8 de mai. de 2018

08. A Embraer no Brasil e o Brasil no mundo: aprofundam-se os elementos de recolonização

08. A Embraer no Brasil e o Brasil no mundo: aprofundam-se os elementos de recolonização

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Marina Sassi[1]
A possibilidade de venda da Embraer – disfarçada sob a máscara de divisão da companhia em segmentos e criação de uma nova empresa – para a estadunidense Boeing pode ser tratada como mais um elemento do aprofundamento da recolonização do Brasil. Os termos finais do acordo ainda não são conhecidos e algumas cortinas de fumaça vem sendo criadas para encobrir o apoio do governo nessa transação. Temer manifestou-se contrário à transferência de controle, porém não utilizou ou sequer cogita utilizar a chamada golden share, ou ação de ouro, para vetar a negociação, que prossegue a todo vapor (GIELOW, 2017).
O significado de um iminente desmonte, por meio da divisão da empresa em segmentos comercial e de Defesa, é certamente desastroso para a nossa soberania econômica e tecnológica e a criação e ampliação de empregos de qualidade. Esse capítulo adicional na recolonização do Brasil atinge diretamente 16 mil trabalhadores diretos, cerca de 5 mil terceirizados e um expressivo número de indiretos.
A Empresa Brasileira de Aeronáutica S/A, Embraer, foi fundada em 1969, durante o regime militar. Foi a concretização de um antigo projeto de militares da Aeronáutica para construir uma indústria aeronáutica no país. Esse projeto estratégico dos oficiais da Força Aérea Brasileira estava ligado à problemática da Segurança Nacional e relacionava-se com o amplo engajamento dos militares no processo político brasileiro:  era plena ditadura militar. (FORJAZ, 2005)
A redemocratização do Brasil foi seguida das novas tendências recolonizadoras durante os anos 1990, em que o país esteve seriamente ameaçado pelo projeto da Alca (Área de Livre Comércio das Américas). Nesta mesma década, em 1994, a Embraer foi privatizada e mudou completamente seu caráter inicial. Em conjunto com a privatização, veio o projeto – ainda tímido nos anos 1990 – de desnacionalização da companhia. O aprofundamento da ideia de uma Embraer internacional, global e cada vez menos brasileira veio junto com a privatização, porém ainda não estava completamente delineado.  Ao final da década, o Brasil não foi nem completamente recolonizado nem transformou-se em um país subimperialista  (ARCARY, 2016)
Os governos Lula-Dilma não reverteram a posição subalterna do Brasil no mundo. Nesse período, houve continuidade da desindustrialização e, no que tange à Embraer, foi acompanhada da desnacionalização com o sistema de parcerias de risco em que os fornecedores foram contratados no exterior. Portanto, além de diminuir a produção industrial interna, deixou de gerar esses empregos no país.  A transferência do segmento de aviação executiva para os EUA, anunciada em 2015 e concretizada em 2016, é emblemática desse processo (OTTOBONI, 2015).
Ao mesmo tempo em que a Embraer se desnacionalizava, com aval do governo e para o júbilo dos que pensam que “se é bom para os EUA é bom para o Brasil’, os patos amarelos começavam a ocupar as ruas, sinalizando uma disputa na correlação de forças na sociedade com uma importante inflexão à direita. A apertada vitória eleitoral de Dilma Rousseff (PT) não se consolidava nas ruas. Numa inversão que causava estranheza, a direita passava a ocupar as ruas e o golpe foi consumado em 2016, com a votação do impeachment.
O objetivo não declarado do golpe parlamentar foi ficando cada vez mais evidente: estancar a crise política na superestrutura do país, ganhar coesão no Congresso Nacional para aprovar reformas que atacam os direitos (trabalhistas, previdenciários etc) e, como consequência, fortalecer o polo burguês que ganha mais com a subalternidade do Brasil aos interesses imperialistas. Basta ver o aprofundamento das entregas das reservas naturais por meio dos leilões do pré-sal, por exemplo, para confirmar a velocidade com que foi cobrado o apoio ao golpe de 2016.
É diante deste cenário adverso que foi anunciada, no final de dezembro de 2017, a possível venda da Embraer para a Boeing. Hoje, a hipótese levantada é de divisão da Embraer com a abertura de uma nova empresa em conjunto com a norte-americana, levando todo o setor comercial (PARAGUASSU, 2018).
Caso a hipótese seja confirmada, estaremos diante do momento mais crítico da indústria aeronáutica brasileira desde a sua criação. Com a área comercial nas mãos dessa terceira empresa, a Embraer será reduzida para cerca de 20% de seu tamanho atual, em termos de faturamento. Inevitavelmente, isso terá um impacto negativo profundo em toda a parca cadeia produtiva nacional, na produção de tecnologia, no emprego de milhares de pessoas e no desenvolvimento das regiões onde está inserida.
A Boeing já demostrou o interesse no controle absoluto da futura empresa. Essa seria uma tentativa de maquiar o verdadeiro significado da transação para que não haja indignação e resistência da população e dos trabalhadores. A “nova empresa” nada mais é do que a submissão da Embraer à velha tendência ao monopólio dentro do capitalismo apontada por Marx. Vemos aqui a óbvia tentativa da gigante norte-americana em abocanhar a única fabricante de aviões localizada no Hemisfério Sul do planeta (ADACHI e TORRES, 2018).
A posição já consolidada da Boeing como líder mundial no segmento da aviação seria reforçada. Por outro lado,  a posição do Brasil no mercado mundial como país que exporta essencialmente commodities e produtos de baixa tecnologia também seria aprofundada. Além de tornar o Brasil mais vulnerável economicamente, a transação também afeta nossa soberania em relação à Defesa militar, uma vez que ao deixar esse segmento isolado, é possível que não sobreviva (BELZUNCES, 2018).
A necessidade de barrar esse processo é urgente. A golden share, que foi criada na época da privatização da empresa justamente para garantir que os interesses nacionais fossem preservados, não pode ser esquecida num momento como este. O governo Temer já mostrou seu lado e sua subserviência ao imperialismo e ainda não utilizou o seu poder de veto para impedir o prosseguimento das negociações com a Boeing, evitando que a Embraer seja dividida e, em seguida, desmantelada.
É preciso, portanto, que o povo brasileiro e, em especial, os trabalhadores da Embraer tenham poder ativo e sejam consultados para decidir sobre os rumos da indústria aeronáutica.
Desta forma, não podemos aceitar nenhuma transferência de controle da empresa. A norte-americana em nenhum momento atenderá nem aos interesses dos trabalhadores nem à soberania brasileira.
Ao contrário do que vem sendo construído na prática, é preciso fortalecer a indústria nacional. Não basta apenas barrar a entrega para a Boeing. É urgente resgatar a Embraer como uma verdadeira fabricante de aviões, e não apenas uma montadora. É preciso também internalizar e adensar a cadeia aeronáutica, acabando com qualquer tipo de terceirização dos fornecedores de peças ou outros serviços.
Esta medida é também a única capaz de ser consequente com uma política de garantia dos postos de trabalho.  Pensar na cadeia produtiva como um todo, e não apenas nos funcionários diretos, é fundamental para o bom desenvolvimento de uma política social, que dê estabilidade no emprego.
Por fim, para que estas exigências sejam garantidas é necessário romper com os interesses também dos acionistas, que hoje são na sua maioria estrangeiros. Com uma indústria estratégica voltada prioritariamente para a geração de lucros aos acionistas estrangeiros, não teremos uma Embraer verdadeiramente nossa, comprometida com a geração de empregos e com a soberania nacional. É preciso que a Embraer volte a ser estatal.
A autora
[1]  Trabalhadora da Embraer, diretora do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região e militante do Movimento por uma Alternativa Independente Socialista (MAIS), corrente interna do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
Referências bibliográficas
ADACHI, V.; TORRES, F. Boeing quer ter o controle de até 90% da ‘nova Embraer’. Valor Econômico, 6 fevereiro 2018. Disponivel em: . Acesso em: 16 março 2018.
ARCARY, V. Uma nota sobre o lugar do Brasil no mundo em um perspectiva histórica. Esquerda Online, 20 dezembro 2016. Disponivel em: . Acesso em: 21 fevereiro 2018.
BELZUNCES, R. A venda fatiada da Embraer à Boeing. A Embraer é nossa, não à venda para a Boeing, 8 fevereiro 2018. Disponivel em: . Acesso em: 16 março 2018.
FORJAZ, M. C. S. As origens da Embraer. Tempo Social, São Paulo, 17, junho 2005. 281-298.
GIELOW, I. Folha de São Paulo, 21 dezembro 2017. Disponivel em: . Acesso em: 16 março 2018.
OTTOBONI, J. Embraer avisa que levará fábrica do Phenom para os EUA. DefesaNet, 12 maio 2015. Disponivel em: . Acesso em: 16 março 2018.
PARAGUASSU, L. Negociações entre Boeing e Embraer para criação de 3ª empresa caminham bem, diz Jungmann. Reuters, 22 fevereiro 2018. Disponivel em: . Acesso em: 16 março 2018.
 http://embraernossa.com.br/2018/04/03/8-a-embraer-no-brasil-e-o-brasil-no-mundo-aprofundam-se-os-elementos-de-recolonizacao/
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