25 de jul. de 2017

Não há justificativas técnicas e nem econômicas para manter o DISJB no Açu com 70 km² . - Editor - A área em questão foi parar nas mãos de Eike Batista e nada. Nada mesmo.

Do Blog do Roberto Moraes
Ontem, este blog comentou aqui, sobre a decisão judicial que definiu posse sobre áreas - em litígio e conflito - na região do Açu, por conta da instalação do Distrito Industrial de São João da Barra (DISJB), num acordo, questionável, em várias dimensões, entre a empresa Prumo (controlada pelo banco americano EIG ) e a Codin-RJ, empresa de economia mista do ERJ.

Na postagem de ontem foi informado que seriam trazidos para este espaço, mais elementos para demonstrar que, numa análise técnico-econômica, a desapropriação desta extraordinária e extensa área, não encontra justificativas. O objeto e a finalidade em que os decretos desapropriatórios se sustentaram, depois de quase uma década, deixaram de existir.

Estudos e análises sobre os projetos portuários e distritos industriais no Brasil e em algumas outras partes do mundo ajudam a sustentar esta posição. Assim, de forma breve, com o texto abaixo, este professor (pesquisador e blogueiro) vai expor alguns dos vários argumentos técnico-econômicos que poderiam ser analisados e considerados pelas autoridades que possuem poder para fazer Justiça em relação ao caso.

A injustiça da manutenção das desapropriações de 70 km² no Açu

A - Contextualização do caso

Para contextualizar a análise da área de implantação do Porto do Açu - e depois do Distrito Industrial de São João da Barra (DISJB), com 7.000 ha (702 km²) -, a partir de 2007/2009, é interessante resgatar a tipologia da evolução dos sistemas portuários no país.

A seguir, de forma sucinta, também observar as dimensões e características destes tipos de empreendimentos, como modal logístico e de polo de desenvolvimento industrial que podem ser, mais ou menos, articulados, entre si. Inicialmente é necessário explicitar a evolução da tipologia dos portos em nosso país.

B – Sobre os Sistemas Portuários e distritos industriais: [1] [2]

Os portos marítimos ao longo do último século foi acompanhando a reestruturação produtiva mundial e ampliando sua importância, enquanto modal de transporte, como o aumento do comércio mundial. A relação dos portos e seus terminais com as cidades e regiões sempre foram conflituosas e se transformaram com a incorporação dos contêineres e ampliação do porte dos navios.

Assim, o gigantismo naval passou a puxar um gigantismo portuário [3], o que levou ao surgimento dos portos-indústrias, fora das áreas urbanas para garantir a fluidez nas cargas e desta forma reduzir os gastos na etapa da circulação das mercadorias entre a produção e o consumo.

Em resumo, no Brasil, é possível traçar uma tipologia desta geração de portos, observando os períodos das mudanças, a localização dos mesmos, assim como, os seus usos e características.

As transformações das características de portos, não impedem que este processo se desenvolva de forma, onde coexistam hoje, portos com usos de diferentes gerações. Assim vale observar a tabela abaixo que resume este processo no último século no Brasil. No exterior, este processo é similar, mas ocorrem em períodos anteriores:

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Considerando que o Porto do Açu, se insere de forma clara na quinta geração de portos, aqueles desenhados fora de áreas urbana e com projetos articulados com empreendimentos e zonas industriais junto das áreas logístico-portuárias. São os portos tipo ZIP (Zona Industrial-portuária) ou MIDAs (Maritime Industrial Development Areas, ou em português, Áreas de Desenvolvimento Industrial Marítimo-portuário). Assim, é interessante relatar alguns casos para se ter uma ideia da demanda de áreas nestes tipo de empreendimentos.

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** No Complexo de Suape 59% dos 13,5 Km² são de áreas de conservação ambiental.

*** A área atualmente usada pelas empresas do cluster de óleo e gás em Macaé foi estimada em 5 Km², incluindo base operacional da Petrobras em Imbetiba, Parque dos Tubos em Imboassica; UTGCAB (Cabiúnas); 2 UTEs + áreas do Parque Industrial de Cavaleiros, Polo Industrial de Cabiúnas e áreas de outras empresas. Outros 10 Km² são de condomínios logísticos-industriais em fase de licenciamento ou instalação em Macaé.

Observando os dados acima sobre os empreendimentos portuários que possuem distritos industriais ao seu entorno e as áreas utilizadas é possível interpretar o exagero da necessidade de 70 km² para o DISJB no Açu.

B. 1 - O Porto de Santos e o Polo Industrial de Cubatão, SP

Observando tabela acima é possível identificar que o Porto de Santos - o maior da América Latina em movimentação de cargas -, depois de mais de um século, ocupa uma área com seus 54 terminais de menos de 8 km².

O polo industrial de Cubatão que começou a ser instalado há seis décadas - em área contígua ao porto de Santos - o primeiro do país hoje, mesmo tendo uma refinaria, duas siderúrgicas, um complexo petroquímico e várias indústrias, especialmente do setor de química, ocupa de forma conjunta em área junto à Serra do Mar, uma extensão entre 25 km² e 30 km². Enquanto isto, no Açu se o DISJB pretende continuar mantendo um estoque de 70 km² de terras, desapropriadas de pequenos produtores.

B.2 - O Complexo Logístico-industrial de Suape, PE

O Complexo portuário-industrial de Suape, PE (ZIP da 5ª geração) foi o primeiro no país a ser planejado para funcionar como porto-indústria, ainda na década de 70. Porém, só nos anos 2000, o projeto de Suape deslancharia por conta da decisão da implantação da refinaria Abreu Lima (Rsnet).

Hoje, o Porto de Suape possui na sua retroarea e distrito industrial mais de 100 empresa instaladas, entre refinaria, petroquímica, estaleiros, etc.

Para desenvolver todo este potencial o Complexo de Suape possui uma área de 13,5 km², sendo que 60% dela não tem como ser utilizada, por se tratar de área destinada à conservação ambiental, como forma de mitigar os impactos decorrentes do empreendimento econômico.

Enquanto isto, no Açu se quer manter um estoque de 70 km² de área para o DISJB, numa ideia exagerada e sem propósito, mesmo que numa concepção de gigantismo naval e portuário que nasceu com a 5ª geração de portos no mundo.

B.3 - A base operacional do setor petróleo em Macaé, RJ

Para observar e analisar a ocupação de áreas para as atividades de apoio à exploração de petróleo offshore vale entender o que vem acontecendo em Macaé, desde a década de 70, a partir da descoberta da Bacia de Campos e da instalação da base operacional da Petrobras em Macaé.

De um terminal de uso privado (TUP) portuário instalado em Imbetiba, a estatal foi expandindo suas atividades gerenciais e operacionais. O Terminal de Cabiúnas para receber o petróleo e o gás e enviá-los por dutos ao Rio. Adiante, para processamento, produção de GLP e desde 2015 também recebendo o gás natural explorado na Bacia de Santos.

Assim, ao longo do tempo também nasceu o Parque de Tubos, o condomínio de indústria de Cavaleiros que atende às para-petroleiras que fornece materiais, equipamentos e serviços à Petrobras e outras petroleiras. Duas UTEs, usinas termelétricas a gás também fazem parte desta cadeia produtiva ligada ao petróleo e gás.

Se forem somadas todas as áreas utilizadas por estes empreendimentos em Macaé, elas superam em pouco, a área de 5 km². Se ainda se quiser incluir as áreas dos condomínios logísticos-industrias mais recentes e que estão em fasse final de licenciamento ou início de utilização, eles não chegam a mais 10 km².

C- Sobre os 10 Distritos Industriais da Codin-RJ:

Depois de analisar as áreas dos portos ligados aos condomínios industriais, passemos à análise das áreas dos distritos industriais (DI) da Codin no ERJ. Se forem somadas as áreas de todos os 9 DI da Codin-RJ (que na média geral não chega a 50% de uso) eles equivalem a cerca de apenas 20% do que a área de um único distrito, o DISJB com seus 70 km². Vejamos a tabela abaixo:

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D - Sobre áreas de municípios x DISJB:

Após observar os usos de áreas com a finalidade de sustentar infraestruturas de logística, portuária e industrial, é interessante analisar e comparar a extensão da área do DISJB, com as áreas totais de quase duas centenas de municípios brasileiros. Isto mesmo é espantoso observar que a área prevista para o DISJB é maior do que quase 200 municípios brasileiros:
DISJB com 72 Km² tem área maior que 198 municípios brasileiros
Entre eles 5 municípios fluminenses: (Búzios (69 km2; Iguaba (53 km²); Porto Real (50 km²); Mesquita (34 km²) e Nilópolis (19 km²).
Além destes 5 do ERJ, outros 43 municípios da região Sudeste possuem menos do que 72 km².
Fonte: IBGE.

E – Mapa de Projeto e uso de áreas DISJB:

Diante desta realidade, vale observar o que foi projetado para o DISJB pela LLX (atual Prumo) e aquilo que nove anos depois é realidade. Assim, também de forma resumida é possível observar em dois mapas comparados, o que foi previsto para a área pelos empreendedores e o que é realidade.

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Diante dos argumentos técnico-econômicos descritos de forma resumida acima, é possível elencar algumas conclusões (quatro principais) que apontam para a necessidade das autoridades reverem, de forma urgente, os decretos de desapropriação e assim fazer Justiça, considerando a perda do objeto e da finalidade dos mesmos.

F - Observações finais e conclusões:

a)        Numa análise geral dos projetos de empreendimentos da Prumo/Codin-RJ sobre o território da região do Açu que são extensivos em uso de áreas, é possível afirmar que, num cenário de pelos menos duas décadas, não há viabilidade técnica-econômica que sustente a instalação de uma refinaria e/ou complexo petroquímico no Açu. Isto se dá pelos estudos prospectivos da ANP [4] e [5], que analisa os fluxos de origem de combustível e destino dos derivados no Brasil.

Num próximo aumento de demanda de combustíveis e derivados, as regiões prioritárias para a instalação de refinarias no Brasil, são o Oeste Mineiro (ou Centro-Oeste) e o Nordeste do país. Além disso, há que se considerar que a localização do Comperj em Itaboraí, com possibilidades de ampliação - e área já reservada - elimina qualquer chance do DISJB no Açu, vir a receber este tipo de investimento ligado ao setor de óleo e gás, que é assumido pela Prumo Logística Global S.A., como o “cluster” central dos empreendimentos no Açu. (Conforme p. 629-634 da petição da Porto do Açu, S.A. no processo Nº 0000721-89.2017.8.19.0053).

b)        Considerando as dinâmicas econômico-espaciais de projetos similares, daquilo que academicamente intitulo como “Circuito Espacial do Petróleo e dos Royalties” no ERJ, não há perspectivas de que a base operacional de exploração de petróleo possa migrar toda do município e região de Macaé (e seu entorno) para o Açu.

Seguindo o movimento já em curso, estas duas bases operacionais tendem a dividir estas operações e atividades ao longo do litoral entre as bacias de Santos e do Espírito Santo, incluindo na área intermediária, a Bacia de Campos.

Mesmo se esta migração de toda a base material instalada ao longo de 4 décadas em Macaé, fosse para o cluster que está sendo instalado nos dois terminais portuários do Porto do Açu, isto iria significar a utilização de parte da retroárea da própria Prumo e, no máximo, mais uma ínfima área pertencente ao DISJB.

c)         Também num cenário (neste caso) que pode até ser superior a duas décadas, não se enxergam possibilidades dos projetos de siderurgias, de metal-mecânico, automotivo e cimenteiro serem retomados no Açu, considerando que hoje há um excesso de capacidade instalada de produção de aço no Brasil e no mundo, e assim toda a cadeia produtiva abaixo da siderurgia que foi projetada fica também inviabilizada.

d)        Assim, estes dois exemplos de setores de empreendimentos que são extensivos em área, não estão hoje projetados e nem seriam viáveis, num horizonte de tempo razoável, para qualquer planejamento, reforçando a tese de que a reserva de 70 Km² de área para o DISJB é um completo despropósito.

G - Notas e referências:

[1] Fonte: Tese do Autor defendida no PPFH-UERJ: “A relação transescalar e multidimensional “Petróleo-porto” como produtora de novas territorialidades”. Disponível na Rede de Pesquisa em Políticas Públicas (RPP):    .
[2] Autoridade Portuária do Porto de Santos. Disponível em: http://www.portodesantos.com.br/imprensa.php?pagina=caract.
[3] PESSANHA, 2015. Portos demandam regulação. GeocritiQ. Plataforma ibero-americana para la difusion del trabajo científico. Barcelona. Disponível em: http://www.geocritiq.com/2015/02/portos-demandam-regulacao/
[4] Estudo da ANP – Série Temática Nº 6.2015. Estudos sobre “Fluxos Logísticos de produção, transporte e armazenagem de gasolina A e de óleo diesel no Brasil – Mapeamento, diagnósticos dos fatores de risco e ações de mitigação”. 101 p. Disponível em: http://www.anp.gov.br/wwwanp/?dw=76152.
[5] CHAMBRIARD, Magda. 2016. Abastecimento e investimentos. Valor, 04 ago. 2016, p.A11.Prefeitura de Cubatão:
Novo Plano Diretor Suape 2030. Em várias páginas e mapas as áreas do zoneamentos podem ser vistas. A área total já é citada na P.11. Disponível em http://www.suape.pe.gov.br/images/institucional/plano_diretor/P14-Plano_Diretor.pdf.
Petrobras. Disponível em: http://www.petrobras.com.br/pt/nossas-atividades/areas-de-atuacao/.
Prefeitura de Cubatão. Disponível em: http://www.cubatao.sp.gov.br/aspectos-economicos.
Autor:
Roberto Moraes Pessanha, engenheiro, professor e pesquisador do Núcleo de Estudos em Estratégias e Desenvolvimento (NEED) do IFF (Instituto Federal Fluminense).


*Editado por Rafael Soriano
http://www.mst.org.br/2017/07/23/nao-ha-justificativas-tecnicas-e-nem-economicas-para-manter-o-disjb-no-acu-com-70-km.html






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