27 de jun. de 2016

Caciques e Índios: Como se deu a distribuição de doações de campanha do PMDB nas eleições de 2014


Caciques e Índios: Como se deu a distribuição de doações de campanha do PMDB nas eleições de 2014

Análise do fluxo do dinheiro nas eleições passadas indica porque certos políticos são tão poderosos
Bruno Carazza dos Santos
A Operação Lava Jato tem abalado as estruturas do sistema partidário brasileiro, e a cada delação ou operação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal o perigo ronda as cabeças coroadas dos principais partidos políticos. Enquanto boa parte da cúpula do PT já caiu (ontem foi a vez de Paulo Bernardo), a delação de Sérgio Machado apontou a metralhadora (ainda não foi a ponto 100!!!) para os caciques do PMDB: José Sarney, Renan Calheiros, Eduardo Cunha, Romero Jucá, Henrique Alves e até o presidente interino Michel Temer foram citados – embora o último ainda não esteja sendo investigado, pelo menos até onde informa a imprensa.
O propósito deste artigo é demonstrar como o sistema de financiamento eleitoral molda a forma de relacionamento entre esses “caciques” partidários e seus correligionários. A ideia central é verificar como os partidos – por meio de seus diretórios e comitês – distribuem, entre seus candidatos, o dinheiro arrecadado junto a pessoas físicas e jurídicas e recebido por meio do Fundo Partidário. Minha hipótese é que a centralidade assumida por determinados líderes partidários advém da sua capacidade de distribuir os recursos de campanha, “comprando” assim lealdade para o exercício desse poder – tanto dentro do partido quanto na cena política nacional.
A escolha do PMDB para realizar este exercício foi intencional: trata-se do maior partido brasileiro, com grande capilaridade no território nacional e ainda um dos principais arrecadadores de doações eleitorais (veja análise que fiz comparando PT, PSDB e PMDB nesse quesito). Alerto de antemão que os dados apresentados a seguir não permitem fazer nenhuma inferência em relação às investigações da Operação Lava Jato – apenas revelam características de nosso sistema político que indicam como o poder é conquistado e consolidado no âmbito dos partidos.
Feitos esses esclarecimentos, vamos aos fatos. Como ponto de partida, eu tomei todos os recursos distribuídos pelos diretórios (nacional, regionais e municipais) e pelos comitês estaduais e de campanha dos candidatos do PMDB nas eleições de 2014 – para democratizar a informação, todos os dados que eu compilei para a minha pesquisa de tese estão disponíveis para qualquer interessado aqui. Como a legislação brasileira permite que (i) os diretórios e os partidos repassem os recursos recebidos de indivíduos, empresas e do Fundo Partidário diretamente para os candidatos e (ii) que os candidatos façam doações entre si, o primeiro trabalho foi verificar quais foram os grandes distribuidores de recursos do PMDB nas eleições passadas. Os resultados estão dispostos no gráfico abaixo:
caciques 1
Para quem quiser visualizar melhor os dados em cada ponto, clique aqui para acessar o software Tableau. 
A observação do gráfico acima já evidencia o poder dos grandes caciques partidários. Nas eleições de 2014, a maior parte dos recursos distribuídos pelo PMDB a seus candidatos coube ao Diretório Nacional (então comandado por Michel Temer) e pelos Comitês Estaduais ou Diretórios Regionais do Rio de Janeiro (dominado por Eduardo Cunha), do Rio Grande do Norte (reduto de Henrique Alves), de Alagoas (Renan Calheiros), do Amazonas (Eduardo Braga) e de Roraima (Romero Jucá), assim como pela campanha a governador de Eunício Oliveira (do Ceará). Em outras palavras, os órgãos partidários sujeitos à influência dessas 7 lideranças nacionais do partido movimentaram mais de R$ 550 milhões legalmente arrecadados pelo partido nas últimas eleições!!!
Daí começa a se delinear o poder que esses políticos possuem dentro dos partidos. Como nas eleições brasileiras o dinheiro é cada vez mais determinante do resultado das urnas (diversas postagens deste blog corroboram essa impressão), saber em quais candidatos esse volume de recursos é “investido” pelos partidos é fundamental para saber como a disputa eleitoral é jogada.
Tome-se, por exemplo, a distribuição de recursos pela instância máxima do PMDB, o Diretório Nacional. O gráfico abaixo demonstra que a parcela mais significativa destinou-se às representações regionais do partido (marcados em azul). Dentre os 27 Estados, os destaques continuam sendo os mesmos núcleos dominados pelos caciques Eduardo Cunha, Henrique Alves, Renan Calheiros, Eduardo Braga, Romero Jucá, etc. Uma outra parte significativa foi transferida para os comitês de candidatos a governador pelo partido: Eunício Oliveira (CE), Paulo Skaf (SP), Vital do Rego Filho (PB), João Raimundo Colombo (SC) e Roberto Requião (PR) ficaram com a “parte do leão”.
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Quer ver com mais detalhes? Acesse o Tableau aqui.
É interessante notar como a direção nacional do partido escolheu determinados candidatos a deputado federal para receber valores vultosos. Observando os quadradinhos verdes, é possível ver que, por exemplo, Leonardo Quintão (MG) recebeu mais de R$ 1,5 milhão do Diretório Nacional do PMDB para custear sua campanha de reeleição. Suspeito que, ao escolher poucos candidatos a deputado federal para receber grandes somas de dinheiro, o partido escolhe previamente seus futuros líderes e figuras-chave (relatores, membros de comissões, etc.) na próxima legislatura.
Aliás, essa informação delineia um outro fato instigante (mais uma vez, devo esta observação ao cientista político Bruno Wanderley Reis): por meio da distribuição de recursos, os partidos definem uma espécie de “lista fechada” em que um grupo reduzido de candidatos recebem maiores volumes de doações partidárias. Em outras palavras, a ordem de preferência dos candidatos feita pela cúpula do partido não é definida em prévias, mas na distribuição dos recursos arrecadados pelo partido.
Como evidência que corrobora a aceitação dessa hipotese, os gráficos abaixo demonstram o quanto cada candidato a Deputado Federal e Deputado Estadual recebeu em cada Estado nas últimas eleições – quanto maior a distância entre as bolinhas, mais desigual a divisão de recursos do partido entre seus próprios candidatos.
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Você pode consultar o montante que cada deputado recebeu do partido em todos os Estados clicando em cada bolinha neste link.
A disparidade na distribuição dos recursos entre os candidatos do PMDB em cada Estado torna evidente que alguns são “escolhidos” pelo partido, em detrimento da imensa maioria que recebe pouco ou nada. Identificar quais são os critérios dessa distribuição – chance de vitória, popularidade, proximidade a grandes doadores de campanha, afinidade a determinados temas econômicos ou sociais – é uma área de pesquisa fundamental para se compreender como se organiza o poder no sistema político brasileiro.
Nesta primeira aproximação, a conclusão a que chego analisando o padrão de distribuição de recursos arrecadados pelos diretórios e comitês do PMDB nas últimas eleições é que os grandes líderes partidários – que assumiram representatividade nacional a partir de sua atuação regional – extraem grande parte de seu poder político da capacidade de comandar a distribuição de recursos eleitorais entre seus correligionários nas campanhas eleitorais.
Dado o poder do dinheiro no resultado das eleições, a liberdade de alocar as doações recebidas pelo partido entre seus candidatos do partido, esses caciques partidários “compram” lealdade de seus correligionários, criando verdadeiras “bancadas” personalistas. Talvez venha daí a dificuldade histórica de deputados e senadores cassarem esses figurões da política quando apanhados em situações de corrupção ou quebra de decoro. Só quando um agente externo (PF, MP ou o STF) entra no jogo e mobiliza a opinião pública por meio da imprensa é que o jogo vira. Eduardo Cunha que o diga.
Texto atualizado às 10:58h do dia 24/06/2016.
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