Aepet critica RenovaBio e contradições da Petrobras
Data: 04/05/2017
Autor: Rogério Lessa
O governo federal submeteu as diretrizes estratégicas do seu programa de biocombustíveis, o RenovaBio, à consulta pública. A consulta recebeu 26 contribuições, inclusive da Petrobras e da indústria privada. No entanto, a AEPET entende que a maioria da população tem sido mantida à margem dessa discussão, por ignorância ou manipulação, e o plano estatal elaborado pela ANP, EPE, Ministério da Agricultura, MME e Governo Federal, além de desprezar a Petrobras, favorece a interesses privados, mostrando-se também contraditório e superficial desde sua definição.
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Biocombustíveis: entre a propaganda oficial, os interesses privados e o desprezo da
Petrobras, perdem os brasileiros
AEPET*, maio de 2017
O governo federal submeteu as diretrizes estratégicas do seu programa de
biocombustíveis, o RenovaBio[1], à consulta pública. A consulta recebeu 26
contribuições[2]
. A Petrobras apresentou a sua [3] e recebeu críticas de representantes
da indústria privada{4). O setor se encontra entre a propaganda oficial, o interesse
privado em maximizar seus lucros e socializar os prejuízos, e o desprezo da Petrobras. A
maioria da população é mantida na ignorância ou manipulada em favor de interesses
contrários aos seus.
Renovabio: peça de propaganda ou plano estatal de interesse público?
O plano, elaborado pela ANP, EPE, Ministério da Agricultura, MME e Governo
Federal é contraditório e superficial desde sua definição.
“O RenovaBio é um programa do Governo Federal, lançado pelo Ministério de Minas e Energia,
em dezembro de 2016, cujo objetivo é expandir a produção de biocombustíveis1 no Brasil, baseada na
previsibilidade, na sustentabilidade ambiental, econômica e social, e compatível com o crescimento do
mercado”
A definição do programa é contraditória porque ao mesmo tempo que se define
o objetivo de expandir a produção, ela é condicionada a sustentabilidade. Se assume, a
priori, que a expansão da produção pode ser sustentável e não haverá restrições de
natureza ambiental, social ou econômica. São possíveis restrições, na esfera ambiental,
a disponibilidade de área agricultável, água, nutrientes do solo e a dependência de
recursos de origem fóssil (não renováveis). Ou, na esfera econômica, da compatibilidade
entre os custos de produção com os preços dos combustíveis no mercado, influenciados
pela capacidade de compra da sociedade. Ou ainda, das consequências sociais da
adoção de subsídios fiscais e da competição pela área agricultável destinada à produção
de alimentos.
Também contraditórios são os objetivos de se ter previsibilidade e
compatibilidade com o mercado. O mercado, pela natureza de seu funcionamento em
economias capitalistas, é instável e suscetível às variações que são resultado da ação de
múltiplos agentes, em condições desiguais, pela busca do lucro e de condições
competitivas vantajosas.
O plano estatal deveria ter o objetivo de desenvolver os meios e planejar a
produção de biocombustíveis no Brasil, baseado no máximo usufruto social das
atividades econômicas de toda a cadeia de valor, considerando as restrições e
potencialidades de ordem ambiental, econômica e social, aferidas sob critérios
científicos.
O documento oficial trata de valores e eixos que desconsideram aspectos
fundamentais, entre os quais destaco:
Fundamentos e Interesses
A política pública deve se erguer em bases científicas e servir ao interesse da maioria
dos brasileiros.
Eficiência e Eficácia
Contemplar a medição periódica dos seus resultados e prever ajustes para corrigir
desvios para garantir a eficiência e eficácia de seus resultados. Apresentar objetivos e
metas mensuráveis, os resultados devem ser públicos e disponíveis na internet.
Transparência e Controle. Social
A política pública deve ser transparente e contemplar mecanismos de controle social,
tanto para determinação de seus objetivos, quanto para a avaliação de resultados.
Sustentabilidade
Considerar critérios científicos para avaliação da sustentabilidade. Os resultados
mensuráveis por indicadores de sustentabilidade devem ser considerados desde o
planejamento até a aferição dos resultados.
Segurança energética
O programa deve promover a construção da infraestrutura para a produção dos
biocombustíveis e seu suprimento ao menor custo para a sociedade.
Usufruto social
Promover a geração e a distribuição dos resultados econômicos da produção dos
biocombustíveis de modo a contribuir com a justiça econômica e social.
Base científica
O programa deve promover e se apoiar em bases científicas, requeridas para o
planejamento e o desenvolvimento sustentável da produção dos biocombustíveis,
considerando as restrições e potencialidades sociais, econômicas e ambientais
brasileiras.
Petrobras abandona o setor e critica o programa
A estatal planeja sair integralmente da produção dos biocombustíveis, vende
ativos e participações na produção do etanol e encerra a produção do biodiesel em sua
unidade de Quixadá no Ceará. Nesse cenário, a Petrobras apresenta sua contribuição ao
Renovabio[3]
.
O documento da Petrobras evidencia o desconforto de segmentos da estatal que
sai de um setor que cresce e ocupa o seu mercado da gasolina e do diesel. O documento
apresenta acertos, erros e omissões, embaralhados em retórica próxima da publicitária
e distante da cientifica.
A Petrobras acerta quando argumenta que é preciso “um debate mais amplo e a
elaboração de estudos que considerem as dinâmicas dos mercados de energia e de
alimentos, além das transformações esperadas no setor de transporte rodoviário”. Mas
a Petrobras erra ao se limitar aos aspectos de mercado e desconsiderar que políticas
públicas podem, e devem determinar as alternativas de suprimento energético que
promovam o desenvolvimento econômico e social. Além da preservação ambiental.
A Petrobras acerta quando demanda que “como maior fornecedora de
combustíveis do Brasil, tem a expectativa de ser amplamente envolvida no
detalhamento das diretrizes estratégicas, como também nas ações, projetos e
atividades desdobradas a partir da aprovação das diretrizes”. Mas a Petrobras erra ao
abandonar a produção dos biocombustíveis[5]. Fora do setor não terá o conhecimento
desta cadeia de valor, assim como perderá mercado e oportunidades de
desenvolvimento tecnológico. Fora do setor, não terá autoridade e conhecimento
suficientes para criticar eventuais erros e propor alternativas. Sempre poderá ser
acusada de que é motivada por interesse particular em detrimento do interesse maior
da sociedade.
A Petrobras está correta quando demanda a harmonização entre os programas
RenovaBio e Combustível Brasil visando definir o papel dos biocombustíveis na matriz
energética brasileira. Além de garantir a segurança no abastecimento diante do histórico
de quebras de safra e da priorização da produção de açúcar, em detrimento da garantia
do abastecimento de etanol. Mas a estatal erra quando vende suas participações na
produção de etanol[6] e relega o abastecimento nacional do biocombustível aos
interesses privados dos usineiros e das multinacionais.
A estatal afirma “Quanto às diretrizes propostas para o equilíbrio econômico e
financeiro, ressalta-se que os instrumentos para precificação da relação de eficiência e
emissões devem valorizar os biocombustíveis que contribuam efetivamente para o meio
ambiente. Considerando as motivações ambientais do RenovaBio, a capacidade de
descarbonização do combustível deve ser avaliada na cadeia como um todo, desde a
produção, alcançando a distribuição e o consumo. Além disso, se faz necessário
considerar possíveis mudanças, diretas ou indiretas, no uso do solo”. A postura da
Petrobras está correta, mas quando decide abandonar o setor não contribui com o
esforço técnico-científico e econômico deste trabalho de avaliação e melhor uso do
potencial dos biocombustíveis brasileiros.
A Petrobras trata da política tributária, mas não é suficientemente direta ao
demonstrar que os combustíveis fósseis respondem por uma carga tributária muito
superior aos seus equivalentes de origem potencialmente renovável. Poderia quantificar
o impacto da renúncia fiscal ao se aumentar a participação relativa dos biocombustíveis,
mas se omite.
Na conclusão a estatal afirma “Por fim, a Petrobras sustenta que é fundamental
o reconhecimento das vantagens nos aspectos de sustentabilidade dos biocombustíveis
de segunda e terceira geração, criando condições para que estas tecnologias sejam
impulsionadas. Em complemento, é recomendável o alinhamento da inserção de
biocombustíveis de primeira geração ao atual entendimento do assunto
internacionalmente. Ou seja, definir um período de tempo para a substituição de
biocombustíveis de primeira geração por outros combustíveis mais aderentes aos
requisitos ambientais e sociais vigentes”. A Petrobras erra porque apresenta os
biocombustíveis de segunda e terceira geração como superiores, ou potencialmente
superiores, aos de primeira geração.
Os biocombustíveis de segunda e terceira geração são mais caros de se produzir
e muitas vezes precisam estar integrados aos de primeira geração. Além do necessário
desenvolvimento tecnológico, a viabilidade da produção dos biocombustíveis depende
do modelo de negócios que promova a integração e a eficiência para redução dos custos
de produção. Não é razoável esperar a substituição dos biocombustíveis de primeira
geração pelos de segunda e terceira. O que se pode esperar é que os primeiros
encontrem limites e a expansão dos biocombustíveis dependa de alternativas mais caras
e complexas.
Usineiros e seus representantes criticam a Petrobras
O diretor superintendente da União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene
(Ubrabio), Donizete Tokarski, disse estar surpreso com o conteúdo do documento
"Infelizmente é um retrocesso... Vejo que alguns dados que foram apresentados são
ultrapassados, não acompanham a leitura global hoje", disse ele.
[4]
Elizabeth Farina, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica),
disse que a Petrobras parece estar olhando apenas para seus próprios interesses. "Pedro
Parente declarou claramente que seu foco está nos combustíveis fósseis. É claro que
nenhuma companhia quer ser diminuída, mas você não pode ir contra o que está
acontecendo no mundo", disse ela. "O Brasil tem uma enorme vantagem comparativa
em biocombustíveis. É claro que podemos bater a meta de Paris sem eles, mas isso seria
tolo." [4]
Os representantes do agronegócio pretendem defender seus interesses
particulares ao apresenta-los como de interesse público, de todos os brasileiros.
Querem que a Petrobras saia do setor ou que tenha participação medíocre. Querem que
a estatal entregue seu mercado de gasolina e diesel, e ainda que apoie o crescimento
dos biocombustíveis assumindo para estatal, negando ou omitindo as suas
externalidades negativas.
Conclusão
O governo lança um programa superficial e tenta viabilizar os interesses privados
do setor, em desarticulação com outras áreas do próprio governo que congrega outros
interesses também privados. Notadamente das multinacionais do petróleo interessadas
na privatização do parque de refino da estatal. Tentam entregar as demandas
empresariais e desconsideram a transparência, o debate e o interesse público.
Difunde-se a falsa expectativa de que os biocombustíveis poderão substituir
plenamente os combustíveis fósseis e ainda satisfazer o crescimento futuro da sua
demanda. O crescimento contínuo e ilimitado da economia, necessário para evitar
severas crises do capitalismo hegemonizado pelo capital financeiro (bancos),
simplesmente não acontecerá com recursos naturais finitos.
A Petrobras erra porque ao criticar os biocombustíveis e apontar restrições se
omite de reconhecer os limites da indústria fóssil.
As oscilações nos preços do petróleo têm impactado a economia. A frequência e
a amplitude dos movimentos são maiores nos últimos dez anos do que aquelas
observadas historicamente. As interpretações sobre o comportamento dos preços
variam de acordo com a formação do analista e da sua capacidade, mas também dos
seus interesses. Com o fim do petróleo barato de se produzir e a incapacidade dos
assalariados em pagar por mercadorias relativamente mais caras, a produção de
petróleo mundial tende a cair. [7]
O Plano Estratégico da Petrobras (PE 2017-21) prevê a saída integral da produção
de biocombustíveis. A decisão de desistir da produção de biodiesel e de etanol é um
erro que compromete a sustentação empresarial e os compromissos ambientais
brasileiros apresentados a COP-21, em Paris. A participação dos biocombustíveis é cada
vez maior na matriz energética brasileira e mundial, o etanol compete com a gasolina,
enquanto o biodiesel ocupa o mercado do diesel. As multinacionais investem pesado
em pesquisa e participam cada vez mais do setor, enquanto os acordos multilaterais
impõem restrições às emissões de gases do efeito estufa que são gerados pela queima
dos combustíveis fósseis. Na contramão dessas tendências a Petrobras regride ao sair
da produção do biodiesel e ao vender participações em etanol. O preço deste erro será
alto e recairá sobre a estatal e a sociedade brasileira, mais cedo do que se imagina. [5]
Os usineiros, as multinacionais e seus representantes fazem o que sempre
fizeram, defendem os seus interesses enquanto os declaram públicos.
*Associação dos Engenheiros da Petrobrás
Referências
{1} RenovaBio
http://www.mme.gov.br/web/guest/consultaspublicas?p_p_id=consultapublicaexterna_WAR_consultapublicaportlet&p_p_lifecycle=0&p_p_state=nor
mal&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-
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ublicaexterna_WAR_consultapublicaportlet_mvcPath=%2Fhtml%2Fpublico%2FdadosConsultaPublica.jsp
[2] Contribuições à consulta pública do RenovaBio
http://cnpem.br/consulta-publica-do-renovabio-chega-ao-fim-com-26-contribuicoes/
[3] RenovaBio - Diretrizes Estratégicas para Biocombustíveis Comentários Petrobras – Petróleo
Brasileiro S.A.
https://www.novacana.com/pdf/23032017080303_renovabio-Petrobras.pdf
[4] http://www.brasilagro.com.br/conteudo/petrobras-critica-renovabio-apos-vender-usinasde-etanol.html#.WPpPD-k2zmQ
[5] A Petrobras erra ao abandonar os biocombustíveis, Felipe Coutinho (2016)
https://felipecoutinho21.wordpress.com/2016/11/05/a-petrobras-erra-ao-abandonar-osbiocombustiveis/
[6] http://www.aepet.org.br/uploads/paginas/uploads/File/nova%20fronteira1.pdf
[7] O preço do petróleo e o sinal dos tempos, Felipe Coutinho (2016)
https://felipecoutinho21.wordpress.com/2016/02/02/o-preco-do-petroleo-e-o-sinal-dostempos/
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