3 de jul. de 2017

Os devedores do Código Florestal. -Editor - OS LADRÕES DA NATUREZA. POR QUE ARREBENTAR A NATUREZA PARA PRODUZIR EXCEDENTES , VISANDO EXPORTAÇÃO, QUANDO OS BENEFÍCIOS VISAM UM NUMERO ÍNFIMO DE PROPRIETÁRIOS E ENGORDAM OS DIVIDENDOS INTERNACIONAIS ?

DESMATAMENTO

Os devedores do Código Florestal

Novos números revelam o tamanho da anistia, do passivo e apontam os maiores devedores do Código Florestal. O Código liberou 41 milhões de hectares para a produção, mesmo sabendo que a intensificação da produção nas áreas é essencial para a conservação dos recursos naturais, para o equilíbrio climático, para a vida de populações tradicionais e indígenas e para os compromissos internacionais do Brasil
Por: Luís Fernando Guedes Pinto, Gerd Sparovek e Vinicius Guidotti
3 de julho de 2017
Crédito da Imagem: Foto: Vinícius Mendonça - Ascom/Ibama
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O Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agricola) lançou nos últimos dias um novo estudoque atualizou números a respeito do Código Florestal no Brasil. Esta lei se aplica a todos os imóveis rurais privados do Brasil, que somam 58% do nosso território, e representa o principal mecanismo de proteção de suas florestas e outras formas de vegetação nativa.
A atualização foi possível após a publicação de uma nova malha fundiária do país, muito mais detalhada do que versões anteriores devido à divulgação dos limites dos imóveis registrados na base do CAR (Cadastro Ambiental Rural), o principal instrumento de regulação do novo Código Florestal brasileiro. A simulação do Código Florestal foi feita individualmente em cada um dos mais de 5,5 milhões de imóveis rurais do Brasil, o que possibilitou uma estimativa mais precisa. Tanto a malha fundiária como este e outros estudos fazem parte do Atlas da Agropecuária Brasileira, uma colaboração entre o Imaflora e o GeoLab da Esalq-USP.
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A nova análise atualizou números sobre os mecanismos de anistia ou perdão de não cumprimento da Lei antes de 2012 e também sobre a atual situação de seu cumprimento, ou seja, as não conformidades atuais. Além disso, revelou um novo olhar, discriminando a dívida com a lei em função do tamanho dos imóveis rurais.
Em primeiro lugar identificamos que os mecanismos de anistia da Lei 12.651/2012 reduziram o passivo de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais (RLs) em 41 milhões de hectares de vegetação nativa que deveriam ser restaurados anteriormente (36,5 milhões de ha de RL e 4,5 milhões de ha de APPs). Este número é substancialmente maior do que das estimativas anteriores e revela que as concessões feitas ao setor produtivo na negociação da lei publicada em 2012 foram maiores do que se supunha. Em síntese, na revisão da lei 41 milhões de hectares que deveriam ser floresta até 2012 foram consolidados para o uso agropecuário. As nossas análises quantificaram pela primeira vez a abrangência e a área da consolidação para cada um dos artigos da Lei que trataram da anistia.
Conhecer o tamanho da anistia de 2012 é extremamente relevante em 2017, uma vez que há várias iniciativas no Congresso tentando liberar novas áreas florestais protegidas para o uso agropecuário. O Código liberou 41 milhões de hectares para a produção, mesmo sabendo que a intensificação da produção nas áreas já abertas seria suficiente para aumentarmos em grande medida a produção e a riqueza do setor e que a proteção de florestas é essencial para a conservação dos recursos naturais, para o equilíbrio climático, para a vida de populações tradicionais e indígenas e para os compromissos internacionais do Brasil. Mesmo considerando a importância da produção agropecuária do Brasil para o seu abastecimento doméstico e os mercados internacionais, não há necessidade de ampliação de sua área produtiva ou da liberação de áreas florestais protegidas para o setor.
Finalmente, vale destacar que a anistia dispensou da restauração mais de 4,6 milhões de hectares de APPs que deveriam ser restauradas. Desse total 2,6 milhões de hectares saíram do bioma Mata Atlântica, onde estão concentradas as maiores demandas de água para o abastecimento de grande parte das populações urbanas e das indústrias do país. Somam-se a isto 843 mil hectares de nascentes e beiras de rio do Cerrado, que são fundamentais para as principais bacias hidrográficas como a do Amazonas, do Paraná e do São Francisco, e os múltiplos usos de suas águas, como a geração de energia e a irrigação.
Em segundo lugar descobrimos que independente da anistia, o déficit atual de vegetação nativa, ou seja, o não cumprimento da lei do pais é de 19 milhões de ha, sendo 11 milhões de ha de RL e 8 milhões de ha de APPs. O esforço para adequação à nova Lei para o setor produtivo é enorme e supera em muito os 12 milhões de hectares do compromisso do Brasil com o acordo de Paris (a NDC brasileira). O cumprimento do déficit vai ser regulado e orientado pelos Planos de Regularização Ambientais (PRAs) estaduais. Alguns estados já definiram os seus regulamentos, mas muitos (como São Paulo) ainda não definiram as suas regras. Espera-se que os PRAs sejam desenvolvidos para aprimorar a Lei Federal em requisitos que observem a realidade sócio-econômica e ambiental de cada estado. O nosso estudo fornece subsídios para a elaboração dos PRAs, pois apresenta os dados de déficit da Lei por Estado, município e bioma para todo o país.
De maneira geral, em valores absolutos de área total, a Amazônia apresenta as maiores anistias da necessidade de restauração de RLs e APPs. No entanto, em termos relativos a Mata Atlântica foi o bioma mais impactado pelos mecanismos de anistia, apresentando as maiores reduções de RL e APP. Ambos, assim como o Cerrado ainda apresentam grandes déficits de cumprimento da Lei.
Todavia a área de vegetação nativa desprotegida (ou excedente aos requisitos de APP e RL) em áreas rurais privadas excede em cinco vezes o déficit em RLs e APPs, somando 103 milhões de hectares. Portanto, o cumprimento da Lei pode ser atingido em grande medida por mecanismos de compensação, embora existam grandes desafios para se desenhar um mecanismo que proteja os remanescentes mais ameaçados.
Finalmente, descobrimos que os grandes imóveis (maiores do que 15 módulos fiscais) representam apenas 6% do total de imóveis no país, mas possuem 59% da área com déficit de RL ou APP. Estes estão presentes em todas as regiões produtoras do país. Por sua vez, os pequenos imóveis (menores do que 4 módulos fiscais) representam 82% do número de imóveis e possuem apenas 6% da área com déficit. Esta situação é mais comum nas regiões onde há uma agricultura de pequena escala mais intensiva, como no Sul e Sudeste do Brasil. Assim, os PRAs e demais políticas para a implementação da Lei 12.651/2012 devem considerar o perfil do produtor, pois 94% da área do déficit em área está concentrado em apenas 362 mil imóveis médios e grandes, o que consiste de público relativamente pequeno quando comparado ao número total de produtores rurais do Brasil, algo em torno de 6 milhões.
Os instrumentos para os grandes produtores devem focalizar a recuperação ambiental em grande escala e devem ser inspirados nas políticas para este público. É onde a restauração deve ser priorizada e acelerada, principalmente nas APPs ligadas à conservação da água. Os incentivos econômicos devem estar atrelados e instrumentos como o crédito e outras abordagens de mercado.
Já o cumprimento da Lei pelos pequenos produtores deve ser baseado em uma abordagem socioambiental. Exige uma aproximação individual, instrumentos de pagamentos por serviços ambientais e a conexão com a assistência técnica em cooperativas e associações e mecanismos como o Pronaf e outros de apoio à agricultura familiar.

Luís Fernando Guedes Pinto  e Vinicius Guidotti é Pesquisadores do Imaflora  Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola
Gerd Sparovek é Professor da Universidade de São Paulo (USP/Esalq), coordenador do projeto Temático Fapesp 2016/17680-2 e do GeoLab
http://diplomatique.org.br/os-devedores-do-codigo-florestal/
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