6 de mai. de 2018

04. Um péssimo negócio para os trabalhadores

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04. Um péssimo negócio para os trabalhad





 

André Eduardo Becker Krein[1] e José Dari Krein[2]
Caso seja concretizada a compra da Embraer pela Boeing, está claro que o país perde condições de desenvolver-se tecnologicamente, pois pode deixar de desenvolver produtos e processos no Brasil e ficar subordinado às estratégias de uma companhia americana. É uma “tragédia para o país”, como afirmou Belluzzo[3], pois compromete o desenvolvimento tecnológico e constitui um ataque à soberania nacional. No entanto, no presente artigo, o foco é analisar as possíveis consequências para os trabalhadores, que a princípio trazem mais incerteza e preocupação. Em primeiro lugar, porque o histórico da Boeing é caracterizado por políticas antissindicais, além de não criar fidelidade com os trabalhadores e de renovar a sua força de trabalho constantemente. Em segundo lugar, a literatura mostra que os processos de incorporação de uma companhia por outra leva a novas fases de enxugamento de estruturas e, portanto, eliminação de postos de trabalhos. Ou seja, considerando o histórico da companhia e da lógica de fusão de empresas no capitalismo, a grande maioria dos atuais trabalhadores da Embraer podem ter preocupações adicionais sobre a sua perspectiva profissional no segmento de aviação.
Não é de hoje que são conhecidos os métodos de redução de custos e de racionalização da produção e do trabalho adotados por grande parte das empresas no Brasil e no mundo, assim como o crescente descaso dessas empresas para com seus trabalhadores. Entretanto, poucas vezes essas atitudes assumiram tanto descaramento quanto no relato dado por Dana L. Cloud (2011, p. 69)[4] em relação a uma conversa ocorrida com um representante de relações públicas da Boeing em 1999. Segundo a pesquisadora, quando questionado sobre o anúncio feito pela empresa da demissão de mais de 40.000 trabalhadores, o porta-voz da Boeing, alegremente, respondeu que essas demissões eram boas para suas ações e que a habilidade da Boeing de fazer sua produção mais enxuta e de reduzir custos agradava Wall Street.
Longe desse ser um caso isolado, a Boeing possui um histórico de demissões em massa. É uma das empresas que mais demitem dessa maneira nos EUA, de acordo com os dados da empresa Challenger, Gray and Christmas, trazidos pelo jornal The Washington Post.[5] Há notícias todos os anos, nos jornais estadunidenses, de milhares de trabalhadores que são demitidos de acordo com as estratégias da empresa.[6] Para Sean Mullin, um dos trabalhadores da Boeing entrevistados por Cloud (2011, p. 69), a companhia demite funcionários com mais anos na empresa mesmo em períodos de recordes de lucros, e após um determinado tempo abre processos de contratação novamente. O entrevistado afirma também que a Boeing começou a trazer trabalhadores não sindicalizados para fazer o trabalho que anteriormente era feito por sindicalizados, enfraquecendo o sindicato e indicando que a sindicalização pode ser negativa para os trabalhadores. Além disso, como parte do mesmo processo, a empresa passou a substituir contratos sem prazo determinado por contratos temporários. Sobre a contratação desses trabalhadores, nas palavras de Mullin:
Agências de trabalho temporário contratam pessoas na rua por cinco dólares a hora, qualquer um que eles consigam […], e eles os mandam para lá. E eles trabalham por um tempo e depois são mandados embora. Eles recebem cinco, seis dólares por hora. A agência de trabalho temporário provavelmente faz por cima outros cinco, seis dólares por hora. Ninguém possui nenhum benefício. A Boeing é que está ganhando todo o dinheiro, porque ao invés de pagar a um novo trabalhador dez dólares a hora, mais os benefícios, impostos de seguridade social e tudo isso, só o que eles estão pagando são estritos dez dólares por hora […]. E eventualmente eles não vão nem precisar de empregados permanentes. (Cloud, 2011, p. 70, tradução nossa).
Um outro trabalhador entrevistado por Cloud (2011, p. 71), Keith Thomas, afirma que de 1996 para 1997 (período em que ocorreu a fusão com a McDonnell Douglas), a Boeing começou a mudar seu estilo de gerência, de uma companhia que se preocupava com seus trabalhadores e suas famílias para uma companhia que contrata e demite em massa de tempos em tempos, sem motivos aparentes e que extrai as mais possíveis concessões dos trabalhadores remanescentes. Ou seja, além de cortar custos por meio da rotatividade de funcionários e subcontratações, com as constantes ameaças de demissão, a empresa cria um sentimento de medo, forçando os trabalhadores a se subordinarem e se adaptarem à racionalização imposta.
A Boeing se orgulha de ter adotado e constantemente adotar novos processos de reestruturação da produção, como pode ser visto na edição de agosto de 2002 de sua revista Frontiers Magazine.[7] Na publicação, é dito que nos dias atuais não basta meramente cortar custos, é preciso agilizar os processos de produção, tendo como base o modelo lean production[8] e o sistema just-in-time[9]. Assim como exaustivamente debatido pela sociologia e economia do trabalho[10], a implementação dessas medidas faz parte de um conjunto mais amplo de processos vinculados à reestruturação produtiva e ao modelo de produção japonês.
Além de reorganizar a produção e o trabalho, a aplicação desse projeto possui um elemento fundamental: forjar um novo tipo de trabalhador, do qual se espera que seja produtivo, competitivo, moderno, empreendedor, multidisciplinar, polivalente etc. Assim como mencionado anteriormente, esse processo é facilitado pelas constantes ameaças de demissão e enfraquecimento do poder dos sindicatos. De acordo com Keith Thomas, em sua entrevista em 1999:
O nível de estresse é imenso agora. Todo mundo está fazendo o trabalho de todo mundo. Nós fomos ameaçados regularmente até algumas semanas atrás. […] A ameaça deles se torna real para as pessoas pois já está acontecendo, e as pessoas sabem disso. A companhia já está anunciando demissões. (CLOUD, 2011, p. 71, tradução nossa).
Nesse sentido, fazendo referência ao que a Boeing denomina em seus veículos de comunicação de “getting lean” (em alusão à lean production), Thomas afirma que a Boeing estava se tornando “lean and mean” (malvada). O entrevistado ressalta que, se a empresa demite de 40.000 a 50.000 trabalhadores durante os “melhores tempos”, o que esperar quando os tempos forem ruins?
Sobre a percepção pública da empresa, de acordo com Cloud (2011, p. 72), parte da imagem que a Boeing possuía de ser uma corporação amiga dos trabalhadores e da comunidade advinha dos excelentes planos de saúde e de aposentadoria que provia, conquistados há muitas décadas pelas lutas de seus trabalhadores. Entretanto, a partir da década de 1990, a nova abordagem da empresa passou a querer cortar esses benefícios. Segundo a autora, muitos trabalhadores se sentiram insultados por essa atitude, pois eles estavam sendo cada vez mais produtivos e a Boeing estava batendo recordes de lucros. Assim, cortar esses benefícios parecia insensato e foi visto como uma irônica punição por aumentar a produtividade. A partir disso, entre os trabalhadores passou a ficar cada vez mais clara a mudança da cultura corporativa praticada, passando de uma percepção de trabalho seguramente recompensado para um modelo lean production de redução de custos e incremento da produtividade e lucro a qualquer preço.
Verifica-se na Boeing, portanto, a prevalência da lógica de racionalização, em que não se economizam esforços para se enfraquecer o poder dos sindicatos, age-se constantemente por meio da propagação do medo e de ameaças, demissões e subcontratações são utilizadas como formas de reduzir custos trabalhistas e a satisfação e o lucro de seus acionistas não só vêm em primeiro lugar, como em segundo e terceiro também.
Além deste histórico de descaso com os trabalhadores da Boeing, a incorporação de uma companhia por outra leva a novos processos de reestruturação, em que unidades sobrepostas são eliminadas ou reconfiguradas, o que provoca enxugamento do número de empregados. Por exemplo, quando a Royal Dutch Shell se fundiu com a BG Group, foram cortados 2,8 mil empregos, em um ano (2015) que a Shell já tinha demitido 7,5 mil trabalhadores.[11]  O mesmo aconteceu com a AB InBev após a sua fusão com a SABMiller, que anunciou um corte de 3% dos empregos.[12]Outro exemplo foi a incorporação do Unibanco-Real ao Itaú em 2008. O chamado mercado[13]saudou o negócio como bom ao Unibanco, pois poderia fortalecer sua posição no sistema financeiro.  Mas prevaleceu o banco comprador (Itaú), que adotou a prática de reestruturação, chegando a 18.843 demissões entre 2008 e 2012, período em que o banco foi recordista de lucratividade no Brasil. Os bancários de todo o país fizeram uma série de manifestações, mas o Itaú continuou adotando uma política de total insensibilidade, pensando somente no negócio e não na vida das pessoas. Entre tantas ações desenvolvidas pelos bancários merece destaque a realização de uma “missa” em lembrança aos demitidos, tendo como lema: “Adeus, adeus, adeus, demitidos. Depressão e desmaio no Itaú e, quem diria, pro olho da rua o bancário iria.”.[14] Esses são somente alguns exemplos para mostrar que processos de incorporação de uma empresa por outra levam a uma nova rodada de reestruturação, e as demissões são uma consequência do sistema capitalista de produção.
Enfim, a compra da Embraer pela Boeing tende a trazer consequências negativas para os trabalhadores, pois a empresa apresenta um histórico de descaso: a constante prática de substituir força de trabalho, o combate à sindicalização e uma política agressiva de recursos humanos em favor de viabilizar o lucro, em que as demissões são saudadas. Ou seja, a empresa quer ter liberdade de gerir a força de trabalho de acordo com suas necessidades e fazer constantes processos de inovações que lhe garantam maior rentabilidade, tendo como referência a ausência de leis e regras trabalhistas. Há uma preocupação adicional para os trabalhadores:  a constante inovação tecnológica e, consequentemente, a eliminação de postos de trabalho, o que pode agravar ainda mais as perspectivas de se manterem na futura empresa.
Além disso, a experiência histórica mostra que os processos de fusão, incorporação e venda de uma empresa para outra resultam em uma rodada de novas demissões, pois racionaliza a capacidade instalada e elimina sobreposições. No caso da aviação, ainda há um problema adicional, pois as possibilidades de expansão do mercado são muito restritivas no atual contexto mundial e é um setor altamente concentrado. Por isso, o negócio, se concretizado, não tende a ser somente um desastre para o país, mas, principalmente, para os trabalhadores.
Os autores
[1] Mestre em Ciência Política da Unicamp.
[2] Pesquisador do CESIT – Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho da Unicamp.
Referências Bibliográficas
ALVES, Giovanni. Dimensões da reestruturação produtiva. Ensaios de sociologia do trabalho, Editora Praxis, Londrina, Paraná, 2007.
ANTUNES, Ricardo. Os caminhos da liofilização organizacional: as formas diferenciadas da reestruturação produtiva no Brasil. Idéias, v. 9, n. 10, p. 13-24, 2003.
ARAÚJO, Angela Maria Carneiro e GITAHY, Leda. Reestruturação produtiva e negociações coletivas entre os metalúrgicos paulistas. Paper apresentado no XXI Congresso Internacional da Latin American Studies Association – Chicago -Illinois. 24/26 set.1998.
BUSINESS INSIDER. One Day After Securing A Huge Deal With China, Boeing Lays Off 1000 American Workers. Disponível em: http://www.businessinsider.com/boeing-layoffs-orange-county-2011-1. Acessado em 13/02/2018.
CLOUD, Dana L. We are the union: Democratic unionism and dissent at Boeing. University of Illinois Press, 2011.
CNBC. Boeing Announces Big Layoffs in Defense Division. Disponível em: https://www.cnbc.com/id/49729998. Acessado em 13/02/2018.
CTB. Ataque à soberania: Embraer pode ser vendida à norte-americana Boeing. Disponível em: https://portalctb.org.br/site/noticias/brasil/ataque-a-soberania-embraer-pode-ser-vendida-a-norte-americana-boeing. Acessado em 13/02/2018.
DIÁRIO REGIONAL. Shell planeja cortar 2,8 mil empregos após fusão com BG Group. Disponível em: http://www.diarioregionaljf.com.br/economia/565-shell-planeja-cortar-2-8-mil-empregos-apos-fusao-com-bg-group. Acessado em 13/02/2018.
ESTADO DE SÃO PAULO. AB InBev alerta que poderá cortar milhares de empregos após fusão com SABMiller. Disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,ab-inbev-alerta-que-podera-cortar-milhares-de-empregos-apos-fusao-com-sabmiller,10000072124. Acessado em 13/02/2018.
FRONTIERS MAGAZINE. Getting Lean. Disponível em: http://www.boeing.com/news/frontiers/archive/2002/august/cover.html. Acessado em 13/02/2018.
KREIN, José Dari. As formas de contratação: flexibilidade. In: KREI, D. et al. (Org.). Regulação do trabalho e instituições públicas. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2013.
LOS ANGELES TIMES. Boeing to lay off 561 employees in Southern California. Disponível em: http://www.latimes.com/business/la-fi-boeing-layoffs-20141210-story.html. Acessado em 13/02/2018.
REUTERS. Boeing plans to cut up to 8,000 airplane jobs: sources. Disponível em: https://www.reuters.com/article/us-boeing-redundancies/boeing-plans-to-cut-up-to-8000-airplane-jobs-sources-idUSKCN0WW0AF. Acessado em 13/02/2018.
______. Exclusive – Boeing eyes ‘several hundred’ layoffs in satellite division. Disponível em: https://www.reuters.com/article/us-boeing-satellites-exclusive/exclusive-boeing-eyes-several-hundred-layoffs-in-satellite-division-idUKKCN0QT2CD20150824. Acessado em 13/02/2018.
REVISTA EXAME. Unibanco é o maior beneficiado na fusão com Itaú. Disponível em: https://exame.abril.com.br/seu-dinheiro/unibanco-maior-beneficiado-fusao-itau-397896/. Acessado em 13/02/2018.
SINDICATO DOS BANCÁRIOS DE SÃO PAULO. “Missa” homenageia demitidos pelo Itaú. Disponível em: http://spbancarios.com.br/05/2013/missa-homenageia-demitidos-pelo-itau. Acessado em 13/02/2018.
THE BISINESS JOURNALS. Boeing’s state layoffs notice brings recent total to 1,557 jobs cut. Disponível em: https://www.bizjournals.com/seattle/news/2013/06/27/new-boeing-warn-layoff-notice-brings.html. Acessado em 13/02/2018.
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______. Boeing plans 2,000 job cuts in defense work here. Disponível em: https://www.seattletimes.com/business/boeing-plans-2000-job-cuts-in-defense-work-here/. Acessado em 13/02/2018.
THE WASHINGTON POST. The biggest mass layoffs of the past two decades. Disponível em: https://www.washingtonpost.com/news/on-leadership/wp/2015/01/28/the-biggest-mass-layoffs-of-the-past-two-decades/?utm_term=.e62b7999d7cc. Acessado em 13/02/2018.
[4] Dana L. Cloud é professora da Syracuse University e realizou um estudo sobre trabalho e sindicalismo na Boeing, intitulado “We are the Union: Democratic Unionism and Dissent at Boeing” (sem tradução em português), publicado em 2011 pela University of Illinois Press.
[6] Algumas das notícias de demissões e cortes somente nos últimos anos:
[8] A tradução literal seria produção enxuta, na qual se busca reduzir desperdícios relacionados à excessos de produção, tempo de espera, transporte, movimento, estoque, entre outros.
[9] Sistema de produção que visa a redução de estoque, uma melhor administração logística e a ampliação da produtividade, no qual tudo deve ser produzido, transportado e comprado na hora certa.
[10] Ver Araújo (1998), Antunes (2003), Alves (2007) e Krein (2013).
http://embraernossa.com.br/2018/04/03/4-um-pessimo-negocio-para-os-trabalhadores/
foto - http://www.meon.com.br/noticias/regiao/sindicatos-de-3-regioes-se-unem-contra-venda-da-embraer-a-boeing-x
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