8 de abr. de 2017

David Rockefeller e o Brasil


Ilustração de Isabel Fuchs
Ilustração de Isabel Fuchs

David Rockefeller e o Brasil


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Rejane Carolina Hoeveler
Neto do magnata do petróleo John D. Rockefeller, que ainda é considerado o americano mais rico de todos os tempos, David Rockefeller teve uma relação empresarial e política íntima com a América Latina. Sua morte aos 101 anos em sua mansão em Pocantico Hills, NY, foi noticiada no dia 20 de março por toda a imprensa internacional, que em sua maior parte o descreveu como um “filântropo” ou como apenas um “banqueiro”.
No Brasil, a notícia passou praticamente em branco, e nenhum grande órgão da imprensa destacou a influência de David na história recente brasileira. Muito menos foi mencionada na imprensa brasileira a relação entre a atuação política de David e o mais recente evento internacional ao qual compareceram Michel Temer e sua equipe econômica: uma grande conferência organizada por uma das entidades criadas por David Rockefeller, criada ainda nos anos 1960 e atuante até hoje. Na última terça-feira, 21 de março, Temer e Meirelles participaram da Latin America Cities Conference da AS-COA (Americas Society/Council of the Americas) em Brasília, para apresentar o programa de reformas que está sendo implementado no Brasil a investidores americanos. Ele afirmou, na ocasião, que “o Brasil não se desviará de seu rumo”. [1]
Temer garantiu que tinha o Congresso consigo para a aprovação das reformas e que a maior prova disso era não apenas a aprovação do teto de gastos como também o andamento da reforma trabalhista e previdenciária. No dia seguinte, a Câmara vota um projeto de lei de 1998 aprovando a terceirização.
Em setembro do ano passado, a participação de um recém empossado Temer num almoço executivo promovido pela AS-COA e pela AMCHAM (American Chamber of Commerce), em Nova York, repercutiu na imprensa brasileira e chamou a atenção do mundo, especialmente após reportagem divulgada pelo The Intercept.[2] No encontro, Temer e seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, acompanhados de mais 7 ministros, foram tranquilizar o público, formado por grandes empresários e investidores americanos, sobre as medidas que estão sendo tomadas para tornar o Brasil mais atrativo para eles.
O evento mais recente contou com uma homenagem emocionada a David Rockefeller, falecido um dia antes, e apresentado como um “filântropo que amava as artes”, que “amava a América Latina”, que sempre defendeu os valores da “integração hemisférica” e da “prosperidade compartilhada”. A presença de Temer foi interpretada pelo presidente da APEX (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), co-promotora do evento, como um sinal claro da nova disposição brasileira com relação aos investidores americanos. Os presentes fizeram um momento de silêncio em homenagem a David, e Temer reiterou, “em nome do governo brasileiro”, o lamento em relação a seu falecimento.
Negócios, combate ao comunismo e diplomacia privada
A primeira vez que David Rockefeller veio ao Brasil, com seus 33 anos, foi em 1948, com seu irmão Nelson[3]. Como descreve em suas Memórias, ao longo de suas diversas visitas, David fez variadas amizades no Brasil. Uma delas foi com o banqueiro Walther Moreira Salles, com quem comprou uma fazenda no Mato Grosso, onde passavam longas temporadas juntos caçando onças.[4] Mas, muito além de um bilionário em férias caçando onças, David Rockefeller se tornou não apenas o principal representante dos interesses empresariais americanos no continente, mas também um organizador da ação de classe de um significativo espectro de empresários latino-americanos, num contexto em que o anti-comunismo se agudizou após a vitória da Revolução Cubana (1959).
Através de seu irmão Nelson, ele já tinha embarcado em uma série de projetos no continente, e além disso, tinha proximidade com diversos empresários americanos com negócios na América Latina. David era diretor da Punta Allegre Sugar Corporation, a segunda maior companhia dos EUA firmada na produção deste que era o principal produto de exportaçao de Cuba, e é de se imaginar o impacto, em seu círculo próximo, da revolução de 1959.[5] Mas a relação mais forte de David com a América Latina, entretanto, começa num dos departamentos do Chase Manhattan Bank: o escritório voltado para operações no continente.
Em 1961, David veio ao Brasil tentar abrir uma filial do Chase. Conforme ele próprio confirmou para uma reportagem da Isto É, em 2003, o Chase pagou US$ 3 milhões por 51% do capital do banco Lar, de Antonio Larragoitia, dono da seguradora Sul América. O investimento foi ampliado vinte anos depois, em 1980, como resultado de uma conversa informal num coquetel na casa de David em Nova York com Carlos Langoni, então presidente do Banco Central do Brasil – ocasião na qual David teria recebido “ok” do BC para comprar as ações restantes do banco Lar, que virou a filial do Chase.[6] A operação do Chase no Brasil foi simultânea e semelhante a outras realizadas na América Latina, como uma joint venture com o Banco Mercantil y Agricola de Caracas, Venezuela. Em pouco tempo, o Chase Manhattan tornaria-se um dos maiores credores individuais da dívida externa brasileira e latino-americana, que multiplicou-se várias vezes no período das ditaduras militares.
Formalizada num encontro em Punta del Este em agosto de 1961, a Aliança para o Progresso visava lançar um pacote de programas sociais com vistas a prevenir que movimentos como o cubano ocorressem em países maiores como o Brasil. Como mostra a recente pesquisa de Martina Sphor, David Rockfeller teve um papel fundamental em pressionar para que o caráter da Aliança estivesse mais intimamente ligado à expansão dos investimentos privados no continente. Ele pessoalmente entrou no Commerce Committee for the Alliance (COMAP), e posteriormente ficou incumbido de fundar o Business Group for Latin America (BGLA) – grupo que em pouco tempo reuniu algumas dúzias de chefes de corporações com operações na América Latina.[7]
O BGLA veio a ocupar o espaço deixado pelo fim do Comitê COMAP, o que não era nada irrelevante, já que, enquanto o COMAP era um braço oficial do Departamento de Comércio, o BGLA era uma organização de caráter privado, oficialmente desligada do Estado americano. Nasce “oficialmente” uma diplomacia privada empresarial, que se sobrepõe às relações estatais bilaterais entre os países. A influência de David na relação dos Estados Unidos com o continente passa a ser igual ou superior à dos mais altos postos diplomáticos, embora ele nunca tenha ocupado nenhum cargo público.
Uma questão central para David era que a instabilidade política dos países influenciava diretamente a entrada de capitais estrangeiros. Como mostra a pesquisa de Spohr, Rockefeller entendia que o maior problema para entrada de capitais norte-americanos nos países da América Latina seria, como ele mesmo disse em um seminário no Brasil em 1962, “a barreira existente nas mentes e emoções de quem precisa de investimento forçando mais. Porque eles erroneamente tendem a compará-lo com o colonialismo”.[8]
Como podemos ver em um artigo de David na revista Foreign Affairs em 1966, Rockefeller considerava que era a propaganda comunista o que fermentava, na América Latina, esse “preconceito” com os investidores americanos. Isso tornava maior a responsabilidade política e ideológica das empresas americanas – que se tornou seu grande objetivo político.[9]
Conselhos para as Américas
Em 1965, um ano após o golpe empresarial-militar que instalou uma ditadura no Brasil, o BGLA se fundiu com outras duas iniciativas herdadas do trabalho de seu irmão Nelson, o U.S. Inter-American Council, fundado em 1941, e o mais recente Latin America Information Committee, de 1961. A nova organização foi batizada de Council for Latin America (CLA), cuja sede, arranjada por David, foi instalada no prédio do tradicional Council on Foreign Relations (CFR), o mais antigo centro de formulação de política externa do país. Naquele mesmo ano, David liderou a fundação de um programa equivalente ao Peace Corps para o empresariado, para moldar a atuação de empresários latinos. A idéia era enviar executivos aposentados, com larga experiência corporativa, para “treinar” seus colegas latino-americanos.
Segundo a pesquisa original de René Dreifuss[10], já em 1965, o CLA enviava semanalmente cinco ou seis artigos originais a cerca de 100 veículos de comunicação, entre jornais, revistas e emissoras de rádio da América Latina. O material, que incluía novelas, quadrinhos e vinhetas voltadas para os empresários, era basicamente voltado para a promoção dos investimentos estrangeiros e da empresa privada, e do anti-comunismo. Como mostram documentos disponibilizados pela Brown University, existia uma parceria forte sua com o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) brasileiro, entidade que participou do golpe de 1964 e elaborou programas para o recém-instalado regime.[11]
Em 1970, no auge da ditadura brasileira, o Council of the Americas (COA), refletia, nas palavras de um representante, “uma nova e mais efetiva relação entre grupos do setor privado do hemisfério, esforçando-se pela cooperação e o entendimento”, que alcançava naquele ano uma “maior capacidade para efetivar mudanças”.[12] Mas a atuação da entidade foi abalada a partir de 1973, com a onda de críticas dentro dos Estados Unidos acerca da participação nos golpes militares latino-americanos. Longe de encerrar suas atividades, entretanto, a entidade sobreviveu através de parcerias com outras entidades como as Amchams, filiais latino-americanas da American Chamber of Commerce (Câmara Americana de Comércio). Desde 2007, a entidade renovou sua atuação, através da multiplicação de eventos, publicações, relatórios nos quais discute tanto questões estratégicas como energia, quanto políticas públicas estatais para saúde, educação e segurança pública.
David nunca cessou suas viagens ao Brasil. Numa das últimas visitas, em entrevista à revista Veja, que a “nova estratégia consiste em levar membros da organização em viagens para a América Latina”,[13] tal como vem fazendo o Latin America Cities Conference, do qual participou Temer na última terça, 21. Aparentemente, os frutos do trabalho político eficaz e discreto do embaixador David Rockefeller continuarão a ser colhidos por um longo tempo.
Notas
[1] AS-COA. “Temer diz que o Brasil não deve se desviar de seu rumo”. 21 de março de 2017. Disponível em: http://bit.ly/2nfT42Z.
[2]VIEIRA, Inacio. “Michel Temer diz que impeachment aconteceu porque Dilma rejeitou ponte para o futuro”. The Intercept, 22 de setembro de 2016. Disponível em: http://bit.ly/2cTWO7h.
[3]Nelson foi o coordenador de Relações Interamericanas do presidente Franklin Roosevelt durante a II Guerra e, em 1944, tornou-se subsecretário de Estado para a América Latina. Ver TOTA, Antonio Pedro. O amigo americano. Nelson Rockfeller e o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
[4] Outro de seus amigos seria o então presidente do conselho de administração do grupo Brascan, Roberto Paulo Cezar de Andrade; e o industrial Israel Kablin, que chegou a arranjar por aqui a vida de uma filha de Rockefeller, que criou uma ONG de combate à pobreza no Rio de Janeiro. Ver ROCKEFELLER, David. Memórias. Rio de Janeiro: Rocco Editores, 2003.
[5]COLLIER, Peter & HOROWITZ, David. The Rockefellers. An american dinasty. New Yorl: New American Library, 1976, p.412.
[6]“Como se constrói uma lenda”. Isto É -Dinheiro, 19 de março de 2003. Disponível em: http://bit.ly/2n0BHRV.
[7]SPOHR, Martina. “American way of business.” Empresariado brasileiro e norte-americano no caminho do golpe empresarial-militar de 1964”. Tese de doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2016.
[8]SPOHR, Op. Cit., p.147. Participaram do seminário, realizado na Universidade da Bahia, intitulado “Conferência sobre as Tensões do Desenvolvimento do Hemisfério Ocidental” figuras como Roberto Campos e Lincoln Gordon.
[9]ROCKEFELLER, David. “What private enterprise means to Latin America”. Foreign Affairs, vol.44, n.3, abril de 1966, p.404.
[10]DREIFUSS, René. A Internacional Capitalista. Estratégias e táticas do empresariado transnacional (1918-1986). 2ª edição. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1987.
[12] “Council of the America’s Annual Report”, 1981, citado em DREIFUSS,Op. Cit., p.148.
[13] MENAI, Tania & CONRAD, Fred. “Veja Entrevista: David Rockefeller”. Veja, 25 de novembro de 2006. Disponível em: http://bit.ly/2n0C66T
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