24 de mai. de 2017

Fenômeno gestor: demagogia e soluções fáceis para questões difíceis

Fenômeno gestor: demagogia e soluções fáceis para questões difíceis
Quarta-feira, 24 de maio de 2017

Fenômeno gestor: demagogia e soluções fáceis para questões difíceis

Foto: Reprodução/Facebook/João Doria
A demagogia é uma forma de corrupção da democracia que se baseia e se justifica justamente pelo apoio popular. Pela demagogia, são apresentadas soluções fáceis para questões difíceis. Na imensa maioria das vezes, ignoram-se variáveis relevantes a fim de criar oposições simplistas, a fim de que a proposta do demagogo surja como intuitiva, surja como uma conclusão necessária para dirimir o problema enfrentado – ainda que só sirva à solução do problema nos limites superficiais em que fora exposto.
A demagogia não tem preferência ideológica ou político-partidária. Pelo contrário: é quase uma máxima a ser observada no campo da pragmática política: não cola discutir soluções difíceis – que são as únicas soluções reais para questões sociais essencialmente complexas – com uma população que só quer uma resposta que caiba em duas ou três sentenças. Isso não ganha voto! É preciso um Messias… e um Messias que faça milagres!
Sem prejuízo dessa isenção ideológica do demagogo, no contexto do Brasil de 2017 um tipo especial de demagogo tem chamado a atenção deste articulista: é a figura do político-não-político, do “gestor”. É o sujeito supostamente desinteressado na política. Quem trabalha por amor à coisa pública. Diferente do político de carreira, o gestor só quer o bem do povo; afinal, é cidadão de condição financeira tranquila por seu próprio mérito. Além disso: a condição de suposto não-político é repetida como um mantra. E é aí que emerge a problemática: deliberadamente o “gestor” estrutura a sua forma de fazer política justamente na imagem de não-político. É um cínico… e um grande risco para a democracia como um todo e em especial para a classe menos abastada.
Versando sobre economia, o gestor ergue o seguinte trunfo: “vejam o sucesso das minhas empresas: se eu consegui fazer fortuna na esfera privada, é natural que eu me destaque na esfera pública, o Estado em nada difere de uma grande empresa”. Entretanto, maliciosamente ignora que o Estado não vive exclusivamente para o lucro como vivem as empresas. O Estado também existe para cumprir uma série de programas delimitados por aquele livrinho tão desimportante e que anda tão em baixa, a tal da Constituição Federal de 1988. Não é preciso ser nenhum comunista-esquerdista para interpretar que constituem os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
(i) construir uma sociedade livre, justa e solidária;
(ii) garantir o desenvolvimento nacional;
(iii) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e
(iv) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (ao menos é o que consta da Constituição Federal em seu art. 3º).
E de fato nenhum desses objetivos são fáceis de se alcançar. Não se trata simplesmente da alocação racional de recursos e logística. Exige-se muito mais de um verdadeiro político além da gestão financeira: um político também tem que saber gerir interesses. E talvez essa seja a parte mais difícil! É cínico quem ignora que a política pressupõe acordos e gestão de interesses de aliados e opositores. É cínico quem ignora a pragmática da política, em que pese esteja agindo pragmaticamente ao sustentar essa postura.
O trunfo econômico supracitado – que afaga os espíritos mais liberais – pode vir acompanhado por uma relação peculiar de mescla de privado com o público, além de uma boa dose de conservadorismo. Por exemplo: para limpar a cidade, ignora-se a variável do “patrimônio cultural” e joga-se tinta indiscriminadamente em grafites altamente valorizados pela comunidade, sem distingui-los de pichações. Para limpar a cidade do problema das drogas, age-se em repressão truculenta e internação compulsória de dependentes químicos. Ou ainda: por ter condição financeira tranquila, não raro o “gestor” pode abrir mão do seu próprio salário no ofício político. Como multimilionário, o salário do cargo público torna-se irrelevante; contudo, o ganho de capital político por deliberadamente abrir mão de alguns trocados é gigantesco! Afinal, salta aos olhos a ideia de alguém disposto a trabalhar exclusivamente por amor à pátria. Win-Win. E seguem as doses de demagogia.
Outras soluções fáceis típicas de um demagogo merecem nota – que embora não sejam características essenciais do “gestor”, não raro representam o ideal dos seus eleitores. Em matéria de Segurança Pública, por exemplo, a partir da oposição do “cidadão de bem” ao “vagabundo”, justifica-se a postura autoritária e altamente repressiva do Estado ao comando do demagogo. Esquece-se, no entanto, de inúmeras variáveis relevantes do fenômeno de marginalização que constrói o “marginal”.
Em outro exemplo, em matéria de criminalização das drogas e na mesma referida oposição entre “cidadãos de bem” e “vagabundos”, enaltece-se a guerra às drogas, mas sem buscar o sentido histórico dessa guerra e sem encarar condicionantes sociais do uso e abuso de drogas. Dessa forma, sem prejuízo de outros exemplos que seguem o mesmo pensamento, por um resumo simplista e uma oposição burra tudo o que demagogo propõe se justifica como consequência lógica; porém, se justifica numa lógica míope. Míope mas altamente perigosa. Míope mas possivelmente determinante nas próximas eleições presidenciais.
Guilherme Fonseca de Oliveira é advogado, Mestre em Ciência Jurídica pela UENP (Bolsista CAPES). Especialista em Direito Constitucional pelo IDCC. Graduado em Direito pela UEL. 
http://justificando.cartacapital.com.br/2017/05/24/fenomeno-gestor-demagogia-e-solucoes-faceis-para-questoes-dificeis/
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