5 de jun. de 2017

“Perguntavam se nós manchávamos”, diz Lucía Mbomío, do movimento negro espanhol.

“Perguntavam se nós manchávamos”, diz Lucía Mbomío, do movimento negro espanhol

Direto da Feira do Livro de Madri, Víctor David López entrevista a jornalista Lucía Mbomío sobre o movimento de afrodescendentes na Espanha

*Por Víctor David López
Víctor David López foi à Feira do Livro de Madri e entrevistou a jornalista e militante do movimento afrodescendente Lucía Mbomío especialmente para o Nocaute.
Lucía Mbomío, 36 anos, nasceu em Madri. Filha de uma espanhola e de um equato-guineense, está divulgado seu primeiro livro “Las que se atrevieron” (Sial/Casa África).

Ilustração da capa de “Las que se atrevieron”
Ao Nocaute, descreve a heterogeneidade do movimento negro na Espanha e fala sobre racismo. “Não sei se o país todo é, não sei se todas as pessoas são, mas claro que existe racismo”, afirmou.
Na entrevista, conta alguns episódios de sua infância, que estão também em seu livro: “Quando eu era muito mais nova, e isso eu conto no livro, a primeira vez que eu fui à escola havia uma fila enorme de pessoas esperando para ver a mim e ao meu pai (…) Eu me lembro que me apontavam na rua, que perguntavam se nós manchávamos”.
Seu livro narra a história de mulheres brancas que se relacionaram com homens negros nos anos 1970 na Espanha, e enfrentaram preconceito e repressão de uma sociedade que havia saído da ditadura de Francisco Franco (1939-1975) havia pouco tempo.
Abaixo e no vídeo, a entrevista completa:
Como é o movimento afrodescendente na Espanha?
O movimento afrodescendente na Espanha é bastante incomum. Bom, eu digo que é incomum mas também não conheço cem por cento dos outros movimentos. Talvez o ponto mais interessante desse movimento é que ele seja muito heterogêneo.
Aqui, existem pessoas africanas, pessoas latino-americanas, afro-espanhóis, também afro-estadunidenses. Então, isso, que nos dá uma riqueza imensa, ao mesmo tempo provoca que talvez seja mais difícil chegar a linhas comuns.
O que não significa que seja impossível, simplesmente quer dizer que vamos ter uma viagem e um caminho um pouquinho mais longo. Esta talvez seja a principal característica. Além disso, bom, estamos há bastante tempo trabalhando. É verdade que muitas gerações pensam que são os primeiros, os que começaram com tudo. Existem muitas pessoas que estão fazendo muitas coisas há muito tempo.
Por exemplo, os que tentaram conseguir as independências diretamente daqui, os equato-guineenses, até os seus filhos que também já estão há décadas por aqui. Tudo isso é muito interessante porque podemos contar com espaços, porque a internet e os meios de comunicação próprios estão nos dando muito mais voz, mais visibilidade e porque, nem sempre acontece, mas aos poucos estão começando a entender que os meios de comunicação generalistas precisam contar com todos e com todas nós. Isso implica incluir outras vozes, vozes negras ou vozes racializadas, vozes que não sejam somente brancas.
Como era a situação há três décadas?
Não sei como era o movimento há três décadas, porque eu tinha seis anos. Era muito, muito novinha. O que realmente me consta é que sempre houve pessoas trabalhando para transformar a realidade. Penso no meu pai, nos meus tios, que se reuniram um montão, que tentaram ter a fundação das suas Casas da Guiné, etc. Mas o que eu posso dizer é que havia muito menos pessoas negras, que tinha dias que eu via um máximo de três pessoas negras que eram meu pai, meu irmão e o meu reflexo no espelho. E acabou.
Também é verdade que talvez fosse uma Espanha menos viajada, talvez mais fechada, às vezes mais cativante, bastante ignorante em relação à diversidade. Eu me lembro que me apontavam na rua, que perguntavam se nós manchávamos… Lembro um dia que estávamos em Zamora, numa cidadezinha, e eu e meu irmão íamos fazendo assim, cumprimentando porque as pessoas iam abrindo as janelas para nos ver. Abrindo as cortinas para ver se era real o que eles estavam vendo.
Quando eu era muito mais nova, e isso eu conto no livro, a primeira vez que eu fui à escola havia uma fila enorme de pessoas esperando para ver a mim e ao meu pai. Era a primeira vez que nos viam. No caso do meu pai, eles se convenciam, mas, no meu caso nem tanto, porque pensavam que eu ia ser metade branca e metade negra. Literal. Como se fosse uma zebra ou como o yin, yang.
A Espanha é um país racista?
É difícil responder, porque não acredito claramente que a Espanha seja um país racista. Mas o que realmente acho é que existe muito racismo pela Espanha. Não sei se o país todo é, não sei se todas as pessoas são, mas claro que existe racismo.
Importância do “Espacio Afroconciencia” de Madri e os censos.
Acho que o Espacio Afroconciencia é importantíssimo, que estão administrando muito, muito bem e que está fazendo com que todos aprendamos, que nos conheçamos e que possamos nos dar uns tapinhas nas costas. Até agora estivemos muito sozinhos e sozinhas, e poucas vezes pudemos celebrar ou saber que existem mais pessoas como nós e que portanto podemos chegar lá. Isso é um pouco a importância das referências e dos referentes.
Em relação ao censo, por exemplo. Aqui na Espanha já houve uma tentativa quando eu estive no Conselho das Comunidades Negras. É uma coisa complicadíssima. O que nós fazíamos era, levando em consideração a quantidade de pessoas afrodescendentes, por exemplo, que havia na Colômbia, entendíamos que essa mesma porcentagem estaria aqui, se aplicaria aqui na Espanha. O que não tem absolutamente nada a ver porque as pessoas com capacidade para migrar, por exemplo da Colômbia, não costumam ser pessoas negras.
No caso do Equador, mais do mesmo. Portanto as porcentagens não são as mesmas. Algo parecido acontecia praticamente em quase todos os países latino-americanos e também não levavam em consideração as pessoas da Guiné Equatorial que chegaram antes das independências. Porque entendia-se que eram espanhóis e, portanto, brancos. E conosco, filhos deles, acontecia a mesma coisa. E com os netos deles também. Isso é uma coisa que aqui seria uma dificuldade. Sem falar da dificuldade, e isto no Brasil devem saber, de auto reconhecimento como afrodescendente, como negro, negra etc.
Próxima etapa do movimento afrodescendente na Espanha para continuar avançando.
É preciso haver uma linha, que já está começando, de construção. E de capacitação. Se somos conscientes de que temos uma situação de inferioridade, então nos formemos em dobro. Se não temos possibilidade porque as nossas famílias não estão na mesma posição que as outras, então nos formemos entre nós.
http://www.nocaute.blog.br/mundo/movimento-afrodescendente-na-espanha-entrevista-lucia-mbomio.html
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