O contrabando de ouro para Inglaterra (1721) - O caso Wingfield
Em 10 de Setembro de 1721, D. João V assinou em Lisboa um decreto para que o Desembargador
Manoel de Azevedo Soares, Corregedor do Crime da Corte, tomasse, em segredo, as denúncias de
António Barros Cardoso*ess
Ao longo de boa parte da primeira metade se setecentos Portugal fruiu de grandes riquezas em
metal precioso sobretudo provenientes do Brasil1. A extracção de ouro na colónia até 1698, apesar
de minguada, já prometia, mas a abertura da estrada directa do Rio do Janeiro para as zonas de
exploração aurífera, em 1700, trouxe certezas quanto ao volume de riqueza por explorar, à impor-
tância económica dos achados e à necessidade de braços para dar curso a tão importante empresa.
Iniciava-se assim a aventura mineira geradora de uma ambição desmedida por parte dos explora-
dores que cresceram em número ao ponto de, vinte anos volvidos, uma Lei de D. João V determi-
nar a proibição das passagens para o Brasil, apenas admitindo como excepção as pessoas investidas
em cargos públicos2.
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Mas, as riquezas auríferas do Brasil despertaram não apenas o interesse e o entusiasmo dos
colonos mais aventureiros e ávidos de conseguir fortuna fácil, mas também o apetite de muitos mer-
cadores estrangeiros sediados nas praças económicas dos reino3. Os britânicos do Porto e de Lisboa
contam-se entre os mais activos e também entre os que, mais frequentemente, se encontraram envol-
vidos nos negócios com a antiga colónia que acumularam com práticas ilegais no que se refere ao
trato com metais preciosos. Para o Porto, são conhecidos casos de contrabando de ouro escondido
nos cascos de vinho que saíam a barra do Douro rumo a portos ingleses. Tais práticas remontam a
1683, altura em que o Cônsul Walter Maynard a pedido dos mercadores da Feitoria do Porto, enviou
uma petição para Londres com o objectivo político de pressionar o governo de Iisboa a autorizar a
exportação de metal precioso aos súbditos ingleses4, legalizando o que até aí eram actos ilícitos. A
resposta por parte de Portugal foi firmemente negativa e o caso Wingfield, que abordaremos ao
longo destas linhas, ocorrido com membros da feitoria inglesa da capital, torna evidente essa firmeza.
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A denúncia e instrução do processo Wingfield
* Departamento de História da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
1A História tem tido grandes dificuldades em medir essas riquezas. O Barão de Eschwege, técnico alemão chamado por D. João VI, calculou a extracção em 63417 arrobas de ouro no período compreendido entre a descoberta das minas e a independência do Brasil, ou seja o equivalente a 13000000 de libras. Calogeras subiu esse valor para as 135000000 libras e o Barão de Humboldt para 194000000. Há autores contemporâneos como Simonsen que apontam a cifra de 50000000 libras e Lúcio de Azevedo fala de 100000000 libras. SILVA, Maria Fernanda Espinosa Gomes da, Ouro do Brasil, in "Dicionário de História de Portugal" dir. Joel Serrão, Vol. IV, Porto, 1985, p.499.
2 AZEVEDO, João Lúcio de - Épocas de Portugal Económico, Iisboa, 1988, p. 311.
3 A importância do ouro brasileiro para a economia francesa foi detalhadamente analisada em recente artigo de MORINEAU, Michel - Or brésilien et croissance économique au XVIIIe Siécle. "Revue d'Histoire Moderne et Contemporaine", 48 - 2/3, Avril- Septembre 2001, Paris, p. 345-306.
4 SELLERS, Charles - Oporto Old and New, London, 1899, p. 51.
1A História tem tido grandes dificuldades em medir essas riquezas. O Barão de Eschwege, técnico alemão chamado por D. João VI, calculou a extracção em 63417 arrobas de ouro no período compreendido entre a descoberta das minas e a independência do Brasil, ou seja o equivalente a 13000000 de libras. Calogeras subiu esse valor para as 135000000 libras e o Barão de Humboldt para 194000000. Há autores contemporâneos como Simonsen que apontam a cifra de 50000000 libras e Lúcio de Azevedo fala de 100000000 libras. SILVA, Maria Fernanda Espinosa Gomes da, Ouro do Brasil, in "Dicionário de História de Portugal" dir. Joel Serrão, Vol. IV, Porto, 1985, p.499.
2 AZEVEDO, João Lúcio de - Épocas de Portugal Económico, Iisboa, 1988, p. 311.
3 A importância do ouro brasileiro para a economia francesa foi detalhadamente analisada em recente artigo de MORINEAU, Michel - Or brésilien et croissance économique au XVIIIe Siécle. "Revue d'Histoire Moderne et Contemporaine", 48 - 2/3, Avril- Septembre 2001, Paris, p. 345-306.
4 SELLERS, Charles - Oporto Old and New, London, 1899, p. 51.
António Barros Cardoso 364
pessoas que, em contravenção às leis do reino, mandavam para fora ouro ou prata, fosse em moeda,
barra ou por outra qualquer forma.
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Provadas as denúncias, lê-se no mesmo decreto, os culpados deveriam ser imediatamente pre-
sos e sequestrados os seus dinheiros bens e fazendas, ficando deles depositário até à conclusão dos
procedimentos criminais, António de Oliveira Carvalho, oficial maior da Secretaria de Estado. É
claro que aos delatores ficava reservada uma parte desses bens, em conformidade com a Lei5.
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O decreto real visava Fernando Wingfield e Duarte Roberto, homens de negócio ingleses que,
sem licença de Sua Majestade, continuamente, mandavam grandes somas de dinheiros, de ouro
em pó e em barra para Inglaterra Olanda eArnesterdam, fazendo nestes descaminhos hum gravíssimo
damno a real fazenda6. Tratava-se pois de um claro caso de contrabando.
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Os factos constantes da denúncia remontavam a 1716. Nesse ano, nos meses de Outubro e
Novembro os citados mercadores ingleses fizeram transportar a bordo do navio Isabella, de que
era capitão Duarte Puleston, grandes somas em dinheiro, entregues ao comissário do seu corres-
pondente em Amesterdão, Joseph Seiginoa. O caso só se tornou conhecido porque o navio em
causa se afundou e com ele a preciosa carga. O referido comissário quis que a perda destes cabedais
ficasse por conta dos citados Fernando Wingfield e Duarte Roberto, elegendo para tanto louvados
que avaliassem as perdas. O denunciante deste caso, que manteve o anonimato, disse que teve
conhecimento dos factos através de um homem casado, morador em Belém e proprietário de uma
casa de pasto, entretanto falecido. Tratava-se Nicolau Jones, também de nacionalidade inglesa.
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De forma continuada, afirmou o denunciante, este britânico era quem levava dinheiro amoeda-
do e ouro em pó ou em barra a bordo de navios estrangeiros, fossem mercantes, de guerra, ou
paquetes que estivessem prestes a sair da barra rumo a portos de outras nações. Acompanhavam-
no geralmente a bordo dos navios, Manuel Caetano e Manoel Carvalho. Certo era que os valores
em causa pertenciam aos mercadores ingleses Fernando Wingfield e Duarte Roberto. Consta
ainda da denúncia que só de uma das vezes foram transportadas a bordo de um pataxo que foi
denunciado e por isso aprisionado no Tejo, duzentas e cinquenta moedas de ouro, aproximadamente.
Tratava-se do navio Henrique e Maria, capitaneado por João Moore.
Toda a tese em PDF] O contrabando de ouro para Inglaterra (1721) - O caso Wingfield & C.
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de AB Cardoso
O contrabando de ouro para Inglaterra (1721) - O caso. Wingfield & C. â. António Barros Cardoso. Estudos em Homenagem a Luís António de Oliveira Ramos. |
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