3 de mai. de 2017

Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa 2017: a grande virada

https://rsf.org/pt/ranking-mundial-da-liberdade-de-imprensa-2017-grande-virada

Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa 2017: a grande virada

A edição 2017 do Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa da Repórteres sem Fronteiras (RSF) está marcada pela banalização dos ataques contra as mídias e o triunfo de políticos autoritários que fazem com que o mundo caia na era da pós-verdade, da propaganda política e da repressão, sobretudo nas democracias.

I. A queda das democracias e o advento dos políticos autoritários

O Ranking Mundial publicado pela RSF demonstra o risco de uma "grande virada" na situação da liberdade de imprensa, especialmente em países democráticos (Ler nossa análise O jornalismo fragilizado pela erosão da democracia). Nada mais parece deter a queda das democracias iniciada nos anos anteriores. A obsessão pela vigilância e o não respeito ao sigilo das fontes contribuem para fazer com que sejam rebaixados inúmeros países antes considerados como exemplos virtuosos: os Estados Unidos (43a, -2), o Reino Unido (40a, -2), o Chile (33a, -2), ou ainda a Nova Zelândia (13a, -8).

A chegada ao poder de Donald Trump, nos Estados Unidos, e a campanha pelo Brexit, no Reino Unido, serviram de trampolins para a prática de "media bashing", para os discursos anti-mídia altamente tóxicos, fazendo com que o mundo entre na era da pós-verdade, da desinformação e das notícias falsas. Ao mesmo tempo, onde quer que o modelo do político autoritário triunfe, a liberdade de imprensa recua. A Polônia (54a) de Jaroslaw Kaczynski perde sete posições no Ranking 2017. Após transformar o audiovisual público em ferramenta de propaganda política, o governo se dedicou a estrangular financeiramente vários títulos de imprensa independentes opostos às suas reformas. A Hungria (71a) de Viktor Orbàn perde quatro posições. A Tanzânia (83a) de John Magufuli, 12. A Turquia (155a, -4) do pós-golpe de estado fracassado contra Recep Tayyip Erdogan, por sua vez, voltou-se decididamente para o lado dos regimes autoritários e se distingue agora por ser a maior prisão do mundo para os profissionais das mídias. Enquanto a Rússia de Vladimir Putin permanece na base do Ranking, na 148a posição.

"O abalo das democracias causa insegurança em todos que pensam que sem uma liberdade de imprensa sólida, as outras liberdades não poderão ser garantidas, declarou Christophe Deloire, secretário geral da Repórteres sem Fronteiras. Para onde nos levará esse ciclo vicioso?" 

II. A Noruega, primeiro país no Ranking 2017, a Coreia do Norte, último


Nesse mundo novo que se desenha e no qual prevalece o nivelamento por baixo, até mesmo os habituais bons alunos nórdicos apresentam falhas: a Finlândia (3a, -2) que ocupava o topo do Ranking a seis anos, cedeu seu lugar por causa de pressões políticas e conflitos de interesse, beneficiando a Noruega (1a, +2), que não faz parte da União Europeia. Um golpe duro para o modelo europeu. Em segundo lugar, a Suécia ganha seis pontos. Vários autores de ameaças contra jornalistas foram condenados este ano. Entretanto, muitos jornalistas continuam a se sentir sob pressão.

Na outra ponta do Ranking, a Eritreia (179a), que autorizou o acesso ao país a equipes de mídias estrangeiras fortemente vigiadas, pela primeira vez desde 2007 saiu do último lugar, deixando-o para a Coreia do Norte. O regime norte-coreano continua a manter a população na ignorância e no terror. O simples fato de ouvir uma rádio sediada no exterior pode levar a uma estadia em um campo de concentração. No final da fila, também estão o Turcomenistão (178a), uma das ditaduras mais fechadas do mundo na qual a repressão contra jornalistas não para de se intensificar, e a Síria (177a), mergulhada em uma guerra sem fim, o país mais mortífero para os jornalistas, pegos no fogo cruzado entre um ditador sanguinário e grupos jihadistas. (Ler nossa análise Ranking 2017 da Liberdade de Imprensa: um mapa-múndi cada vez mais sombrio).

NUNCA A LIBERDADE DE IMPRENSA ESTEVE TÃO AMEAÇADA

A liberdade de imprensa nunca esteve tão ameaçada. Na verdade, o índice global do Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa elaborado pela RSF nunca esteve tão elevado (3872). Em cinco anos, o índice de referência usado pela RSF sofreu 14% de degradação. Este ano, cerca de dois terços (62,2%) dos países listados* registraram um agravamento de sua situação, enquanto o número de países onde a situação para as mídias é considerada "boa" ou "quase boa" diminuiu em 2,3%.


A região África do Norte e Oriente Médio, devastada por seus conflitos não somente na Síria, mas também no Iêmen (166a, +4) é a zona do mundo na qual é mais difícil e perigoso para um jornalista exercer sua profissão. Não muito atrás, a Europa Oriental e a Ásia central. Cerca de dois terços dos países dessa região estão próximos, ou atrás da 150a posição do Ranking. Além da descida aos infernos da Turquia, o ano de 2016 foi marcado por uma retomada do controle das mídias russas independentes, enquanto os déspotas do espaço pós-soviético, do Tajiquistão (149a) ao Turcomenistão (178a), passando pelo Azerbaijão (162a), aperfeiçoaram seus sistemas de controle e repressão. Na 3a posição, a região Ásia-Pacífico concentra todos os recordes: reúne as maiores prisões do mundo para os jornalistas e blogueiros, como a China (176a) ou o Vietnã (175a); inclui países entre os mais perigosos para a profissão, como o Paquistão (139a), as Filipinas (127a) e Bangladesh (146a). A região ainda reúne um grande número de "predadores da liberdade de imprensa" no comando das piores ditaduras do planeta, como a China, a Coreia do Norte (180a) ou o Laos (170a), verdadeiros buracos negros da informação.

Em seguida vem a África, onde cortar a Internet tornou-se um hábito durante eleições e manifestações sociais. Depois, as Américas e Cuba (173o, -2), único país do continente que aparece entre os últimos do Ranking, onde se encontram as piores ditaduras e regimes autoritários. Apesar dos maus resultados, o continente europeu segue como a região geográfica na qual os meios de comunicação são mais livres.

Finalmente, apesar de resultados ruins, o continente europeu permanece a zona geográfica onde as mídias são mais livres. Contudo, a Europa é também o continente que registrou a degradação mais forte de seu índice global: +3,80% em um ano. A diferença é ainda mais impressionante se tomarmos os últimos cinco anos: +17,5%. A título de comparação, o índice da zona Ásia-Pacífico teve uma variação de 0,9% no mesmo período.

A RSF deplora a degradação perniciosa e contínua da liberdade de imprensa na América Latina”, declarou Emmanuel Colombié, diretor do escritório para a América Latina da RSF. A instabilidade política e econômica observada em diversos pontos nessa zona geográfica não justifica esse ambiente às vezes hostil para o trabalho da imprensa. Os jornalistas que investigam temas sensíveis que afetam os interesses da classe política ou do crime organizado são regularmente feitos alvos, perseguidos ou assassinados. Diante de uma ameaça tão multifacetada, os jornalistas devem, com frequência demais, se autocensurar, ou até mesmo se exilar para sobreviver. Essas situações são insuportáveis em países democráticos. Já é tempo de inverter essa tendência e permitir que a profissão se liberte desses incontáveis entraves. ” 

Classificação por zonas geográficas (ordem decrescente)

III. Quedas, altas e melhoras aparentes


Em 2017, a Nicarágua (92a, -17) se destaca por registrar a queda mais acentuada do Ranking. Para a imprensa independente e de oposição, a polêmica reeleição do presidente Daniel Ortega foi caracterizada por diversos casos de censura, intimidação, assédio e prisões arbitrárias. Outra baixa notável, de doze pontos, foi a da Tanzânia (83a), onde o "trator", para usar a alcunha do presidente John Magufuli, não para de estender seu domínio sobre a imprensa.

Em meio a essa degringolada geral, dois países registram uma alta no Ranking 2017 e são portadores de esperança. Primeiro, Gâmbia (143a, +2). Livre de seu presidente autocrata, o país redescobre jornais não censurados e pretende reformar uma legislação muito restritiva com relação à imprensa. E também a Colômbia (129a, +5). Acordos de paz históricos puseram fim a mais de 52 anos de um conflito armado que era fonte de censura e de violências contra a imprensa. Sinal promissor: em 2016, pela primeira vez em sete anos, nenhum jornalista foi morto.

Outras altas notáveis do Ranking 2017 revelam-se, na verdade, melhoras aparentes. A Itália (52a) sobe 25 posições após serem inocentados, entre outros, jornalistas locais processados no caso VatiLeaks 2. Contudo, permanece sendo um dos países europeus onde há o maior número de repórteres ameaçados por organizações mafiosas e criminosas. A França, finalmente, recupera seis posições para ocupar o 39o lugar, mas essa subida é principalmente mecânica, após a queda excepcional que havia registrado em 2015, com a matança do Charlie Hebdo. Se não considerarmos esse parêntese, a França, onde os jornalistas precisam se mobilizar para defender sua independência em um clima cada vez mais violento e deletério, registra este ano sua pior pontuação (22,24) desde 2013, principalmente devido a casos ligados a empresários usando com propósito de influência as mídias de sua propriedade. A lei sobre a independência das mídias, que a RSF acolheu, não é suficiente para mudar a situação de maneira considerável. Na Ásia, as Filipinas (127a) conquistam onze posições, com a queda do número de jornalistas mortos em 2016, mas os insultos e ameaças proferidos abertamente contra a imprensa pelo presidente Rodrigo Duterte, outro político autoritário recém-chegado ao poder, faz com que se espere o pior.



Legenda quadro: Evolução da pontuação da França

Publicado a cada ano, desde 2002, por iniciativa da RSF, o Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa permite determinar a situação relativa de 180 países com relação, sobretudo, ao seu desempenho em matéria de pluralismo, independência das mídias, respeito à segurança e à liberdade dos jornalistas. O Ranking 2017 foi estabelecido levando-se em conta violações cometidas entre 1o de janeiro e 31 de dezembro de 2016. Os índices globais e regionais são calculados a partir dos pontos obtidos pelos diferentes países. Por sua vez, esses pontos são estabelecidos a partir de um questionário proposto em vinte línguas a especialistas do mundo inteiro e submetido a uma análise qualitativa. Vale ressaltar que quanto mais elevado estiver o índice, pior a situação. A crescente notoriedade do Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa faz dele um instrumento de defesa essencial e cada vez mais influente.

* O termo país é usado em sua acepção comum, sem significação política com relação a determinados territórios.
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