16 de jan. de 2019

BELO SUN: um estudo sobre o conflito entre uma cooperativa de garimpeiros e uma mineradora canadense na Volta Grande do Rio Xingu, Pará, Brasil.1 Dalila Silva Mello - Doutoranda em Meio Ambiente - UERJ Januária Pereira Mello - Antropóloga - INCRA Rosane Manhães Prado – Doutora em Antropologia Social - UERJ . - Editor - FICAM NO AR VÁRIAS DÚVIDAS, MAS ENTRE ELAS DESTACA-SE, COMO CONCEDER A EMPRESA CANADENSE, QUANDO NA REGIÃO JÁ A EXPLORAÇÃO MINERAL ARTESANAL HÁ MUITO TEMPO E NÃO É DE DESCONHECIMENTO OFICIAL. ? POR QUE DAR NOSSAS RESERVAS A UM BANCO E TIRAR DA COMUNIDADE LOCAL. ?

BELO SUN: um estudo sobre o conflito entre uma cooperativa de garimpeiros e uma mineradora canadense na Volta Grande do Rio Xingu, Pará, Brasil.1 Dalila Silva Mello - Doutoranda em Meio Ambiente - UERJ   Januária Pereira Mello - Antropóloga - INCRA Rosane Manhães Prado – Doutora em Antropologia Social - UERJ

RESUMO   A história da mineração na América Latina é marcada por conflitos entre o capital e as populações que residem nas áreas em que ocorrem recursos minerais. O objetivo deste trabalho é caracterizar o conflito socioambiental atualmente existente entre a Cooperativa Mista dos Garimpeiros da Ressaca, Gallo, Ouro Verde e Ilha da Fazenda (COOMGRIF) e a empresa canadense Belo Sun Mineração Ltda pela disputa para o garimpo de ouro da região da Volta Grande do Rio Xingu, no município de Senador José Porfírio, no estado do Pará. O conflito será analisado a partir dos referenciais teóricos da ecologia política da mineração na América Latina (ACSELRAD, 2013; LIPIETZ, 2010; BRUCKMANN, 2015). A inquietação que suscitou esta pesquisa surgiu durante uma viagem, realizada em março de 2016, ao Trecho de Vazão Reduzida do rio Xingu na região da Volta Grande, na qual, numa reunião realizada na Comunidade da Ilha da Fazenda, alguns garimpeiros presentes narraram a história do “garimpo de pequena escala” (CEDLA, 2013) na região associada à Vila da Ressaca e suas preocupações com o Licenciamento Ambiental da Mineradora Belo Sun. Nesse contexto, foi realizada uma investigação preliminar visando problematizar as questões que levaram o Governo do Estado do Pará a fechar o garimpo de pequena escala e autorizar o de grande escala, bem como acompanhar a dinâmica social que envolve o processo de licenciamento ambiental de Belo Sun Mineradora Ltda, que é questionada por causa dos altos riscos socioambientais, mas sobretudo pela denúncia de grilagem de terras que pesa sobre a empresa.   Palavras chaves: Amazônia, conflito, garimpo, licenciamento, mineração.

                                                           1 Trabalho apresentado na 30ª Reunião da Associação Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2016, João Pessoa/PB.


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INTRODUÇÃO

A história da mineração na América Latina é marcada por conflitos entre o capital e as populações que residem nas áreas em que ocorrem recursos minerais, e muito embora existam diferenças entre os países, existe também uma estrutura comum nessa problemática. A inquietação que gerou esta pesquisa surgiu durante uma viagem, realizada em março de 2016, ao Trecho de Vazão Reduzida do rio Xingu na região da Volta Grande, no qual o Ministério Público Federal de Altamira fazia uma oitiva para registrar os sentimentos experimentados por moradores, indígenas e ribeirinhos que habitam a região por décadas, em especial no relacionamento destes com a empresa Norte Energia, que tem como uma de suas condicionantes para a Licença de Operação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, a obrigatoriedade de manutenção de um Plano de Comunicação com os moradores supracitados. Numa reunião realizada na comunidade da Ilha da Fazenda, alguns garimpeiros presentes narraram a história do “garimpo de pequena escala” (CEDLA, 2013) na região associada à Vila da Ressaca, e o conflito atualmente existente com a mineradora canadense Belo Sun e com a Secretaria de Meio Ambiente (SEMA) do Estado do Pará, devido ao licenciamento em andamento de mineração de ouro a cerca de 10 km da barragem da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.. O conflito foi analisado a partir dos referenciais teóricos da ecologia política da mineração na América Latina (ACSELRAD, 2013; LIPIETZ, 2010; BRUCKMANN, 2015), e à luz do provocativo conceito de Mineralo-Estado, desenvolvido por Sacher (2010) que qualifica a jurisdição canadense como um Estado que permite o enriquecimento de uma oligarquia mineral pondo o aparato estatal a seu serviço, levando... [...]  a la concentración de las riquezas minerales del país en pocas manos, mientras los costos socio-ambientales son transferidos al público canadiense casi sistemáticamente. Por todo eso, proponemos en este artículo la calificación de Mineralo-Estado para denominar al Canadá, inspirándonos en el concepto conocido como Narco-Estado. (SACHER, 2010, p.2)

  Desta perspectiva, a investigação das questões que levaram o Governo do Estado do Pará a fechar o garimpo de pequena escala e autorizar o de grande escala serão também conduzidas a partir da perspectiva observada por Acselrad:



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[...] entre as condições de implantação locacional dos capitais, não deveríamos desconsiderar o papel dos Estados nacionais, notadamente nos países menos industrializados, incluindo – e com peso particular, aqueles da América Latina– na oferta das possibilidades mais favoráveis à instalação, em seus territórios, de processos poluentes e ambientalmente degradantes. (ACSELRAD, 2013, p.106, grifo nosso)  O objetivo deste trabalho é caracterizar o conflito socioambiental atualmente existente entre a Cooperativa Mista dos Garimpeiros da Ressaca, Gallo, Ouro Verde e Ilha da Fazenda (COOMGRIF) e a Belo Sun Mineração, empresa canadense, na disputa pelo ouro da região da Volta Grande do Rio Xingu, município de Senador José Porfírio, estado do Pará, bem como acompanhar a dinâmica social que envolve a região, sobretudo, no que diz respeito a este momento em que:

[...] novas dinâmicas territoriais são geradas novamente com a implementação de grandes projetos, como a Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte e o Projeto Volta Grande de Mineração. A instalação da usina resulta em drásticas modificações do meio natural, com barramento de rios, formação de reservatórios, redução de vazão de um grande trecho do rio Xingu, supressão da vegetação, alterações da dinâmica hidráulica do rio, dentre outras inúmeras alterações da paisagem. Tais alterações repercutem na forma de apropriação dos recursos naturais, na interação homem com seu meio, nas relações socioculturais e econômicas estabelecidas pela população local, afetando, assim, sobremaneira direitos territoriais. (IPEA, 2015, p. 9)  O GARIMPO DE OURO DE PEQUENA ESCALA NA AMAZÔNIA. 
 As publicações do Projeto GOMIAM2 descrevem e analisam locais nos quais ocorrem o garimpo de pequena escala na Amazônia, em cinco países: Bolívia, Brasil, Suriname, Colômbia e Peru; e chamam a atenção para o fato de que esta atividade vem sendo muitas vezes discriminada, por ser na maioria dos casos informal e/ou ilegal. Entretanto, os pesquisadores observam também que o garimpo, historicamente, é uma importante fonte de renda para as famílias da região, e foi a partir desta perspectiva, que tive o insight de perceber e olhar com mais cuidado e numa perspectiva menos conservacionista estrita, a situação dos garimpeiros da região da Volta Grande do rio Xingu. A realização de pesquisas para conhecer melhor a atividade garimpeira, que historicamente tem sido criminalizada, é um dos resultados esperados do Projeto GOMIAM, conforme pode ser observado abaixo:                                                            2 GOMIAM é a sigla para Gold Mining in Amazon, um projeto de pesquisa financiado por The Netherlands Organization for Scientific Researchs (NWO).     


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 Nós esperamos que mais conhecimento e consciência venham ajudar no desenvolvimento de políticas adequadas para a regulação ambiental e social do setor e a melhoria das situações de subsistência dos garimpeiros de pequena escala e as comunidades locais” (CEDLA, 2013, Acknowledgements)  Para tanto, faz-se necessário conhecer a história e a geografia do garimpo de ouro na Amazônia, nas suas múltiplas e complexas relações. Assim, a partir dos estudos de Wanderley, que desenvolveu pesquisas na Amazônia Meridional, é importante discutir: Quem são os garimpeiros (ou os escavadores tradicionais do ouro) do passado e do presente? Os garimpeiros artesanais, em geral, são pobres e estão longe dos circuitos superiores de poder e da economia, isto é, da produção e de mercado formal. O horizonte do garimpo artesanal é limitado. O garimpeiro é, em geral, pobre, ou empobrecido, lhe faltando capital e tecnologia avançada. É, portanto, fragilizado financeira, política e socialmente. (WANDERLEY, 2015, p.5)   Na região da Volta Grande do Xingu, como na Amazônia de um modo geral, a ocupação de garimpeiro se caracteriza por uma ação temporária ou com intervalos, uma vez que a atividade em si tem esta característica de ocorrer em fluxos devido à disponibilidade do mineral e/ou da viabilidade econômica de sua extração. Na bacia do rio Xingu, tanto na região da Terra do Meio – uma das áreas consideradas prioritárias para a conservação da Natureza no Brasil, por estar no arco do desmatamento, que fica a montante da recentemente construída barragem da Usina Hidrelétrica de Belo Monte – como na região da Volta Grande, a jusante da barragem, ouvimos relatos de moradores que já exploraram o ouro em pequena escala em diversos garimpos da região norte e nordeste do país, mas que  atualmente têm outra ocupação.  Durante os trabalhos de campo que realizamos na Terra do Meio de 2011 a 2016, vários colonos nos contaram que investiram o dinheiro que ganharam no garimpo na compra de terras para agropecuária. Também ribeirinhos narraram que, quando suas famílias estavam precisando muito de dinheiro, eles iam trabalhar alguns meses mergulhando nas balsas de garimpo no rio Curuá - um afluente do rio Iriri na bacia do rio Xingu.

A mineração de ouro de pequena escala é uma importante oportunidade de renda na Amazônia inteira. Dado que a maioria da mineração é feita nas esferas informais, números exatos não são fáceis de obter. (CEDLA, 2013, p.3) 


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Apesar das dificuldades de mensuração da exploração do garimpo de pequena escala, as pesquisas do Projeto GOMIAM estimam que no Brasil existam 200.000 garimpeiros de pequena escala na Amazônia (CEDLA, 2013, p.3). Estas informações sobre a atividade dos garimpeiros de pequena escala na Amazônia são importantes porque, devido à ilegalidade da maioria dos espaços desta atividade profissional, existe uma aura de preconceito sobre o garimpeiro e o trabalho no garimpo, inclusive por parte dos próprios trabalhadores de garimpo, como nos contava uma cozinheira, que já trabalhou em vários garimpos: 

É como se diz por aqui: o dinheiro do garimpo vem difícil, mas vai fácil. Um pacote de absorvente lá na currutela3 custa oito reais, uma camiseta desta simples que a gente compra aqui por 10 reais, lá é 100 reais. Tudo é muito caro, porque só entra de avião. Eu mesma tive que pagar minha passagem para ir trabalhar lá.

 Os moradores da região do rio Xingu relatam as difíceis condições de trabalho nos garimpos. Outra moradora relata que também trabalhou como cozinheira numa balsa de garimpo, mas que “ficou apenas dois meses porque pegou malária e não quis voltar”. Um colono, ocupante de terras públicas no beiradão do rio Iriri, afluente do rio Xingu, foi mais um ex-garimpeiro que afirmou durante um dos nossos trabalhos de campo, que tinha ganhado muito dinheiro, mas que havia “gastado à toa”, como costuma acontecer com muitos garimpeiros.

O garimpo é informal, gera pouca arrecadação direta para o país, mas, os dinheiros obtidos circulam na cidade, fazendo mover a economia local ou regional. (WANDERLEY, 2015, p.5)  Outro ribeirinho do rio Xingu afirmou que tinha vivido até os 20 anos com a família na região, mas que, como não tinha trabalho lá, saiu para ganhar a vida e trabalhou muitos anos em diversos garimpos na região do Castelo dos Sonhos, um distrito do município de Altamira, Pará. E que voltou recentemente para o Xingu, porque o preço da castanha e do cacau melhorou.                                                             3 São pequenas vilas sempre à beira de estradas em locais isolados, fora das cidades, geralmente com prostíbulos frequentados por garimpeiros, tropeiros, etc. http://www.dicionarioinformal.com.br/Acesso em 25/05/2016 ás 17:59h. 


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O que se extrai dos relatos e dados de campo sobre o ambiente de trabalho do garimpo é que existe mesmo ilegalidade e prostituição, mas é também verdadeiro que muito trabalhadores que têm por ocupação o garimpo estão lá temporariamente, necessitados de conseguir um rendimento maior, e dispostos a enfrentar adversas condições de trabalho para isto. Percebemos ainda que o garimpo coexiste com outras atividades produtivas (como a agricultura, o extrativismo, a pecuária) e que acolhe a população mais pobre e com baixa escolaridade, sendo muitas vezes uma alternativa de obtenção de recursos financeiros a nível local, o que também foi observado por Theije (2007, p. 87): A respeito dos garimpeiros no Brasil, pesquisas mostraram que para muitos a mineração de ouro é uma atividade intermitente, normalmente sazonal (Slater 1994:720). No sul do Pará, trabalhadores rurais incluem ir ao garimpo na “lógica cíclica” do seu trabalho (Schonenberg 2001:399). Isso também foi relatado por MacMillan (1995:73), que mostra que mineradores não são necessariamente camponeses sem terra como é frequentemente pensado, e que para muitos pequenos proprietários mineração oferece uma fonte adicional de renda.
 Por outro lado, a presença do garimpo na vida dessas comunidades ribeirinhas vai além de uma relação econômica. As técnicas e práticas aprendidas no garimpo se mostraram presentes em determinados relatos. Um ribeirinho, morador da Estação Ecológica da Terra do Meio, estava atuando como assistente de campo numa pesquisa da Universidade Federal do Pará sobre a estrutura populacional dos tracajás (Podocnemis unifilis), e conseguia mergulhar muito bem, capturando vários exemplares, o que aumentava significativamente o esforço amostral da pesquisa, e quando foi indagado pela origem de sua habilidade, explicou que estava utilizando a técnica de mergulho aprendida no garimpo. Wanderley (2015, p.5) explica, ainda, que a Lei de 2008, que instituiu o Estatuto do Garimpeiro (BRASIL, 2008), no seu Art. 2º, entende por garimpeiro “toda pessoa física de nacionalidade brasileira que, individualmente ou em forma associativa, atue diretamente no processo da extração de substâncias minerais garimpáveis”. E, que também são denominados garimpeiros: os “donos” de garimpos, os comerciantes de equipamentos, os “balseiros”, os “dragueiros”, e que podem também estar nessa categoria todos os indivíduos autônomos, detentores de certo capital ou com facilidade de acesso aos bancos e financiamentos em geral.




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Tradicionalmente, o garimpeiro, pobre e invizibilizado, era, e ainda é, em geral, visto como explorador individualizado do ouro que luta por sua liberdade trabalhista e financeira, mas contemporaneamente ele procura para isso fazer parte de associações, sindicatos diversos e cooperativas. O garimpeiro de hoje resiste e se mantêm a duras penas, alguns “sem patrão”, mas lutando como podem pela sua existência/modo de vida na atividade mineral. (COELHO, p.6, no prelo)

 Nesta perspectiva, deve-se reafirmar que garimpeiro é uma atividade profissional prevista no Código Brasileiro de Ocupações (CBO) do Ministério do Trabalho e do Emprego e que estes trabalhadores que estão buscando o sustento de suas famílias estão expostos a atividades insalubres e perigosas.  No caso em tela, um morador da região da Volta Grande do rio Xingu, em reunião com a procuradora do Ministério Público Federal de Altamira, em 05/03/2016, na Ilha da Fazenda – uma ilha fluvial, que fica em frente ao garimpo da Vila Ressaca – abriu a reunião afirmando que eles têm dois problemas, Belo Monte e Belo Sun. Disseram que:  Todo mundo tá nervoso por baixo da barragem. Nós que estamos a 13 km, numa ilha, se houver enchente, seremos os primeiros a ir embora. E estamos a 2 km de Belo Sun.
 Na mesma reunião, um morador antigo contou que a comunidade da Ilha da Fazenda cresceu por causa do garimpo, que eles trabalhavam na Vila Ressaca desde 1950, mas moravam na Ilha da Fazenda, e existia garimpo, castanha, pesca e outras fontes de renda, mas que:   Hoje dá vontade de chorar. Antes o pessoal vivia muito bem, produzia farinha, pescava e vendia. Acabou garimpo, seringa, castanha.

 O Relatório Territorial da Região do Médio Xingu (IPEA, 2015) apresenta uma análise dos conflitos fundiários na região. Os autores afirmam que tendo o cuidado de não elaborar uma apologia do garimpo de pequena escala em contraposição à mineração industrial, o estudo afirma que na Vila Ressaca e imediações, o que foi desenvolvido historicamente é de fato uma atividade de garimpo de pequena escala e sem as grandes degradações ambientais e problemas sociais recorrentes em outros casos de garimpo na Amazônia. E que o contingente de trabalhadores é composto por pessoas que se fixaram na região, formando comunidades e se organizando em uma cooperativa para defender


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seus interesses e direitos, os quais estão seriamente ameaçados pelos grandes empreendimentos, citando o depoimento abaixo:

Aqui não tem assassino. A gente é trabalhador! Ninguém quer andar de carrão e de helicóptero, não é essa a intenção. A gente quer sobreviver, a gente quer poder pagar nossas contas, poder dar estudo pros nossos filhos. Poder ter uma casa com luz, com televisão, com energia, que nem já tem, comer, é viver! Eles estão tentando nos encurralar. (...) A gente tá sabendo da jogada deles. É um grupo de empresários, com prefeito, vereador, essa raça aí, e desestimular os pequenos! É isso que tá acontecendo na nossa região. A gente pede que as autoridades competentes que possam tomar a cargo da situação pra resolver nosso problema aqui. Porque a região tá sofrendo (depoimento – grupo da Vila da Ressaca). (IPEA, 2015, p.58)  ARTIMANHAS NOS PROCESSOS DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL DA VOLTA GRANDE DO XINGU: COOPTAÇÃO, APARELHAMENTO, CHANTAGEM DE LOCALIZAÇÃO E SUCATEAMENTO. 
 Mello, Martins e Neffa (2015), ao realizar estudos sobre processos de licenciamento ambiental propuseram o conceito de “artimanha”, para nomear algumas táticas através das quais nos processos de licenciamento ambiental, as empresas ganham força para constranger os atores sociais – aquelas táticas que têm intenção de dolo – geralmente, tecnicamente bem elaboradas, e por isto, dificilmente inteligíveis para o cidadão comum. Os resultados deste estudo propiciaram a formulação de alguns conceitos que visam ajudar o cidadão a entender como alguns licenciamentos são concedidos pelos órgãos licenciadores, embora, estejam em desacordo com a legislação vigente. Então, é proposto o conceito de artimanha, definido pelo Dicionário Aurélio (2015) como “Procedimento ou ato de astúcia dolosa”, para caracterizar alguns tipos de táticas que vêm sendo utilizadas nos processos de licenciamento, que visam burlar a legislação vigente” (MELLO; MARTINS; NEFFA, 2015, p.9)
 Uma artimanha relatada por moradores locais e que vem sendo utilizada pelo capital no Brasil é a cooptação de cientistas nos processos de licenciamento ambiental, o que é feito de forma bastante sutil. Segundo os moradores locais, os empreendedores identificam pesquisadores renomados e contratam seus trabalhos de formas variadas: ora oferecendo “bolsas” para professores de universidades públicas que trabalham em regime de dedicação exclusiva; ora financiando projetos de pesquisa de interesse das universidades, mas que contêm “cláusulas de confidencialidade” dos resultados obtidos pelos pesquisadores com a empresa; ora contratando pessoas físicas ou jurídicas para


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atuarem como “laranjas4” dos pesquisadores. Por meio desta artimanha, os empreendedores minam críticas ao empreendimento, de forma que o direito difuso ao meio ambiente equilibrado fica em segundo plano, frente aos interesses econômicos imediatos individuais e empresariais. Machado e Mello (2015) observam que os fóruns de participação social, atualmente legalizados, tais como comitês de bacias e conselhos, são espaços privilegiados para que os atores sociais locais interajam, em busca do desvelamento destas artimanhas, para formalizar relatórios técnicos – que se tornem instrumentos de denúncias consistentes, que sejam encaminhados à Justiça. 

Percebe-se, no Conselho, a ‘construção da pactuação’: a reunião de forças da comunidade local e da comunidade acadêmica com o intuito de acordar de que maneira os pleitos sociais podem ser levados adiante. Esses pleitos, por sua vez, têm sido reconhecidos e garantidos através das demandas judiciais. Constatou-se, enfim, que o Ministério Público e o Poder Judiciário têm se apresentado como peças chaves no respaldo pelo reconhecimento dos direitos individuais e coletivos contra arbitrariedades realizadas na esfera administrativa da gestão ambiental.” (MACHADO e MELLO, 2015, p. 17).

 Uma segunda artimanha é a inexistência ou o aparelhamento5 dos fóruns de gestão participativa previstos na legislação ambiental. Na região da Volta Grande até o presente momento não foi constituído o Comitê de Bacia do Rio Xingu, previsto na Lei das Águas desde 1997, e nos seus relatos os moradores da região, reunidos na Aldeia Paquiçamba em março de 2016, responsabilizam a Empresa Norte Energia pelo não funcionamento adequado do Comitê Gestor do Trecho de Vazão Reduzida da Volta Grande do Xingu. Vê-se assim como o não funcionamento adequado dos fóruns de gestão participativa fragiliza os atores locais. Uma terceira artimanha observada é o que Acselrad (2013 p. 110) chama de “chantagem de localização”, no sentido de que as grandes empresas podem aprisionar “parcelas importantes das populações locais no interior da ‘alternativa’ de aceitar a promessa de emprego e renda a qualquer custo – mesmo ao custo da submissão a riscos ambientais e sociais acrescidos – ou não ter nenhuma fonte de renda apropriada”. Como                                                            4 Utilizado aqui no sentido de que o pesquisador produz a consultoria solicitada, mas o pagamento é feito em nome de outra pessoa, como, por exemplo, um irmão, um cônjuge ou um aluno. 5 O termo "aparelhamento" aplica-se à tomada de controle de órgãos ou setores da administração pública por representantes de grupos de interesses corporativos ou partidários, mediante a ocupação de postos estratégicos das organizações do Estado, de modo a colocá-las a serviço dos interesses do grupo.  Disponível em  https://pt.wikipedia.org/wiki/Aparelho_(política).



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pode ser observado na Figura 1 (uma fotografia dos outdoors espalhadas pela cidade de Altamira, na véspera do dia em que o órgão licenciador do Estado do Pará anunciou que iria liberar a licença), o parlamentar demonstra seu apoio à instalação da mineradora e afirma sua atuação na obtenção da licença, o que não é uma prerrogativa do legislativo.

.  Figura 1: Foto de outdoor na cidade de Altamira.  Fonte: Cristiane Costa, Abril de 2016.
 Ainda que em outras atividades industriais o capital tenha mais margem para as “chantagens locacionais” do que na mineração, na qual o recurso natural é fixo, ainda assim, existe margem para as chantagens, que, verdadeiras ou falsas, habitam o imaginário dos atores locais, sobre as negociações entre empreendedores e a esfera política local. Conforme pode ser observado no relato de um piloto de voadeira enquanto subíamos o rio Xingu, acima da barragem de Belo Monte:

Aqui nesta localidade do cajueiro, vai ser construída uma ponte saindo do Travessão do Assurini, que vai até Brasil Novo. E de lá para Santarém. Brasil Novo cobrou só 5% e Altamira 20%.
 Uma quarta artimanha do capital é o sucateamento das instituições públicas, que deveriam representar os segmentos sociais mais frágeis. Na legislação ambiental brasileira, o Estado tem a prerrogativa do comando-controle; sendo assim, a função de reconhecer, implantar e gerir os territórios das populações tradicionais é tarefa do Estado. Adotamos para esta discussão, o conceito de população tradicional utilizado pelo projeto que gerou uma publicação do Ministério do Meio Ambiente, organizada por Diegues: 


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No projeto foram consideradas dois tipos de populações tradicionais: as indígenas e as não-indígenas. Apesar desses dois conjuntos de populações compartilharem conhecimentos comuns no que diz respeito ao conhecimento sobre a biodiversidade, há entre elas diferenças importantes, como já foi afirmado. (...) Mas, como explicitado, essas populações tradicionais nãoindígenas (caiçaras, ribeirinhos, amazônicos, sertanejos) receberam forte influência indígena, que se revela não só nos termos regionais, como nas diversas tecnologias patrimoniais de preparação de alimento, cerâmica, técnicas de construção de instrumentos de caça e pesca. (DIEGUES, 2001, p 38, grifos nossos).  Sendo assim, observa-se que, as instituições públicas brasileiras responsáveis pelas Áreas Protegidas (Terras indígenas, Unidades de Conservação da Natureza e Territórios Quilombolas) – respectivamente, Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) – não recebem o adequado suporte do Estado, seja pela falta de destinação adequada de recursos materiais, seja pela falta de recursos humanos destinados aos seus órgãos gestores. Desta forma, somase a assimetria de poder destas populações tradicionais com a de seus representantes oficiais, frente aos interesses econômicos em jogo, o que, perversamente, leva à desmoralização destes órgãos frente à opinião pública, e aos processos de desterritorialização destas populações, que:  ... associam-se fortemente às dinâmicas de acumulação ditas, por David Harvey (2008), por espoliação. Isto porque o capitalismo necessita incorporar territórios não capitalistas à produção de valor para enfrentar as crises de sobre-acumulação, encontrar escoadouro lucrativo para os capitais excedentes e estabilizar o sistema. Estes territórios devem ser, portanto, continuamente abertos para fornecer insumos, trabalho e terra a baixo custo. Constitui-se assim uma relação dialética entre a reprodução ampliada interna ao capitalismo e a expropriação desenvolvida fora do capitalismo. Como a relação é dialética, o “exterior” é condição indispensável do interior, constitutivo do próprio capitalismo. Como ela é contínua, Harvey (2008) prefere chamar a esta acumulação de “por espoliação” em lugar de primitiva. E o Estado tem papel crucial na subordinação deste “exterior”. (ACSELRAD, 2013, p.116, grifos nossos)
 No caso do território brasileiro, podemos observar esta relação dialética, de desterritorialização se dando de uma forma geral, no eixo Sul-Norte, entre o modo de vida urbano-industrial e o modo de vida tradicional.  O modo de vida urbano-industrial é o “interior”, que vive sob a “feitiçaria capitalista” (STENGERS y PIGNARRE, 2005, p. 39), de um sistema que paralisa e captura os atores sociais no interior de “alternativas infernais” ( ACSELRAD, 2013) – situações que parecem não deixar outra escolha além da resignação ou da denúncia


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impotente ante a guerra econômica incontornável, e que necessita de espoliar o território das populações tradicionais para se apoderar dos recursos naturais necessários à manutenção do estilo de vida insustentável e consumista de seus habitantes e, sobretudo perdulário, de suas elites dirigentes.  Para além dessas situações cujos interesses econômicos promovem todo tipo de ilegalidade, vale a pena citar um estudo etnográfico minucioso sobre as relações de poder, os discursos e interesses dos bastidores de processos de licenciamento ambiental, recentemente publicado por Bronz (2016), que demonstra a complexidade desses procedimentos administrativos no âmbito burocrático, os atores envolvidos (pesquisadores, consultores, representantes estatais e empresariais), focando especialmente nas práticas e discursos empresariais de grandes empreendimentos:

De forma semelhante aos estudos técnicos, toda uma série de procedimentos que fazem parte do licenciamento é conduzida por uma estratégia deliberada, por parte dos empresários e seus assessores, para a construção de relações e redes voltadas para viabilizar a implantação dos empreendimentos. Essas estratégias se apoiam em uma série de mecanismos e tecnologias de gestão consagradas internacionalmente nos modelos empresariais, naturalizadas nas práticas dos consultores e internalizadas nos procedimentos de licenciamento: avaliações ambientais, planejamento estratégico, abordagem de stakeholders, audiências públicas, medidas mitigadoras e programas de responsabilidade social e desenvolvimento sustentável. (BRONZ, 2016, p. 48).
 São várias as artimanhas, como as que foram descritas acima que vêm sendo utilizadas por certos representantes/setores do Estado brasileiro coadunados com empresas nacionais e internacionais, para desrespeitar a legislação vigente, nos processos de licenciamento ambiental, em detrimento dos interesses nacionais e das populações locais, conforme observa BRONZ:

As práticas empresariais de gestão adotadas nos processos de licenciamento ambiental, como vimos, costumam ser justificadas por um discurso ideológico que combina as moralidades corporativas da responsabilidade social com as estratégias propriamente empresariais de planejamento em termos econômicos. Não se pode negar que o discurso sobre a aplicação dessas abordagens acaba encobrindo uma relação de poder, ao decretar que os objetivos dos grupos de interesse são parte dos objetivos da própria empresa, ao impor genericamente tal nominação para qualquer grupo social afetado por suas atividades. Em geral, com a adoção dessas abordagens, prevalecem os interesses das empresas sobre os das comunidades. (2016, p. 275)




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EMBATES NO PROCESSO DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL DO PROJETO VOLTA GRANDE DA BELO SUN MINERAÇÃO LTDA
 A empresa Belo Sun Mineração Ltda. é subsidiária brasileira da Belo Sun Mining Corporation, empresa canadense pertencente ao grupo Forbes & Manhattan Inc. A empresa deu início ao processo de licenciamento ambiental com a intenção do que seria a “implantação de empreendimento de lavra e beneficiamento de ouro que corresponderia ao maior projeto de exploração deste metal no país, na modalidade de mina a céu aberto” (ISA, 2013, p. 1), o que é confirmado na entrevista de Helio Botelho Diniz, Vice-presidente de Operações da Belo Sun no Brasil, acessada no site da Forbes & Manhattan:  Uma das maiores conquistas do grupo no Brasil foi o Projeto Volta Grande, direcionado à produção de ouro no estado do Pará, com a Belo Sun Mining. Estamos na fase final dos estudos e licenciamento ambiental para iniciar a produção em 2015-2016. (GAVAÇA, 2016)
 Embora a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará (SEMAS-PA) tenha dado parecer favorável para o Licenciamento Ambiental Prévio em novembro de 2013 (Parecer Técnico COEMA nº 22520/GEEMIN/CLA/DILAP/2013 – Protocolo nº 2012/0000005028), o Ministério Público solicitou novos estudos de impacto por vários motivos. Segundo Oliveira (2014) as populações indígenas não foram devidamente consultadas no processo de licenciamento de Belo Monte, o que ocorreu também com Belo Sun, quando não foram citadas as populações indígenas das Terras Indígenas Paquiçamba (menos de 10 km) e Arara, da Volta Grande do Xingu, como áreas de impactos diretos ou indiretos no Estudo de Impacto Ambiental (EIA RIMA).6 Outros elementos que também não foram citados nos estudos e precisam ser levados em consideração dizem respeito ao fato de que não estão sendo respeitadas as matas ciliares e as áreas de preservação permanente. Soma-se ainda o fato de que a comunidade da Ilha da Fazenda não foi sequer citada nos estudos de impacto, sendo que está localizada na ilha bem em frente à área de exploração. Além disso, várias outras irregularidades foram apontadas no processo de licenciamento de Belo Sun pelo Ministério Público, Defensoria Pública e organizações sociais e ambientais.                                                             6 Após audiência pública realizada pela Belo Sun, foi elaborada uma Nota Técnica de Esclarecimentos das principais questões abordadas na Audiência Pública de Senador Porfírio, em novembro de 2012, que afirma estarem em andamento estudos dos impactos do empreendimento sobre as populações indígenas da região.


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Sendo assim, o caso específico do processo em curso de licenciamento ambiental da empresa Belo Sun Mineração para exploração de ouro na região da Volta Grande merece cuidadosa análise por vários motivos, como serão detalhados a seguir. O Ministério Público Federal de Altamira questionou o fato do licenciamento estar sendo realizado por um órgão ambiental estadual - SEMAS/PA (Processo Nº 2012/0000005028), embora a legislação afirme que por o empreendimento estar localizado na Bacia de um rio federal, ou seja, que atravesse mais de um estado federativo, o procedimento precisa ser realizado pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (IBAMA). Com a definição de que a área de litígio é uma gleba federal, ressurge a discussão como mais um argumento pela necessidade de um licenciamento na esfera federal. Belo Sun e Belo Monte juntas têm impactos sinérgicos e os riscos socioambientais locais e globais tornam-se ampliados, mas apesar do local do projeto de extração minerária previsto pela empresa estar na Área Diretamente Afetada (ADA) e na Área de Influência direta (AID) de impacto da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, conforme pode ser visto na Figura 2, tal fato nem foi citado pelos estudos de EIA RIMA (ISA, 2013).  O fato da área a ser garimpada e da base de extração ser planejada para estarem a cerca de 13 km de distância da barragem da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, a jusante do rio Xingu, aumenta ainda mais os riscos ambientais, tanto no caso das explosões para a extração de ouro da Belo Sun Mineração, que podem provocar algum dano na estrutura da barragem, como também, no caso de vazamento das águas da represa, ou enchentes sazonais comuns na Amazônia, que inundariam a estrutura proposta pela empresa Belo Sun Mineração, prevista para ser construída na beira do rio, o que levaria para o curso do rio Xingu e do rio Amazonas os componentes químicos deletérios provenientes do rejeito da mineração do ouro, que é extremamente preocupante  pois,  os resíduos da extração do ouro,  conforme detalhado no Estudo de Viabilidade do Projeto Volta Grande elaborado pela empresa, o qual informa os elementos deletérios apresentados na Tabela 13-16 do referido estudo.

Dos elementos apresentados, arsênio, antimônio, chumbo, cobre e enxofre podem causar problemas de lixiviação e / ou excesso de consumo de cianeto. No entanto, as concentrações destes elementos presentes nas amostras Volta Grande são suficientemente baixas e não devem ser problemáticos para a lixiviação com cianeto. A presença desses elementos merece atenção no que diz respeito à gestão de rejeitos e efluentes. (BELO SUN, 2015, p. 13-25, grifos nossos.) 


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   Figura 2: Sinergia entre Belo Monte e Belo Sun. Fonte: ISA, 2013.
 Nesse cenário de inúmeras denúncias, foi aberta uma Ação Civil Publica pela Defensoria Publica do Pará (Processo nº 0005149-44.2013.8.14.0005) em favor dos garimpeiros da região. Em março de 2014 foi realizado um Auto de Inspeção7 que incluiu servidores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária ( INCRA),  funcionários da justiça e da empresa Belo Sun Mineração. A inclusão do INCRA se justificou para que fosse verificada a validade do termo de compra das terras a ser explorada pela empresa Belo Sun, uma vez que os garimpeiros alegavam ser a área uma terra pública da União denominada Gleba Federal Ituna. Em decorrência disto, em 30 de novembro de 2015, foram publicadas no Diário Oficial da União as Portarias nº 218 e 220 de 20/11/2015 da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) que, respectivamente, declaram de interesse do serviço público os imóveis da União inseridos na Gleba Pública Federal Ituna: Vila do Galo com 15,760 hectares para fins de regularização fundiária de interesse social beneficiando 63 famílias de baixa renda; e Vila da Ressaca                                                            7 TJ/PA - DIÁRIO DA JUSTIÇA - Edição nº 5464/2014 - Sexta-Feira, 21 de Março de 2014


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com área de 8,9266 hectares para fins de regularização fundiária de  interesse social beneficiando176 famílias de baixa renda e promovendo o reconhecimento dos direitos sociais de moradia, de propriedade da União e de desenvolvimento social. Desta forma, resta saber se as Portarias da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) representarão de fato uma pá de cal desse litígio tão desigual. Pois, o objetivo das portarias é de regularizar e fixar os garimpeiros das vilas do Galo e da Ressaca, o que inviabilizaria assim o projeto minerário de Belo Sun. 

Figura 3: Previsão da Infraestrutura da Mina. Fonte: BELO SUN, 2016. Uma dúvida maior surge ainda nesse contexto de especulação e incertezas fundiárias, pois a Figura 3 sugere uma sobreposição da área do empreendimento com a área destinada pelo SPU para a moradia dos garimpeiros.  Se as vilas estão localizadas na Gleba Federal Ituna, compreende-se que a Gleba é bem maior e que abrange a área do projeto de exploração de Belo Sun. Nesse caso, é preciso questionar judicialmente  a validade do termo de compra de terras pela Belo Sun Mineradora Ltda. De acordo com Barreto (2007), a Gleba Ituna é terra integralmente de propriedade da União, possuindo áreas ainda não discriminadas, dando margem a práticas de grilagem e apropriações ilícitas de terra pública. [...]Assim, a aquisição pela empresa das áreas de garimpo não se configuraria como ato legítimo. Por consequência, a interdição do trabalho de garimpo por particular se configuraria como ação irregular e ilegal. Diante da situação, a Defensoria Pública do estado do Pará impetrou ação civil pública na justiça estadual contra a empresa e os supostos donos dos garimpos. Segundo a petição, apesar de não ter obtido nenhuma licença ambiental, inclusive para a instalação do empreendimento, a empresa iniciou a aquisição de terras públicas federais, de pessoas que se dizem proprietárias e donas de garimpo ou antigos garimpos, como forma de retirar as famílias das áreas. (IPEA, 2015, p.55, grifo nosso)



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Outro ponto de conflito entre a cooperativa de garimpeiros é que a empresa detém autorização do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) para pesquisa mineral na região da Volta Grande do Xingu a partir de 1976 (processos nº 805.657/76, 805.658/76, 805.659/76, 812.559/76) (ISA, 201: p. 1).  Entretanto, o local solicitado pela Belo Sun para lavra no DNPM não é uma área nova de extração. Ao contrário, trata-se de uma conhecida região de garimpagem, com cinco comunidades ribeirinhas que exploram a região desde a década de 40: Vila do Galo, Vila da Ressaca, Ilha da Fazenda, Ouro Verde e Grota Seca. (IPEA, 2015). De forma que, não está sendo levado em consideração o Art. 14 da LEI Nº 7.805, de 1989 que cria o regime de permissão de lavra garimpeira, nem o Art. 5 do Estatuto do Garimpeiro, que garante a prioridade de lavra para os garimpeiros de pequena escala: 

Art. 5º As cooperativas de garimpeiros terão prioridade na obtenção da permissão de lavra garimpeira nas áreas nas quais estejam atuando, desde que a ocupação tenha ocorrido nos seguintes casos: I em áreas consideradas livres, nos termos do Decreto Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967; II em áreas requeridas com prioridade, até a data de 20 de julho de 1989; e III em áreas onde sejam titulares de permissão de lavra garimpeira. Parágrafo único. É facultado ao garimpeiro associar-se a mais de uma cooperativa que tenha atuação em áreas distintas.
 E, finalmente, do ponto de vista ambiental – frente à alta probabilidade de vazamento dos rejeitos de mineração no rio Xingu, que irão afetar imediatamente o Arquipélago Fluvial do Tabuleiro do Embaubal, região cientificamente reconhecida a nível mundial em função da sua grande importância como área de reprodução de espécies da bacia do Rio Amazonas, que fica localizada a poucas dezenas de quilômetros a jusante da área pretendida pela mineradora –, bem como mediante o fato de que o Governo do Estado do Pará ter recentemente criado, devido a intensa demanda da sociedade civil e da comunidade acadêmica, duas Unidades de Conservação da Natureza naquele arquipélago, que desde 2013, já se encontrava com todo o processo de consulta pública pronto, o empreendimento Belo Sun é de alto risco socioambiental, considerando a estatística atual de vazamento de reservatórios de rejeitos da mineração em todo o mundo, tal como ocorreu no emblemático caso de Mariana no Brasil. 





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CONSIDERAÇÕES FINAIS: SERÁ AINDA POSSÍVEL UM GANHA-GANHA?

Apesar da desproporcional força econômica entre o capital e a comunidade local, a implantação do empreendimento vem sendo postergada como pode ser observado na entrevista dada por Helio Botelho Diniz, Vice-presidente de Operações da Belo Sun no Brasil, disponível no site da Forbes e Manhattan, na qual ele afirmou que “Se tudo correr como o planejado, poderemos produzir cerca de dez toneladas de ouro por ano, no final de 2015 ou no início de 2016.”  ( GAVAÇA, 2016) Esta situação de demora na implantação dos empreendimentos é um fenômeno global investigado por pesquisadores (FRANKS, DAVIS, BEBBINGTON, ALI, KEMP, SCURRAH, 2014) que demonstram como os conflitos gerados pelos riscos sociais e ambientais têm se traduzido em altos custos para as empresas. E, que frente a isto, uma compreensão da relação entre risco ambiental e social e o sucesso do projeto tem o potencial de melhorar os resultados de sustentabilidade do desenvolvimento em grande escala nas indústrias extrativas. De forma que a ciência da sustentabilidade possa se beneficiar de uma maior compreensão dos encargos relativos dos riscos sobre empresas e comunidades, e contribuir para que os projetos de responsabilidade social das empresas evoluam de uma fase inicial de maquiagem, para uma fase de “diplomacia ambiental” (SUSSKIND, 2015).  É essa compreensão, e são os mesmos resultados em prol da sustentabilidade, que espero enriquecer com as questões abordadas neste trabalho, bem como com os seus desdobramentos que buscarei desenvolver.

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 BELO SUN, 2016. Belo-Sun-mining-corp-corporate-presentation-april 2016. Disponível em: http://belosun.com/volta_grande/feasibility_study_results/ Acesso em : 14/06/2016 ás 15:58h


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BRASIL. Decreto lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967. - Dá nova redação ao Decreto lei Lº 1.985, de 29 de janeiro de 1940. (Código de Minas ou da Mineração). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0227.htm
 BRASIL.  Lei nº 7.805, de 18 de julho de 1989.- Altera o Decreto Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967, cria o regime de permissão de lavra garimpeira, extingue o regime de matrícula, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7805.htm Acesso em: 19/06/20016 às 20:21h.
 BRASIL. Lei nº 11.685, de 2 de junho de 2008 - Institui o Estatuto do Garimpeiro e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11639.htm.
 BRONZ, Deborah. Nos bastidores do licenciamento ambiental: uma etnografia das práticas empresariais em grandes empreendimentos. Rio de Janeiro: Contracapa, 2016. 480p.
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