Terça-feira, 10 de julho de 2018
O Judiciário sou Eu
Foto: EBC
Publicamente é senso comum defender a já batida frase do “decisão judicial não se discute, se cumpre”, contudo, na prática não são poucos os casos em que sujeitos se esquivam do cumprimento dos mandamentos judiciais e, inclusive, há situações bastante folclóricas de pessoas que enganam os oficiais de justiça ou retardam ao máximo o cumprimento de uma ordem judicial esperando obter vitória em eventual recurso.
Saber se se trata de estratégia da parte ou de efetivo desrespeito a uma decisão válida dependerá de análise do caso concreto, no entanto não me parece que a atitude de não obedecer a uma decisão judicial se configure, de forma inerente, como desrespeito a este Poder e suas instituições, mas sim entendo como a prática de um ato do indivíduo que estará sujeito, ou não, às consequências processuais. É do jogo.
Aliás, a solução encontrada pelo Supremo Tribunal Federal no caso em que um Senador da República se recusou a receber a intimação de uma decisão daquele Tribunal nos revela que o próprio Judiciário não se importa tanto quando terceiros descumprem suas decisões[1].
O que se verificou no último domingo, com a celeuma em torno do Habeas Corpus concedido ao ex-presidente Lula foi a maior demonstração de que o Judiciário não precisa ser desrespeitado por terceiros ou pelos demais poderes da República, ele próprio não se respeita.
Definitivamente o juiz Moro não confia no Poder Judiciário e avoca para si o monopólio da virtude, desconfiando de todos os demais colegas que não estejam em plena sintonia com sua visão de mundo e do Direito. Demonstrações neste sentido não são poucas.
A famigerada divulgação dos áudios de conversas telefônicas entre o ex-presidentes Lula e Dilma, que inicialmente pareciam desrespeito apenas a estes envolvidos, foi na verdade uma clara demonstração de desrespeito ao Supremo Tribunal Federal dada a manifesta usurpação de competência.
Foi repreendido pelo ministro Zavascki, se desculpou à época, mas não tardou a declarar em entrevista que não se arrependia do ato. [2]
Em seguida, em momento próximo ao julgamento acerca da possibilidade de execução da pena condenatória após decisão de segunda instância, o juiz Moro realiza declaração em que ressalta as enormes qualidades da ministra Rosa Weber, que à época era vista como fiel da balança. Se elogios sinceros ou uma espécie de “recado” é difícil saber, mas decerto que o momento das declarações aguça a curiosidade. [3]
Peço desculpas pela fonte utilizada na referência acima, foi com o intuito de ilustrar o “recado”.
Confiante, após sucessivas vitórias nos embates jurídicos em que se embrenha, o juiz Moro decide que um Habeas Corpus proferido por um juiz da Justiça Federal de Brasília referente à extradição de um investigado não deveria ser cumprido, alegando que o magistrado não seria competente para apreciar o caso, e para tanto instou as forças policiais a não cumprirem aquela decisão[4].
No mesmo sentido foi o caso da tornozeleira do José Dirceu, em que novamente foi repreendido por membro hierarquicamente superior[5].
A cereja do bolo, no entanto, ocorreu no recente caso do HC concedido ao ex-presidente Lula por um desembargador plantonista do TRF4. Comunicado da decisão, sabe-se lá por quais vias, o juiz Moro profere, durante suas férias, despacho determinando o não cumprimento da decisão proferida por membro hierarquicamente superior a ele, apontando que aquele seria incompetente para apreciar o Habeas Corpus.
Muito já se escreveu sobre a curiosa “competência universal” da 13ª Vara de Curitiba, que aparentemente escolhe o que vai e o que não vai julgar. No entanto, competência de juiz de férias, que não era a autoridade apontada como coatora no HC, é fato de um ineditismo singular.
O que se pode concluir é que o juiz Moro efetivamente não respeita o Poder Judiciário, usurpa competência do Supremo Tribunal Federal, envia elogios constrangedores a seus membros em data próxima a julgamento de seu interesse pessoal, determina descumprimento de decisões proferidas por colegas ou então nelas inova sem justificativa plausível. Moro apenas confia naqueles que estão com eles alinhados, como, por exemplo, a Turma responsável por julgar os recursos no caso da Lava Jato.
Quanto aos demais, pouco tem interessado se se tratam de decisões proferidas por instâncias superiores ou por por outros órgãos com distintas competências funcionais, o que lhes resta, por parte do juiz de Curitiba, é desconfiança, tanto que sequer suscita o devido conflito de competência. Ora, pois não se sabe quem decidirá este conflito, se é pessoa de confiança ou não.
Este já é o segundo artigo que trato de questões penais e processuais penais nesta página. Não é nem nunca foi meu tema de estudo na academia tampouco minha área de atuação na prática. Ocorre que o legado ruim que vem sendo criado pela lava jato, em que sequer se consegue mais diferenciar acusadores de magistrados, em que todo um corpo de Estado – três magistrados, promotores e a própria Polícia Federal – se une para impossibilitar que um réu agraciado por um Habeas Corpus deixe o presídio, impõe a todos que se manifestem, ainda que com as limitações a nós imposta.
Muito se diz que o ex-presidente Lula deve ser tratado de forma igual a todos os demais brasileiros pelas instâncias legais. Gostaria muito de saber se há nos registros da história do Poder Judiciário mobilização semelhante à vista no último domingo para impedir que um réu saísse da cadeia.
Umberto Abreu Noce é Advogado, formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, e Mestre em Direito Público pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
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