3 de mai. de 2018

01. Trabalhadores em risco: Embraer, financeirização e a aquisição pela Boeing. - Editor - A EMBRAER É FRUTO DA CAPACIDADE DE ERGUER EM SÓLO PÁTRIO, COM CAPACIDADE TÉCNICA UMA DAS MAIORES FABRICANTES DO MUNDO DE AVIÕES COM TECNOLOGIA DE PONTA. O PRÉ-SAL É NOSSO. A BASE DE ALCANTARA É NOSSA. VIRA-LATA DIZ, QUEM QUER VER A NAÇÃO E SEU POVO CABISBAIXO.

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01. Trabalhadores em risco: Embraer, financeirização e a aquisição pela Boeing

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Lívia de Cássia Godoi Moraes[2]
Em tese defendida em 2013 (MORAES, 2013), analisei o processo de financeirização na Embraer e os impactos sobre os trabalhadores e as trabalhadoras – diretos/as e indiretos/as – da empresa. Na pesquisa, inferi que o processo de financeirização, da forma como vinha se desenvolvendo, facilitaria uma possível compra da Embraer pela Boeing ou pela Airbus.
O uso de instrumentos financeiros não é novo no capitalismo, mas assume características peculiares nos últimos 50 anos, bem como ganha um grau de importância como nunca antes na história.
Desde o período de acumulação originária de capital, nos séculos XV e XVI, com a formação dos Estados nacionais, já se desenvolviam sistemas de crédito, especulação e dívida pública. Tais artefatos financeiros acompanharam o desenvolvimento do capitalismo. Entretanto, é no final do século XIX, com o crescimento da importância dos bancos, que estudiosos como Lênin (2003) e Hilferding (1985) apontam a crescente importância do capital financeiro para a ordem socioeconômica da época. O imperialismo, com a formação de grandes monopólios, só foi possível de se constituir devido à aproximação entre indústrias e bancos[3].
Passado quase um século, a partir da década de 1970, os instrumentos financeiros deram um salto qualitativo, que temos denominado enquanto período de dominância do capital fictício. Tal particularidade se associa à crise estrutural do capital. Com a dificuldade de alçar taxas de lucros semelhantes ao pós-Segunda Guerra Mundial, os instrumentos financeiros passam a ser priorizados e/ou associados aos mecanismos produtivos, ou seja, à produção de riqueza material. Marques e Nakatani (2009) explicam que há três grandes formas de capital fictício: capital bancário, capital acionário e dívida pública[4].
O capital fictício é ao mesmo tempo real e fictício, porque o indivíduo que detém um papel com promessa futura pode vendê-lo a um terceiro e obter dinheiro, ao mesmo tempo em que, no âmbito da totalidade, esse capital é apenas promessa, não existe efetivamente. Entretanto, mesmo no contexto da acumulação predominantemente financeira, o capital fictício não se sustenta apenas de especulação. Ele parasita o mundo produtivo, de modo que são criadas normas de Governança Corporativa e Investimento Socialmente Responsável que garantam, no âmbito produtivo, o nível esperado de produção de mais-valia (MORAES, 2016, s.p.).
A Embraer, enquanto elemento singular mediante a totalidade do desenvolvimento capitalista recente, adentrou de forma cada vez mais intensificada na lógica financeira/fictícia.
Conforme apresento na tese (MORAES, 2013) e, de forma mais sintética, em artigo (MORAES, 2017), o processo de financeirização aparece sempre aliado a mudanças organizacionais e tecnológicas na empresa. Ou seja, acarreta em impactos aos trabalhadores e trabalhadoras diretos e indiretos da Embraer. A investigação apontou para quatro momentos principais que representaram saltos nos avanços financeiros na empresa desde a sua privatização até 2012, período da referida pesquisa. São eles:
  1. o primeiro momento se refere à privatização da empresa ocorrida em 1994, quando houve um deslocamento do foco em excelência nos produtos para o foco nos resultados financeiros;
  2. o segundo momento se caracteriza pela oferta pública de ações, nos anos 2000/2001, na Bovespa e também na Bolsa de Nova York;
  3. o terceiro momento representa um dos principais avanços em termos financeiros da Embraer, que é a pulverização de capitais em 2006, quando todas as ações passam a ser ordinárias;
  4. por fim, o quarto elemento estudado foi a mudança da razão social da empresa em 2010, que passou de Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. para Embraer S.A., devido à diversificação de produtos que passou a produzir e comercializar, para além da produção de aviões. Acrescentaram-se os sistemas de defesa e segurança e o de energia à área aeroespacial.
A privatização da empresa, em 1994, veio acompanhada de intensa reestruturação produtiva para a produção do ERJ-145. Boa parte dessas mudanças, no sentido de uma produção mais toyotizada, respondiam a demandas dos acionistas controladores[5]. Houve:
[…] cortes no quadro de funcionários; terceirizações; mudanças no layout da fábrica; aquisição de maquinário e novos softwares; mudança no perfil dos trabalhadores (mais jovens, mais qualificados, sem histórico sindical); gestão mais próxima do modelo toyotista; adoção de salário variável pautado em metas de produção; implantação de projetos de envolvimento subjetivo dos trabalhadores, tal como o projeto “Boa Ideia”; novos modelos de financiamento e fornecimento de peças, materiais e serviços a partir de parcerias de risco, fornecedores e subcontratados, dentre outros. A empresa também criou novas subsidiárias, especificamente para fins de financiamento das aeronaves, como é o caso da EMBRAER Finance Ltd. (EFL) (MORAES, 2017, p. 17)
Também foi nesse período que se realizaram as parcerias de risco. Estabeleceram-se flexibilidades funcionais, com relação a contratos e salários. De imediato, foram terceirizados: restaurante, segurança, manutenção predial e execução de obras civis, manutenção de informática, despacho de importação, transporte, limpeza e setor gráfico (MALANGA, 1997, p. 25). Houve mudanças estratégicas na Comunicação e nos Recursos Humanos, de modo que a subjetividade dos trabalhadores fosse melhor adaptada às necessidades financeiras da empresa.
Toda a reestruturação já feita imediatamente depois da privatização acarretou em novo corte de pessoal em 1995, quando 1.700 trabalhadores foram demitidos, sendo 1.200 do setor administrativo e 500 da área produtiva. A redução de engenheiros foi de 17% de um total de 700 (Bernardes, 2000a, p. 292). E, ainda, segundo estudo setorial do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos – DIEESE (1998), a partir de 1995, os salários, que vinham em ascensão, passaram a cair (MORAES, 2017, p. 18).
Nos anos 2000/2001, a Embraer consolidou seu status de empresa global com a oferta global de ações preferenciais nas Bolsas de Valores de São Paulo e de Nova York. A justificativa principal era gerar liquidez para a produção das aeronaves das famílias Embraer 170/190.
Entretanto, para se manter no mercado financeiro, a empresa tem que demonstrar-se crescentemente lucrativa, o que impulsionou constantes reestruturações produtivas com intensificação do uso da força de trabalho a baixos custos, aliadas a novos softwares com projeção em 3D (terceira dimensão) e tecnologias que conectavam operações da totalidade da empresa, as quais aceleraram o ritmo de produção.
O terceiro momento corresponde à pulverização de capital no ano de 2006, quando todas as ações passam a ordinárias, extinguindo-se a categoria de preferenciais. Com esta transformação, a Embraer adentrou o Novo Mercado da Bolsa de Valores de São Paulo, para o qual são exigidos padrões de Governança Corporativa e Índices de Sustentabilidade. Esses elementos passaram a conduzir as mudanças organizacionais na empresa. A contratação de consultorias e a instalação do Programa de Excelência Empresarial da Embraer (P3E), com metas de Lean Production(produção enxuta), ou seja, produzir mais com menos recursos humanos. Houve intensificação de trabalhos por metas e estabeleceram-se padrões de autocontrole e controle mútuo bastante altos.
Não só a internalização dos valores e da conduta, mas também das metas e da filosofia lean seriam novas tarefas acumuladas pelos trabalhadores da EMBRAER. Eles deveriam, além de controlar a si, controlar o outro, seja no papel de liderança, seja na “avaliação 360°”, seja no trabalho em equipe. Qualquer falha de conduta de outrem, que pudesse causar prejuízo à EMBRAER, a acionistas, parceiros, fornecedores e até outro trabalhador, poderia ser levada ao novo canal de denúncias da EMBRAER – o Canal de Práticas Danosas –, gerido por empresa terceirizada. Supervisionado diretamente pelo Conselho de Ética da empresa, o canal tinha por objetivo coibir desvios de materiais, corrupção, sabotagem, furto de pesquisa e know-how tecnológico, conforme é explicitado no Relatório Anual da Embraer de 2008, mas, principalmente, o que se observou, foi que ele corroborava o papel político de quebrar a solidariedade de classe e colocar os trabalhadores em concorrência (MORAES, 2017, p. 25).
Por fim, a mudança da razão social, que se deu em consequência da diversificação do objeto social da empresa, veio acompanhada de inúmeras fusões e aquisições, bem como com intensificação do ritmo de trabalho, especialmente com a introdução de robôs nas linhas de montagem.
Ao longo de todo o período investigado, foi possível observar um avanço da Embraer no uso de instrumentos financeiros: ações nas bolsas de valores, compra de títulos da dívida, uso de papéis bancários, derivativos, realização de fusões e aquisições via mercado de capitais, uso de créditos sindicalizados via instituições financeiras, fundos de investimentos tornaram-se os principais acionistas etc. O uso intensificado de tais instrumentos aumenta a vulnerabilidade da empresa, porque gera maiores riscos: por um lado, pela instabilidade gerada pelo fato do capital fictício viver sob especulação, e por outro, pela facilidade de ser adquirida por uma empresa maior, como é o caso agora, colocado como possibilidade real, da Boeing adquiri-la. E quem paga o preço mais alto dessas transações são os trabalhadores e trabalhadoras da empresa.
Em todos os momentos mencionados anteriormente, houve demissões, terceirizações, intensificação do uso da força de trabalho, flexibilização nos contratos, jornadas e salários e estratégias de apropriação da subjetividade dos/as trabalhadores/as. O capital fictício não sobrevive senão em relação dialética e, em boa parte, parasitária, com a produção material efetiva, o que impacta a vida dos/as trabalhadores/as em seu cotidiano, dentro e fora da empresa.
A compra da Embraer pela Boeing – mesmo que se restrinja ao setor comercial – pode acarretar em novos processos vilipendiadores aos trabalhadores e trabalhadoras da empresa, quanto mais em uma conjuntura em que a reforma trabalhista, aprovada recentemente, sob a Lei n. 13.467, facilitou a flexibilização de contratos e jornadas, inclusive com o estabelecimento do trabalho intermitente, que se refere a trabalho por hora, e não mais por jornada.
A Boeing não tem problema em demitir trabalhadores assim que finalizado o desenvolvimento de novas aeronaves. Conforme Menezes (2017), no início do ano de 2017, foram realizadas cerca de 2 mil demissões. Foram três cortes de staff em apenas um semestre. “Em um esforço contínuo de aumentar nossa competitividade geral e investir em nosso futuro, estamos reduzindo custos e ajustando os postos de trabalho aos nossos objetivos dentro do mercado”, disse a Boeing, em nota (MENEZES, 2017, s.p.). Ademais, há outro elemento conjuntural, que é a política nacionalista do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que induz as empresas estadunidenses a priorizarem trabalhadores daquele país.
Segundo reportagem do Defesanet de 14 de fevereiro de 2018, há interesse de transferência de plantas para os Estados Unidos por parte de várias empresas:
Um grupo de empresários do segmento aeronáutico, que envolve inclusive empresas do setor espacial, tem procurado a câmara de comércio dos Estados Unidos para saber das possibilidades de se transferirem para solo norte americano. Praticamente todas são ligadas a cadeia de fornecimento de peças e subsistemas da Embraer e pertencem ao polo aeroespacial de São José dos Campos (EQUIPE DEFESANET, 2018, s.p.).
Ainda, na mesma reportagem, aparece a intenção da Boeing em transferir para Chicago todos os projetos em andamento na Embraer. Isso esvaziaria o parque tecnológico instalado no Brasil, bem como implicaria em menos investimento científico, com a possibilidade de “fuga de cérebros” na área aeronáutica do Brasil para os Estados Unidos.
Necessária e urgente é a campanha empenhada pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos na defesa dos trabalhadores e trabalhadoras da Embraer e suas fornecedoras, o que repercute também em uma defesa da qualidade científica das pesquisas nacionais e na soberania do país. Assim, ratifico a luta contra demissões e precarização do trabalho: não à venda da Embraer para a Boeing!
A autora
[2] Professora do Departamento de Ciências Sociais e da Pós-Graduação em Política Social da Universidade Federal do Espírito Santo. Coordenadora do PIBID/subprojeto Ciências Sociais – UFES. Doutora em Sociologia pela Unicamp.
Referências bibliográficas
EQUIPE DEFESANET. EUA quer levar cadeia produtiva inteira da EMBRAER para solo americano. Defesanet Online. 14 de fevereiro de 2018. Disponível em . Acesso em 15 de fevereiro de 2018.
HILFERDING, Rudolf. O capital financeiro. São Paulo: Nova Cultural, 1985.
LÊNIN, Vladimir Ilitch. O imperialismo: fase superior do capitalismo. São Paulo: Centauro, 2003.
MALANGA, Umberto César Chacon. Análise das transformações da gestão operacional e organizacional da Embraer após a sua privatização. 1997. 96f. Trabalho de Graduação (Divisão de Engenharia de Aeronáutica) – Centro Técnico Aeroespacial/Instituto Tecnológico de Aeronáutica, São José dos Campos, São Paulo, 1997.
MARQUES, Rosa; NAKATANI, Paulo. O que é capital fictício e sua crise. São Paulo: Brasiliense, 2009.
MENEZES, Pedro. Boeing fechará 1° semestre com mais de 2.000 demissões concretizadas. Mercado e Eventos. 19 de abril de 2017. Disponível em . Acesso em 20 de janeiro de 2018.
MORAES, Lívia de Cássia Godoi. Financeirização e precarização: duas faces da mesma moeda. Revista Coletiva, nº 19, mai/ago, 2016. Disponível em . Acesso em 13 de fevereiro de 2018.
________. NAS ASAS DO CAPITAL: EMBRAER, financeirização e implicações sobre os trabalhadores. Cad. CRH,  Salvador ,  v. 30, n. 79, p. 13-31,  Apr.  2017 .   Available from . access on  16  Feb.  2018.  http://dx.doi.org/10.1590/s0103-49792017000100002.
________. Pulverização de capital e intensificação do trabalho: o caso da EMBRAER. 2013. 353f. Tese (Pós-graduação em Sociologia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP, Campinas, São Paulo, 2013.
[1] Informações mais precisas e detalhadas dos dados aqui mencionados podem ser encontrado em Moraes (2013) e Moraes (2017).
[3] Para compreender mais detalhadamente tal desenvolvimento, ver Moraes (2016).
[4] Há também os derivativos, que são títulos derivados de outros títulos. Para mais detalhes, ver Marques e Nakatani (2009).
[5] Os acionistas controladores no período eram: um consórcio de empresas formado pelo grupo Bozano Simonsen (40%), pelo banco de investimentos norte-americano Wasserstein Perella (19,9%) e pela CIEMB – Clube de Investimento dos Empregados da Embraer (10%). Dentre os principais investidores do consórcio Bozano Simonsen estavam: o Bozano, Simonsen Limited, (13,64%) o Sistel (Fundação Telebrás de Seguridade Social) (10,42%), a Previ (Caixa de Previdência Privada do Banco do Brasil) (10,40%), o Bozano Leasing (3,63%) e a Fundação CESP (1,9%) (MORAES, 2017).
http://embraernossa.com.br/2018/04/03/1-trabalhadores-as-em-risco-embraer-financeirizacao-e-a-aquisicao-pela-boeing/


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