Foi publicado hoje na prestigiosa revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), dos EUA, resultados de pesquisa pioneira feita na Inglaterra, da qual tive o privilégio e prazer de participar durante 2014 e 2015. A pesquisa é parte da parceria entre o think-tank Britânico The Beckley Foundation e o Imperial College London, uma das universidades mais respeitadas do planeta. O artigo, liderado pelo psicólogo Robin Carhart-Harris e pelo psiquiatra David Nutt, conta com a colaboração mais 24 profissionais de diversas formações e revela pela primeira vez na história algumas imagens de atividade cerebral de humanos saudáveis sob efeito da dietilamida do ácido lisérgico, o LSD.
Antes de se tornar famoso o LSD era objeto de intensa pesquisa científica – a droga admirável do químico Albert Hofmann. Isso incluiu a prestigiosíssima Harvard University, nos EUA. E é ali onde podemos dizer que começou a ser banido e surpreendentemente apagado da história da ciência – virando a criança problema do químico suíço. Pouco após a polêmica expulsão dos Professores Timothy Leary e Richard Alpert em 1963, o LSD foi proibido em todo o mundo e a história praticamente reescrita. A substância intrigante que durante toda a década de 50 foi considerada a grande revolução na psiquiatria, figurando em mais de mil artigos científicos, foi rebaixada a notas de rodapé de livros acadêmicos. Geralmente de cunho negativo e patologizante, textos que mais parecem feitos para desestimular o interesse de qualquer um, por completo. O resultado foi o quase que absoluto desaparecimento das linhas de pequisa em todo o mundo e de várias gerações de cientistas mal informados sobre o LSD.
Pois o rumo agora definitivamente volta a ser o da droga admirável e intrigante. Depois de retornar aos anais da ciência poucos anos atrás com estudos revisando e restestando alguns de seus usos clínicos, como por exemplo no alívio da ansiedade existencial de pacientes terminais e no tratamento do alcoolismo, neste ano parimos a neuroimagética lisérgica. Utilizando dois equipamentos de neuroimagem – Ressonância Magnética Funcional (fMRI) e MagnetoEncefaloGrafia (MEG) – que sequer existiam quando o LSD foi banido – observamos quais as principais redes neurais envolvidas nos efeitos do LSD na consciência. E estimamos qual a relação disto com os principais efeitos psicológicos e subjetivos vivenciados pelos voluntários e voluntárias do estudo, que receberam 75 microgramas de LSD na veia. Tudo isso enquanto se esforçavam para ficar quietos, quase imóveis, deitados com suas cabeças nestas máquinas impressionantes, por si só fruto de diversas pesquisas agraciadas com prêmios nobel na física, na química e na medicina.
A experiência lisérgica no ambiente laboratorial teve como caracterísitcas principais a percepção de imagens elementares (cores, raios de luz, formas geométricas simples, etc), imagéticas mais complexas (mandalas, fractais, paisagens, pessoas, amimais, etc), alguns casos de sinestesia visual-auditiva (ver cores relacionadas a sons no ambiente, por exemplo). A maioria dos participantes não sentiu ansiedade, e alguns se sentiram criativos e em um estado gracioso.
No cérebro, o LSD alterou fluxo sanguíneo, atividade metabólica cerebral e modificou as oscilações elétricas do cérebro, de maneira ampla e complexa. Porém, como já sabíamos mas é sempre bom frisar: não danificou os neurônios de ninguém. Todos os efeitos foram passageiros e, com esta dose que fica numa faixa entre baixa a media, passaram em torno de 5 ou 6 horas, restando depois apenas efeitos residuais.
Provavelmente o resultado mais interessante seja a distinção de duas redes neurais nos efeitos do LSD. Elas são parcialmente sobrepostas, isto é, são redes neurais diferentes mas que compartilham alguma regiões do cérebro. E estão envolvidas com efeitos subjetivos diferentes: por um lado uma rede centrada no córtex visual está associada à percepção de imagens mesmo com olhos fechados e de outro uma rede cenrada na região parahipocampal está involucrada nos efeitos subjetivos de “dissolução do ego”. Em outras palavras, a sensação de desidentificação com a própria histórial pessoal e os lugares que ocupamos en nossas redes sociais, familiares e profissionais. É aqui que reside um dos efeitos mais interessantes, promissores na terapia e arriscados no uso recreativo dos psicodélicos: a tomada de consciência de uma nova percepção do eu, uma ressignificação de quem somos e que viemos.
O artigo chega na literatura científica após a uma série de avanços científicos recentes com outras substâncias psicodélicas como a psilocibina, ayahuasca e MDMA. E a rescém-nascida neuroimagética lisérgica vai crescer rápido. Ao menos mas três estudos distintos, com resultados mais detalhados sobre aspectos específicos do experimento inglês com LSD serão publicados em breve. E articulações estão em andamento para um ensaio clínico com o LSD no tratamento do alcoolismo. Considerando a influência de políticos donos de empresas de bebidas alcoólicas na proibição do LSD e o atual desmoronamento da proibição de todas as drogas menos o álcool, um estudo que venha a confirmar que a droga proibida serve para tratar os males da droga legalizada mais consumida no mundo trará mais motivos para uma grande e necessária tranformação cultural.
Mas além disso, o estudo é um marco na história das neurociências. Porque se queremos entender o cérebro, e se alguns discursam que já entenderam e podem até fazer modelos em computador ou quiçá trasferir a consciência para chips, precisam primeiro ser capazes de explicar os efeitos dos psicodélicos e qual o mecanismo que associa o nível dos correlatos neurais com o nível fenomenológico da consciência. Esse é ogrande salto quântico que ainda não demos, mas que agora se acerca de nós com a possibilidade de abrir as portas da percepção e espiar os corredores cérebro.
http://plantandoconsciencia.org/novoblog/2016/04/11/lsd_pnas/
http://plantandoconsciencia.org/novoblog/2016/04/11/lsd_pnas/
Eduardo Schenberg – PapodeHomem
https://papodehomem.com.br/autores/eduardoschenberg/
Eduardo Ekman Schenberg é mestre em psicofarmacologia (UNIFESP) doutor em neurociências (USP) com pós-doutorado no Imperial College London.
0 comentários:
Postar um comentário