7 de jun. de 2017

Mais de 200 organizações cobram que a FAO redefina seu conceito de floresta

Mais de 200 organizações cobram que a FAO redefina seu conceito de floresta

FAO deve reconhecer que plantações não são florestas. Esse é o pedido feito em carta por organizações da sociedade civil de todo o mundo


21 de março, Dia Internacional das Florestas, 200 organizações da sociedade civil e grupos de todo o mundo reivindicam que a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) altere sua definição de floresta, datada de 1948. Em carta¹, explicam que trata-se de uma visão enganosa e ultrapassada que permite com que a indústria de madeira, celulose, embalagens e papel esconda os impactos ambientais, políticos e sociais das grandes plantações de monoculturas de árvores. O programa da FASE no Espírito Santo, que historicamente luta contra o deserto verde, está entre os grupos que endossam a iniciativa.
A definição de floresta da FAO permitiu ainda que a indústria chamasse desonestamente de “florestas plantadas” aquilo que, na verdade, são suas monoculturas de espécies de árvores de rápido crescimento, como eucaliptos, pínus, seringueiras ou acácias. Isso porque define uma floresta apenas em função de altura mínima, área coberta e porcentagem de cobertura de copa. Essa definição equivocada de floresta da FAO também foi usada como modelo para mais de 200 definições nacionais e internacionais.
O pedido para redefinição do conceito de floresta da FAO já tinha sido feito por cerca de 130 mil grupos e indivíduos no Congresso Florestal Mundial², em 2015. Sob o disfarce dessa definição, e usando nomes diferentes como “florestas plantadas”, “florestamento”, “plantações florestais” para fazer a lavagem verde de suas atividades, a indústria tem conseguido se expandir em ritmo acelerado, principalmente no Sul global, onde as plantações de monoculturas de árvores agora cobrem várias dezenas de milhões de hectares. Essa expansão rápida trouxe miséria para inúmeras comunidades camponesas e povos tradicionais, como indígenas e quilombolas. Famílias perderam seus meios de subsistência onde as monoculturas de árvores tomaram suas terras, secaram suas nascentes e cursos d’água, envenenaram seus cultivos alimentares com agrotóxicos e destruíram seus modos de vida.
“Por quase 70 anos, a definição enganosa de floresta da FAO serviu bem à indústria de plantação de árvores, que conseguiu esconder a destruição ecológica causada quando florestas, campos e turfeiras biodiversas são convertidos em amplos “desertos verdes” feitos de árvores clonadas da mesma espécie e de idade semelhante, plantadas em fileiras retas, por trás da imagem positiva da floresta fornecida pela FAO”, diz Winfridus Overbeek, coordenador internacional do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais.
Mudanças Climáticas
A proposta de “restauração da paisagem florestal” para a proteção do clima torna urgente a obtenção de definições corretas. “Com a adoção do Acordo de Paris das Nações Unidassobre mudanças climáticas, a revisão dessa definição de floresta da FAO adquire uma nova urgência”, diz Guadalupe Rodríguez, da Salva la Selva/Rettet den Regenwald.  O mercado de carbono a partir das monoculturas de árvores prejudicaria ainda mais as comunidades locais, das quais são tomados seus territórios. Florestas poderiam ser destruídas e substituídas por plantações de árvores, e os países poderiam afirmar que, com base na definição de floresta da FAO, nenhuma “área florestal” teria se perdido.
“Isso é um absurdo! No Brasil, restam menos de 10% da Mata Atlântica. O Espírito Santo é cortado por eucaliptais. Nunca que essas árvores plantadas em série poderão substituir a biodiversidade de todo um bioma! Pelo contrário, os eucaliptos secam as nascentes d’água e contaminam o solo com agrotóxicos³. Também levam fome, já que no estado os quilombolas, que estão entre os principais prejudicados pela indústria da celulose, perdem seus territórios de cultivo de alimentos e outras vivências”, lembra Marcelo Calazans, coordenador do programa da FASE no Espírito Santo.
Florestas e Energia
“Sementes de Angelim” – vídeo registra a luta quilombola contra o deserto verde no ES.
As organizações apontam que o tema do Dia Internacional das Florestas da FAO em 2017 – “Florestas e Energia” – só reforça a necessidade urgente de mudar a definição de floresta. “A demanda insustentável de energia por parte dos países industrializados, combinada com sua busca por novas fontes de energia ‘renovável’, já está causando a conversão em grande escala de florestas em plantações industriais de ‘biomassa’. No entanto, a palavra ‘plantação’ não aparece nem uma vez na página ‘mensagens-chave’ da FAO para o Dia Internacional das Florestas de 2017”, diz Wally Menne, da Timberwatch Coalition na África do Sul.  Estima-se que, para atender a todas as necessidades de energia do Reino Unido com biomassa de eucalipto, seriam necessários cerca de 55 milhões de hectares de plantações em um país como o Brasil – cobrindo uma área de terra maior do que o dobro do Reino Unido.
[2] Em resposta à petição de 2015, assinada por mais de 130 mil pessoas, pedindo à FAO que alterasse sua definição de floresta, a organização afirma que seu papel é meramente o de harmonizar as muitas definições nacionais e internacionais adotadas desde 1948. No entanto, a carta mostra como essa visão ignora o fato de que a definição de floresta da FAO é justo o exemplo para muitas outras definições de “floresta” em uso, inclusive nas negociações climáticas da ONU.
[3] Para saber mais sobre os impactos dos monocultivos de eucaliptos no Espírito Santo assista o vídeo “As Sementes de Angelim“, realizado pela FASE com direção da educadora Fabíola Melca.
https://fase.org.br/pt/informe-se/noticias/mais-de-200-organizacoes-cobram-que-a-fao-redefina-seu-conceito-de-floresta/
Share:

0 comentários:

Postar um comentário