que podem vir a surgir num curto prazo. A homologação da Reserva Biológica do Trombetas no Congresso Nacional ocorreu sem qualquer estudo ou debate prévio em 1979, curiosamente também o primeiro ano de operação da mineradora. A preocupação para com a extinção das tartarugas-da-amazônia e da floresta na Amazônia se transformou na justificativa basal para a demarcação da Reserva. Essa linha argumentativa camuflava as reais intenções da política territorial, a proteção do entorno mineral, aliando-a aos interesses preservacionistas nacionais e internacionais. A área atualmente reservada para preservação biológica é composta pelas áreas de floresta mais preservadas, as melhores áreas de castanhais e os lagos mais viscosos, constantemente utilizados pelos povos locais, especialmente os quilombolas. Do mesmo modo, foi tal prosperidade de biodiversidade e preservação, alicerce da ocupação e sobrevivência dos povos tradicionais na região, o que induziu o Estado e a MRN a reservá-la, única e exclusivamente, para fins de preservação (leia-se, também, reserva de valor). Entretanto, segundo aponta Magalhães (2007), a situação de próspera biodiversidade e preservação do Vale do Trombetas não é obra estrita de uma natureza intocada (DIEGUES, 1996), mas de uma etnobiodiversidade, construída na relação histórica dos povos tradicionais com a natureza. Os processos de criação e gestão da Reserva sempre foram conflituosos. A intenção inicial era remover todos para Óbidos. O IBDF chegou a retirar os quilombolas residentes nas comunidades de Tapagem (na margem esquerda), Arrozal e Jacaré, como relatado anteriormente. O destino dos expropriados foi variado: uns migraram para outras comunidades negras na outra margem do rio, onde ainda não existia a Floresta Nacional- FLONA; outros se restabeleceram na cidade de Oriximiná ou mudaram de regiões. Sair das terras tradicionais significava perder os vínculos históricos e identitários com o território e, ainda, o substrato para reprodução social: os recursos naturais e a terra. Por isso, dez comunidades (atualmente com mais de 800 habitantes) permanecem resistindo dentro da Reserva, apesar de o IBAMA continuar defendendo sua completa remoção. Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 490 Aos que permaneceram restou uma vida frequentemente regulada pelas novas normas do território e pelas ações fiscalizadoras e repressivas do órgão ambiental. Os próprios remanescentes concebem essa situação como um massacre, ou uma nova forma de escravidão: “a escravidão nunca acabou, ela só mudou de tipo” (Entrevista, 2005). No período em que existiam “donos” dos castanhais, a vida era aparentemente melhor, pois havia menos regulação e controle. Podia-se coletar, caçar, pescar, construir, derrubar etc. Hoje, existe uma forte dependência da renda oriunda das aposentadorias dos mais velhos, devido às rígidas restrições sobre as práticas de plantar e extrair. Nas novas normas do território tudo é proibido, inclusive morar ali. A pressão restritiva do IBAMA busca retirar-lhes as fontes de sobrevivência, levando-os “voluntariamente” a saírem da Reserva. Alguns não suportaram e deixaram suas terras, como relata um negro de 85 anos (Entrevista, 2005) “Essa tal de Reserva acabou com a vida do povo. (...) O IBAMA não quer ver ninguém comer”. A disputa territorial se dá de forma tão intensa, que está presente nas lutas gerais e nos discursos dos principais atores em conflito no entorno mineral. Os povos tradicionais, em especial os quilombolas, defendem seus direitos étnicos de permanência na terra e o uso legítimo dos recursos naturais; enquanto o IBAMA alega tratar-se de uma Reserva, sendo, assim, área pública de uso restrito, exclusivo para a preservação da natureza. Em 1989, foi criada a Floresta Nacional Saracá-Taquera, também por pressão e indicação da MRN e, inclusive, sem qualquer estudo prévio ou consulta pública. Este território circunscreve as áreas de lavra e a company town (as áreas de propriedade da empresa não estão contidas na área demarcada), representando uma proteção mais efetiva que isola o território usado pela empresa (ver Quadro 1). Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 491 Quadro 1 – Unidades de Conservação no Vale do Rio Trombetas Unidade de Conservação Data de Criação Decreto /Lei Extensões Atribuições Gerais Atribuições Específicas Reserva Biológica do Rio Trombetas (REBIO) 21 de Set. de 1979 n° 84.018/ n°4.771 385.000 Ha Área delimitada com finalidades de conservação e proteção integral da fauna, flora e as belezas naturais para fins científicos e educacionais, sendo proibida qualquer forma de exploração dos recursos naturais; não é permitida a visitação pública, apenas para fins de pesquisa ou educação. Tem por finalidade proteger a tartaruga-da-amazônia. Existência de densas áreas de castanhais e outros recursos naturais passíveis de consumo e comercialização. Resistência e conflitos com dez comunidades quilombolas e uma não quilombola, pela permanência na terra e uso dos recursos naturais no interior da reserva. Floresta Nacional Saracá- Taquera (FLONA) 27 de dez. de 1989 n°98.704/ n°4.771 429.600 Ha Área provida de cobertura vegetal nativa ou plantada, com os objetivos: promover o manejo dos recursos naturais com ênfase nos recursos minerais com direito de lavra autorizado por lei, garantir a proteção dos recursos hídricos, das belezas cênicas, e dos sítios históricos e arqueológicos; é permitida a visitação pública e a permanência das populações tradicionais. Área de particularidade geológica onde se encontram as áreas de lavra de bauxita da MRN. Existência de áreas de castanhais e práticas agroextrativistas. Há conflitos de luta por terra e regulação dos recursos naturais referentes a cinco comunidades quilombolas, cinco não quilombolas residentes na Flona e outras na zona de amortecimento. Fonte: IBAMA. Como forma de conter as pressões externas que rondavam o projeto após o escândalo referente à poluição do lago Batata9 , a FLONA exerceria a função de fiscalizar a exploração mineral. Contudo, as razões que levaram à consolidação da FLONA estavam, sobretudo, vinculadas ao cres- 9 A contaminação do lago Batata foi o maior impacto ambiental provocado por uma mineradora na Amazônia. Durante os primeiros 10 anos de operação a MRN jogou o rejeito oriundo da lavagem da bauxita no interior do lago Batata provocando significativas alterações no ecossistema lagunar. Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 492 cimento populacional decorrente da atratividade regional do empreendimento minerador, ou seja, a formação de beiradões. Para conter o aumento populacional e as ocupações desordenadas que pressionavam o projeto e os recursos naturais, normatizaram-se, via UC, o uso e o ingresso da área do entorno mineral. Sem dúvida, a conjuntura de conflito, cujos atos violentos, coercitivos e opressores, almejando forçar a retirada dos habitantes, eram a tônica, começou a mudar com a Constituição de 1988. A extinção do IBDF, substituído pelo IBAMA, significou uma nova filosofia na gestão pública do meio ambiente, inserindo uma perspectiva mais humana na questão ambiental (CUNHA; COELHO, 2003). O SNUC ratificou, em 2000, no artigo 42, o direito dos povos tradicionais, permitindo-lhes a permanência em áreas de preservação de uso sustentável e o direito a sobrevivência e práticas em área de uso restrito, até sua eventual remoção. Salientamos que tal dispositivo não cabe aos quilombolas que não estão sujeitos à remoção dos territórios tradicionais, devendo a categoria da UC ser compatível com as atividades tradicionais desenvolvidas (SANTILLI, 2004). Cunha e Coelho (2003) nos mostram que as relações entre a iniciativa privada e os órgãos ambientais foram incentivadas a partir de 1988. Agora, com a Lei de Gestão de Florestas Públicas sancionada em 2006, serão, mais do que nunca, as ONGs e as grandes corporações os principais gestores das Unidades de Conservação, abrindo espaço para grandes empresas controlarem e explorarem, ainda mais, estes territórios estratégicos por sua relevante biodiversidade, importantes conhecimentos étnicos/tradicionais e elevadas reservas de valor e de carbono. Esta lei muda o panorama do discurso ambiental, sem comprometer os interesses econômicos, pois criar áreas protegidas não significará mais embarreirar o crescimento econômico. Nesta perspectiva neoliberal, no final de 2006, o governo do Pará de Simon Jatene delimitou um mosaico de Unidades de Conservação, oriundo do Zoneamento Econômico-Ecológico do Pará, três das quais funcionando para engordar a área tampão protetora do entorno mineral da MRN: Estação Ecológica do Grão-Pará - 4.245.819 ha, Floresta Estadual (FLOTA) Trombetas - 3.172.978,13 ha, FLOTA de Faro - 635.935,72 ha (Mapa 2). Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 493 A FLOTA Trombetas colocou um forte impedimento para titulação do território quilombola de Cachoeira Porteira, reivindicado ao ITERPA pela associação local. Esta comunidade é considerada um beiradão, por abrigar inúmeros migrantes da década de 1980, atraídos pelos grandes projetos da região, misturados aos remanescentes de quilombos, permanecendo aberta ao ingresso de novos moradores e atividades econômicas. As preocupações do IBAMA e da MRN sobre essa fatia do território do entorno se resolvem com a nova Floresta Estadual. Em oposição às UCs, os povos tradicionais defendem o direito das terras tradicionalmente ocupadas e, com isso, a autonomia sobre o território. Outros grupos tradicionais agora também se converteram em atingidos por essa imensa área tampão no entorno mineral de Oriximiná. Os indí- genas Katuena e Kaxuyana terão seus territórios (não titulados), incluindo aldeias e áreas de extração dos recursos naturais, sobrepostos às FLOTAS Trombetas e Faro. Além disso, tanto a FLOTA Faro como a Estação Ecológica do Grão-Pará ficaram sobrepostas aos territórios quilombolas titulados no Trombetas e no Erepecuru, o que poderá provocar conflitos futuros. Para Teixeira (2007), as novas áreas de preservação significam a regulação do modo de vida e práticas socionaturais e culturais dos povos tradicionais, ou seja, uma forma de controlar o território e a reprodução social. Em Juruti, apesar de o projeto minerador ser bastante recente e possuir outra conjuntura política e social, as negociações e ações da ALCOA apontam para a mesma política de áreas tampões promovida nos anos 1970 e 1980 pela CVRD e suas subsidiárias. Segundo divulgação da ALCOA, dentre as ações locais estão o estabelecimento de uma Unidade de Conservação de uso restrito no limite sul do empreendimento, região conhecida como Aruã, e o desenvolvimento do Programa de Apoio à Conservação da Biodiversidade da Amazônia, em parceria com a ONG Conservação Internacional – CI, para a criação de um Corredor da Biodiversidade. Isto é, uma rede de unidades de conservação na macrorregião, entre os rios Madeira e Tapajós10. Estas políticas fazem parte de uma estratégia de proteção do entorno associada a obrigatoriedades legais. Em 2004, foi aprovado um projeto de lei (PL 4082/2004) que obriga o 10 http://www.alcoa.com/brazil/pt/custom_page/environment_juruti_agenda.asp (pesquisado em 21 de novembro de 2007). Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 494 empresário, como forma de mitigação dos empreendimentos de significativo impacto ambiental, a apoiar a implantação ou manutenção de Unidade de Conservação de Proteção Integral. Deste modo, as empresas acabam alegando um fator ambiental para promover seu controle sobre sua área de influência. A desterritorialização provocada pela mineração em tempos “democráticos” em Juruti Em Juruti o processo de instalação ainda não se encontra totalmente finalizado. Contudo, pudemos constatar um processo distinto do ocorrido em Oriximiná, especialmente no campo da negociação e do desenrolar dos conflitos. As principais desterritorializações ocorridas se deram nas áreas do traçado da ferrovia, no porto e na periferia da sede do municí- pio, onde se constrói um condomínio fechado. O traçado da ferrovia para escoar o minério da mina ao porto futuramente explorado pela ALCOA atravessa o assentamento Socó I, criado em 1997, obrigando a retirada de dez famílias e fragmentando outros 46 lotes nas melhores terras do assentamento, num total de 900ha (Mapa 2). Neste caso, os conflitos se dão na disputa por valores auferidos à terra e aos bens existentes. A mineradora ofereceu uma proposta fechada variando de 4.000 a 500 R$/ha, muito inferior aos 35.000 R$/ha indenizados em outras localidades de Juruti, como a área do condomínio e do porto. Considerou-se simplesmente como fator de valoração a distância do eixo da linha férrea, sendo os outros condicionantes que dão valor à terra (qualidade do solo, localização, relevo, acesso à água etc.) totalmente desconsiderados. Do mesmo modo, definiu-se um valor uniforme às construções (por exemplo, uma casa e um galinheiro valendo a mesma coisa), subvalorizando-se e subcontabilizando-se as espécies frutíferas e plantações, desconsiderando-se o valor anual da produção e o valor simbólico. O Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Juruti – STTRJ e aAssociação dos Produtores Rurais dos Assentados no Soco I, que representavam os Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 495 assentados atingidos pelos subprojetos na negociação com a ALCOA, e o INCRA, que juridicamente é o gestor dos projetos de assentamentos rurais federais, rejeitaram a proposta11 . Mapa 2 – Sobreposições territoriais no entorno do Projeto Alcoa Na comunidade Terra Preta, nas proximidades da cidade de Juruti onde serão construídos parte da estrada de ferro, o porto e a company town (condomínio fechado), a transnacional desapropriou 15 famílias. Neste local selaram-se acordos individuais bem pomposos, cujo valor mais alto divulgado corresponde a 35.000 R$/ha. Porém, existem muitas incertezas acerca da natureza e dos valores dos contratos, que em sua maioria contêm cláusula de sigilo, sujeita a multa. 11 No EIA-RIMA não consta a existência de duas comunidades – Café Torrado e São Raimundo do Oriente, sendo 88 famílias na área sensíveis aos impactos da ferrovia. p Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 496 O INCRA, enquanto gestor legal do assentamento Soco I, interveio no conflito como mediador e desenvolveu um plano de compensação coletiva. O plano frustrou de um lado a empresa que buscava acordos individuais e de outro os assentados que queriam indenizações mais altas e se viram limitados aos valores estipulados pelo órgão. O acordo estabeleceu uma série de investimentos nos setores: meio ambiente, sociedade, produção e infraestrutura. Além disso, o órgão acusou a ALCOA de cometer algumas irregularidades sobre outra área do assentamento, sem ter indenizado pelos devidos danos, e condicionou a ferrovia à formulação de um EIA. Refutando as acusações, a empresa garantiu ter gasto R$ 3,5 milhões em compensações individuais, prevendo ainda mais R$ 10 milhões para as coletivas. As outras comunidades atingidas pela ferrovia estão negociando individualmente, sem a mediação de qualquer institui- ção12, vulneráveis aos boatos que as pressionam por uma rápida negociação, ou, caso contrário, as condenam à perda da terra, sem qualquer indenização. A mineradora vem aliciando alguns moradores, nas proximidades dos platôs ao norte do lago Juruti Velho, a venderem suas terras, oferecendo quantias módicas, mas nunca antes cogitadas por esses indivíduos pobres (entre 9 mil e 12 mil reais). Todavia, muitos desses não desejam deixar a propriedade onde vivem e de onde tiram seu sustento. Mesmo assim, a mineradora demarcou picos e desenvolve pesquisas sem autorização em terras de terceiros. Tais comunidades, próximas às áreas de lavra, estão sob ameaça de perderem significativas áreas de subsistência ou, ainda, de serem removidas no futuro. Desconfiando das intenções da ALCOA, os moradores tentam impedir com ameaças o acesso de funcionários em seu território de uso e de morada, instalando um conflito direto pelo controle territorial. Por outro lado, se inicia uma articulação coletiva dos moradores de diversas comunidades do lago, no intuito de parar o empreendimento. De fato, em Juruti Velho, a situação é de extrema tensão. Num casual incidente, quando uma lancha com funcionários da empresa cortou a malhadeira de um ribeirinho que pescava, este reagiu revoltado, coagindo-os com uma arma de fogo. 12 As comunidades atingidas pela linha férrea são Santo Hilário, Soco I e Soco II. Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 497 O futuro incerto deixa os moradores temerosos pela possibilidade de remoção compulsória e pela incerteza do um novo reassentamento ou reterritorialização (HAESBAERT, 2004). A vontade de permanecer em seu lugar histórica e simbolicamente construído os coloca num movimento contrário ao projeto minerador, isto é, em choque com os interesses do capital. Por isso, o processo de negociação não pode ser resumido a formulações simplistas do preço da terra. Os valores devem ser compreendidos para além do sentido monetário, englobando, inclusive, o sentido simbólico transferido pelos indivíduos aos objetos e lugares. Não se trata apenas de divergências de interesses, mas, também, de conflitos de valores (THOMPSON, 1981). A compensação financeira nem sempre, ou melhor, quase nunca, é uma política que se direciona a melhorar a vida dos atingidos. Muitos indiví- duos que vendem suas terras acabam atingindo um grau de pauperismo e exclusão social maior que o anterior. Mesmo sendo um valor relativamente alto para os padrões da população rural amazônica, este é rapidamente gasto, colocando-os numa situação ainda pior que a passada, sem casa, sem terra, sem dinheiro e sem vínculo social. É comum vê-los engrossar o contingente dos sem-terra e posseiros no campo, ou de favelados e indigentes nas cidades. Temendo as perdas de uma desterritorialização, os lideres da comunidade Pau d’Arco no Lago Juruti Velho, cuja comunidade estava ameaçada de remoção e perda de grande fatia do território, propuseram um acordo inovador no setor mineral amazônico. Neste, a ALCOA doaria, em outra localidade do lago, um terreno com 35ha, com casa para todos, escola e igreja – de madeira mesmo segundo os próprios moradores. Tal fato chama a atenção para o desejo de se manterem organizados em comunidade e para o receio dos reflexos do desmantelamento das relações sociais pela desterritorialização. Deveríamos, assim, nos preocupar mais com esses impactos sociais, como propuseram Vainer (2008), no caso das hidrelétricas, e a IIED/MMSD (2002), para a desagregação dos laços sociais provocada pelo deslocamento compulsório das atividades minerais. As diferenças nos dois projetos mineradores estão na magnitude dos processos e nas formas de negociação. O vale do Trombetas, até o início do século XXI, foi a região mais cobiçada, pela incidência de volumosas Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 498 jazidas de bauxita (atente-se para o interesse de grandes multinacionais, como Alcan Company of Canadá - ALCAN, CVRD e ALCOA). O governo militar tinha, para a região, um plano de formação de um polo minerometalúrgico, com metalurgia, mina e hidrelétrica planejadas. O complexo industrial que se consolidou no período de 1970/80 formou um corredor de exportação constituído pela hidrovia do Trombetas e do Amazonas, englobando os estados do Pará e Maranhão, composto, além da empresa de extração MRN, por mais três indústrias de transforma- ção: Alumínio do Norte do Brasil (Alunorte), Alumínio do Brasil (Albrás) e Alumínio do Maranhão (Alumar), localizadas no polo metalúrgico de Barcarena-PA, na foz do rio Tocantins e na cidade de São Luís-MA; juntamente com a usina hidrelétrica de Tucuruí, que abastece, de maneira subsidiada, as indústrias de alumínio. Contudo, o curso do corredor pode ser alterado, por exemplo, com a exportação direta do minério bruto de Trombetas para os comprados nos países centrais (COELHO; MONTEIRO, 2003; BUNKER, 2000). Por outro lado, o atual projeto ALCOA não pode ser resumido ao recorte da bacia de drenagem, pois, segundo alguns analistas, a atividade extratora em Juruti está interligada à construção da hidrelétrica de Belo Monte e a uma possível siderúrgica em Santarém ou em Juruti. No entanto, a imprecisão analítica não nos permite contabilizar os conflitos em Belo Monte envolvendo a política industrial de bauxita-alumínio. O Estado e as transnacionais continuam a priorizar os interesses econômicos, em detrimento dos direitos sociais e ambientais. Porém, deixaram de atuar de maneira violenta e autoritária em relação aos atingidos, na maioria dos casos. Desde a Constituição de 1988, os povos tradicionais adquiriram um status legal, desmistificando o vazio demográfico, passível de ser dominado, colonizado e delimitado, e que respaldava o exercício da violência, do autoritarismo e da coerção pelas corporações e pelo Estado, no intuito de garantir os processos de localização e funcionamento dos megaprojetos. Segundo Lebirel e Shaw (1999), este tipo de processo de localização industrial, caracterizado pela forte ação do poder estatal, é classificado como regulatory process, sendo bastante comum no Brasil durante a ditadura militar. Atualmente, para assegurar o consenso da comunidade local, as corporações utilizam o market process, no qual as estratégias de barganha, Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 499 chantagem locacional, vantagens financeiras (compensação) e de marketing são frequentemente empregadas. Este processo abre espaço à possibilidade de conflitos, contestação, mobilização e negociação. Mas, para evitar e minimizar os conflitos, as mineradoras acabam optando pela aquisição de propriedades no entorno, arrendamento de terras ou aproximação com a comunidade local por meio de programas sociais (FARIAS, 2002) favorecidos por uma relação desigual de poder. A desregulação do Estado frente à chantagem locacional da ALCOA Em meio às manifestações e embates contra a ALCOA, ou melhor, por uma atuação mais responsável e justa da transnacional em Juruti, a mineradora empregou a chantagem locacional (ACSELRAD et al, 2004) – permitida por sua relativa flexibilidade da produção (CHESNAIS, 1996) e pela grande oferta de bauxita – como forma de pressão social, política e de desregulação, ameaçando realocar-se em outro município, região ou país. Durante o período que esteve pressionada pelo Ministé- rio Público Federal e pelo movimento de resistência local, a ALCOA criou no município um receio de que ela poderia desistir do projeto e ao mesmo tempo pressionou o poder público condicionando os investimentos na planta industrial da ALUMAR no Maranhão à extração de miné- rio em Juruti. Todavia, a exploração mineral pressupõe uma rigidez física que outros tipos de atividade produtiva não requerem (BUNKER, 2000). A dependência para com os acidentes geológicos coloca a sociedade e o Estado-nação numa situação de relativa estabilidade frente à chantagem locacional, mesmo no caso da bauxita, minério abundante na superfície terrestre, o que possibilita uma maior flexibilidade de deslocamento global para as transnacionais. Para melhor compreendermos, a chantagem locacional é uma das estratégias de compressão espaço-tempo e desregulação (MASSEY, 2000; ACSELRAD et al, 2004), utilizada por corporações para conseguirem vantagens relativas e desregulações (como diminuição dos salários, aumento da carga horária, isenção de impostos, flexibilização das leis tra- Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 500 balhistas e ambientais etc.), nas localidades onde pretendem instalar seus empreendimentos, por meio da ameaça de escolherem outro local mais favorável. Essa estratégia está relacionada à ideia de “guerra fiscal”, cujo objetivo é maximizar os lucros (SANTOS, 2004). Por se tratar de uma região periférica de um país emergente empenhado no crescimento econômico a qualquer custo e por apresentar um povo pobre com pouca organização política, a Amazônia atrai as grandes corporações transnacionais interessadas em explorar a última fronteira do capital natural (BECKER, 2004; 1982). A forte organização sociopolítica é um fator repulsivo de investimentos, por aumentar intensamente os custos no empreendimento, diminuindo a competitividade e os lucros (CHESNAIS, 1996). Teoricamente, os pobres estariam mais propícios a receber grandes transformações em troca de algumas melhorias. Por isso, a forte resistência ao Projeto Juruti surpreendeu os investidores da ALCOA. Atraídos pela iminente circulação monetária nas economias locais, regionais e nacionais proveniente dos megaprojetos commodities, os políticos e empresários se colocam sedentos pela instalação dos grandes empreendimentos. Ávidos pelo crescimento econômico acelerado, pelo aumento das divisas, do superavit etc., colocam em segundo plano as preocupa- ções com os custos ambientais, energéticos e sociais decorrentes. Para tanto, desregularizam normas existentes, visando desfazer os “entraves ao desenvolvimento”. Durante o processo de licenciamento do projeto da ALCOA, os Ministé- rios Públicos (MPs) apontaram 22 irregularidades nos estudos de impactos, nos quesitos: 1) Diagnóstico superficial, incompleto ou inexistente; 2) Não realização de estudos sobre partes estruturais importantes do projeto e seus impactos; 3) Problemas na identificação, caracterização, análise, mitigação e compensação dos impactos: 3.1. Impactos regionais não dimensionados, a partir da necessidade de definição de áreas de influência mais abrangentes; 3.2. Ausência de identificação de impactos importantes e medidas correspondentes; 3.3. Não mensuração adequada dos im- Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 501 pactos e não correlação entre impactos e medidas mitigadoras e/ou compensatórias; 3.4. Não definição sobre a compensação ecológica unidade de conservação; 3.5. Ausência de clareza sobre a compensação financeira dos impactos; 3.6. Avaliação matricial inadequada dos impactos e sua sinergia (MPF; MPE, 2005, p. 18-19). Mesmo conscientes dos problemas, as pressões políticas e econômicas induziram a Secretaria de Tecnologia e Meio Ambiente do Estado do Pará - SECTAM13 a “desregular” a legislação ambiental vigente e conceder a licença prévia e de instalação, ignorando as irregularidades (sob a condição de revisá-los durante as fases seguintes), quando o art. 19 da Resolução 237/96 do Conselho Nacional do Meio Ambiente diz que o órgão ambiental pode modificar os condicionantes e as medidas de controle e adequação, suspender ou cancelar uma licença expedida em caso de violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas legais; omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a expedição da licença14. Cria-se dentro do trâmite institucional o que Beck (1988) chamou de uma irresponsabilidade organizada. O Estudo de Impacto Ambiental - EIA não pode ser entendido como um estudo fechado inquestionável, nem muito menos ficar à mercê do tempo imposto pela ganância do capital. Liberá-lo incompleto, além de ser uma ilegalidade, dá margem a impactos socioambientais imensuráveis. O EIA não é um simples documento técnico. Ele é um documento que prevê e informa à sociedade e ao poder público os perigos e possíveis impactos da atividade e as formas de mitigá-los e indenizá-los, para então, serem questionados e debatidos enquanto custos sociais. Portanto, os estudos deveriam abarcar a plenitude do empreendimento, não deixando brechas para futuras catástrofes desconhecidas. Com a licença expe- 13 O licenciamento ambiental é promovido pelo órgão estadual e não pelo federal. 14 Dentre as deficiências do documento, assinalamos a ausência de informações mais completas sobre o meio físico, a relação dos povos locais com os recursos naturais e os impactos relativos ao desmatamento, condição fundiária, pesquisas sobre sítios arqueológicos e estudos mais detalhados em relação aos impactos do porto, estrada, usina, ferrovia. Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 502 dida, a ALCOA encerrou os debates e discussões que estavam sendo travados com pesquisadores15 da região sobre o empreendimento. O MP estadual, insatisfeito com a tomada de decisão do órgão ambiental, se uniu ao MP federal, a fim de, conjuntamente, moverem uma ação civil pública para anular a licença, exigindo um plano mais completo de medidas de proteção ambiental, além da obrigatoriedade da promoção de diálogo e de compensações à população local afetada. A SECTAM alegou não haver razão para o cancelamento, afirmando que foram feitas 54 exigências de ajustes e novos condicionantes para manutenção da licença de instalação. Determinou também uma maior atenção no relacionamento com as comunidades atingidas, tendo em vista os problemas referentes ao conflito jurídico sobre a titularidade das terras. Insatisfeitos, os Ministérios Públicos tentaram levar a ação para a esfera da Uni- ão, alegando que o projeto transpunha o limite da jurisdição estadual, por englobar efeitos transestaduais e de interesses nacionais como o rio Amazonas. Sem sucesso na Justiça Estadual, onde o Juiz de Santarém, numa decisão desenvolvimentista, negou a apelação, o MP recorreu à instância federal. No Superior Tribunal Federal o processo nem foi colocado em pauta e tramita há mais de dois anos. Os MPs vêm pressionando a transnacional por uma maior responsabilidade social, por meio do estreitamento das relações com os atingidos e de melhores compensações aos impactos socioambientais. Em resposta aos intensos conflitos e buscando solucioná-los, a ALCOA contratou a Fundo Brasileiro para Biodiversidade - FUNBIO, Fundação Getúlio Vargas - FGV e World Resources Institute - WRI (2006) para promoverem um relatório sobre políticas sustentáveis para a região. Dentre as recomendações estão: uma maior articulação com as institui- ções e atores locais, regionais e nacionais, no sentido de construir um projeto de futuro comum e duradouro; a formação de uma Agenda 21 local16; a solução dos problemas fundiários, com a criação de assenta- 15 Pesquisadores especializados do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos e do Centro Socioeconômico, da UFPA, do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia – IMAZON e da Associação Ecologia e Comunidade - ECOMUM, e do Centro de Estudos Superiores do Pará - CESUPA. 16 A Agenda 21, um dos principais documentos aprovados na Rio-92, serve como guia para identificar um amplo conjunto de tarefas, pretendendo materializar o conceito de Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 503 mentos, capacitação e fortalecimento das organizações sociais; a criação de uma Área de Preservação Ambiental – APA; o estímulo à consolida- ção da cadeia produtiva dos produtos agroextrativistas, aproveitando as novas demandas no mercado regional; a criação de um Fundo de Desenvolvimento Regional Sustentável para Juruti, a ser gerido pelo fórum da Agenda 21, direcionado à implementação de políticas locais e financiado pela ALCOA e outras instituições interessadas. Todavia, ao mesmo tempo que a empresa divulga esse relatório como uma política de responsabilidade social na busca de solucionar os conflitos para um desenvolvimento regional sustentável, ela não trabalha para atender às recomendações do mesmo. Apenas no início de 2009, foi instalado o Fórum Juruti Sustentável para pretende debater os caminhos a serem traçados para região. Na atual conjuntura política, o Estado atua mais do que nunca de forma ambígua. Por um lado, ele inclui, no Plano de Aceleração do Crescimento – PAC, o projeto de exploração mineral de Juruti, fornecendo, via BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, altos empréstimos. Por outro lado, busca favorecer as comunidades afetadas, atuando como articulador regional da negociação e fomentando projetos de infraestrutura nos assentamentos, na figura do INCRA. Se no interior da estrutura administrativa, o governo federal pressiona o órgão fundiário a estabelecer parâmetros para negociação, pela via institucional condiciona os novos empréstimos à mineradora à resolução do conflito com as comunidades. E, ainda, os MPs fazem uma defesa veemente dos atingidos, enquanto o órgão regulador ambiental e o poder judiciário flexibilizam a legislação vigente. Considerações finais O presente artigo buscou levantar uma luz sobre a situação dos atingidos pelos projetos minerais de grande porte, em particular na Amazô- desenvolvimento sustentável ao longo do século XXI. A Agenda 21 brasileira foi aprovada em 2002. Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 504 nia, em virtude da pouca atenção dedica a esses atores sociais. O debate em torno do “atingido” pela atividade minerária inexiste no Brasil, diferentemente do conceito de atingido por barragem que vem sendo amplamente discutido nos níveis nacional e internacional na esfera política, empresarial e acadêmica17. Os atingidos no caso da mineração não possuem uma identidade coletiva e são muitas vezes desconsiderados pelo poder público e pelas empresas. A noção “atingidos por mineração” não é diretamente uma categoria social em disputa, que pretende a legitimação de direitos e de seus detentores por determinados grupos sociais (VAINER, 2008). Pode-se ver nos estudos de caso acima que os atingidos por projetos mineradores não são apenas os removidos e não se limitam à localidade do empreendimento. Os atingidos foram afetados territorialmente pelos projetos da MRN e da ALCOA ao serem removidos de suas terras, ao perderem partes do território que eram lugares de uso comum com valor econômico e simbólico e que passaram a ser utilizados para extração mineral da empresa, para sua infraestrutura ou pela criação de Unidades de Conservação. Houve também impactos sobre a organização produtiva da comunidade que ficou inviabilizada de acessar recursos com valor econômico como as áreas de floresta, de agricultura e pesca, provocando perdas ou redução nas fontes de alimento, renda e matéria-prima necessárias para reprodução do modo de vida. Os atingidos não foram só atingidos pela minas, mas também pelas ferrovias, company town, portos e ainda pelas áreas de conservação. São esses sujeitos que deveriam ter poder de voz e influência nos processos políticos de planejamento, avaliação e decisão dos projetos, além de terem legitimados os direitos a algum tipo de ressarcimento ou indenização, reabilitação ou reparação pelos impactos e prejuízos nas mais diversas áreas de influência e de temporalidade. No Peru, como apontou Bebbington et al (2007) os atingidos conseguiram promover um plebiscito sobre a instalação ou não de um empreendimento de mineração em seu município. Neste caso a decisão sobre o planejamento territorial deixou de ser exclusiva do capital e do Estado para ser discutido e decidido pela sociedade. 17 Sobre o conceito de atingido no caso das barragens, ver Vainer, 2008. Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 505 Na Amazônia e em outras áreas de fronteira econômica, a questão do atingido é ainda mais complexa. O código mineral brasileiro atenta para o direto dos proprietários das terras em ter uma participação ou um ressarcimento pela exploração em suas terras. Entretanto, no caso amazô- nico, o foco da questão não pode se centrar e se limitar à propriedade privada da terra, tendo que levar em consideração outras formas de apropriação do espaço. As comunidades rurais amazônicas afetadas pela mineração dificilmente possuem títulos da terra, ou comprovantes lavrados em cartórios, porém vivem naquelas localidades há três ou mais gerações, o que lhes dá algum direito ao serem removidas ou afetadas de alguma forma. Nos casos analisados, observou-se o contrário do movimento recente do Peru: as grandes corporações se utilizam se subterfúgios dentro da esfera burocrática do Estado para atingir seus interesses territoriais e/ou financeiros. As empresas usam da chantagem locacional e da ameaça de não investirem na região para terem as normas ambientais desreguladas, permitindo o avanço dos empreendimentos e seus impactos sobre o meio ambiente. Os conflitos jurídicos com o Ministério Público, com o INCRA, com os assentadores e as comunidades tradicionais buscaram ser rapidamente resolvidos pelo poder público para que não fosse preciso parar o empreendimento. Beck (1988) chamou essa atuação do Estado a favor do capital de irresponsabilidade organizada. Outro elemento estratégico do capital foi a criação de Unidades de Conservação por recomendação das próprias empresas, que não se resume a uma forma de compensação ambiental pelos impactos causados, pois faz parte de uma estratégia de controle territorial para conter a população do entorno e o crescimento demográfico e que depois se transforma em propaganda de responsabilidade ambiental. Essa estratégia historicamente utilizada pela Companhia Vale do Rio Doce vem sendo empregada por outras empresas de mineração, inclusive a ALCOA. Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 506 Referências ACEVEDO, R.; CASTRO, E. Negros de Trombetas: Guardiões de matas e rios. Belém: Cejup/UFPA-NAEA, 1993. ACSELRAD, H.; HERCULANO, S.; PÁDUA, J. Justiça ambiental e cidadania. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004. ACSELRAD, H. (Org.) Conflitos Ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004. ALMEIDA, A. Terras Tradicionalmente Ocupadas: Processos de Territorializa- ção, Movimentos Sociais e Uso Comum. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais. v.6 n. 1. ANPUR, mai./2004. p. 9-32. _________. Carajás: A Guerra dos Mapas. Belém: Falangola, 1994. ANTAS JR., R. M. Território e Regulação - espaço geográfico como fonte material e não formal do direito. São Paulo: Humanitas/FAPESP, 2005. ANTUNES, J. A Missão nos Quilombos de Oriximiná. VERBUM SVD, 2000. BEBBINGTON, A. Minería, Movimientos Sociales y Respuestas Campesinas: Una ecología política de transformaciones territoriales. Lima: IEP e CEPES, 2007. BECK, U. Political Ecology in de Age of Rick. Oxford : Blackwell Publisher, [2002], 1988. BECKER, B. Geopolítica da Amazônia: A nova fronteira dos recursos. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1982. _________ Amazônia: Geopolítica na Virada do III Milênio. Rio de Janeiro: Garamond, 2004. BECKER, O. Considerações sobre o Fenômeno Migratório na Área Servida pela Estrada de Ferro Carajás. Revista Brasileira de Geografia. v. 51, n. 1, Rio de Janeiro: IBGE, 1989. p. 5-26. BUNKER, S. Joint Ventures em Ambientes Frágeis: O caso do alumínio na Amazônia. Novos Cadernos do NAEA. V.3, N.1, Jun 2000. Belém: NAEA/UFPA, 2000. CHESNAIS, F. A Mundialização do Capital. São Paulo: Xamã Editora, 1996. COELHO, M.; MONTEIRO, M. Verticalização da Produção e Variedade de Situações Sociais no Espaço Funcional do Alumínio nos Baixos Vales do Amazo- Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 507 nas e Tocantins. Territórios/LAGET, UFRJ. Ano VII n. 11, 12 e 13 Rio de Janeiro: UFRJ, 2003. p. 29-48. _________ (Org.) Mineração e Reestruturação Espacial na Amazônia. Belém: NAEA, 2007 COELHO, M.; LOPES, A.; SILVA, A.; SILVA, F.; FONSECA, H.; MATOS, I.; SOUZA, M. Territórios, Cidades e Entorno no Espaço da Mineração em Carajás / Pará – Amazônia Oriental. In: TRINDADE Jr. S. C. et al (Org.). Cidade e Empresa na Amazônia: Gestão do território e desenvolvimento local. Belém: Paka-Tatu, 2002. p. 137-169. CUNHA, L.; COELHO, M. Políticas e Gestão Ambiental. In: GUERRA, A; CUNHA. S.(Org.). A Questão Ambiental: diferentes abordagens. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. DIEGUES, A. O Mito Moderno da Natureza Intocada. São Paulo: Hucitec, 1996. FARIAS, C. Mineração e Meio Ambiente no Brasil. Relatório CGEE/PNUD, 2002. GARRIDO FILHA, I. O Projeto Jari e os Capitais Estrangeiros na Amazônia. Petrópolis: Ed. Vozes, 1980. HAESBAERT, R. O Mito da Desterritorialização: Do “fim dos territórios” multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. LEBIREL, S.; SHAW, D. Facility Siting: issues and perspectives, in Columbia Earthscape, an online resource on the global environment, 1999,14 p. MACHADO, L.; HAESBAERT, R.; RIBEIRO, L.; STEIMAN, R.; PEITER, P.; NOVAES, A. Desenvolvimento da Faixa de Fronteira: uma proposta conceitualmetodológica. In: OLIVEIRA, T. (Org.). Território sem Limites: Estudos sobre Fronteiras. 1 ed. Campo Grande: Editora da UFMS, 2006, v. 1, p. 87-112. MAGALHÃES, Marcos Pereira. Mudanças antropogênicas e evolução das paisagens na Amazônia. Consultado em 21/12/2007 no site http://recantodasletras.uol.com.br/artigos/737095. MASSEY, D. Um Sentido Global do Lugar In: ARANTES, A (Org.). O Espaço da Diferença. Campinas: Papirus Ed., 2000. MINISTERIO PÚBLICO FEDERAL; MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DO PARÁ. Ação Civil Pública com Pedido de Liminar: Licenciamento ambiental Projeto Juruti/Alcoa. Santarém: MPF; MPE, 2005. Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009. 508 PIQUET, R. Indústria do Petróleo e Dinâmicas Regionais: reflexões teóricometodológicas. In PIQUET; SERRA, R. Petróleo e Região no Brasil: o desafio da abundância. Rio de Janeiro: Garamond, 2007. P.15-34 RICARDO, F.; ROLLA, A. (Org.) Mineração em Terras Indígenas na Amazônia Brasileira. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2005. _________. Mineração em Unidades de Conservação na Amazônia Brasileira. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2006 SANTILLI, J. Povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais: a construção de novas categorias jurídicas. In: RICARDO, F. Terras Indígenas e Unidades de Conservação - O desafio das sobreposições. São Paulo: ISA, 2004. SANTOS, M. A Natureza do Espaço. Técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo, Hucitec, [2004] 1996. _________ A Revanche do Território. In: SANTOS; RIBEIRO, W (Org.) O País Distorcido: O Brasil, a globalização e a cidadania. São Paulo: Publifolha, [2002] 1997. p. 84-86. SANTOS; SILVEIRA, M. O Brasil: Território e sociedade no início do século XXI. 4ª ed. Rio de Janeiro: Record, [2002] 2001. SCHERER-WARREN, I. Rede de Movimentos Sociais. São Paulo: Ed. Loyola, 1993. TEIXEIRA, L. Imperialismo na Floresta. Consultado em 21/12/2007 no site http://www.faor.org.br/CD/download/2_imperialismo_floresta.pdf. THE MINING, MINERALS AND SUSTAINABLE DEVELOPMENT PROJECT - DOWNING, T. Avoiding New Poverty: Mining-induced displacement and eesettlement. MMSD, IIED; WBCSD, n. 58. April 2002. THOMPSON, E. P. A Miséria da Teoria. Rio de Janeiro: Zahar Ed, 1981. VAINER, C. B. O conceito de “Atingido”: Uma revisão do debate. In: ROTHMAN, F.D. (Ed.) Vidas alagadas: Conflitos socioambientais, licenciamento e barragens. Viçosa: Editora da UFV, 2008, p. 39-63. WANDERLEY, L. Conflitos e Movimentos Sociais Populares em Área de Mineração na Amazônia Brasileira. Dissertação de mestrado. PPGG/UFRJ, 2008. WRI, FGV e FUNBIO. Juruti Sustentável: Diagnóstico e recomendações. 2006. Deslocamento compulsório e estratégias empresariais... Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 200
Share:

0 comentários:

Postar um comentário