6 de ago. de 2016

A história precisa ficar preta por Isis Maria


 

A história precisa ficar preta

Relatos do Festival Latinidades 2016
Por Isis Maria
Todas as histórias tem um tom. Se são sobre uma batalha, vão falar sobre o "esforço" do vencedor; se são romances, vão focar no inatingível amor romântico. Da ficção científica ao jornalismo, histórias sobre o mundo são contadas o tempo todo, de 140 a milhares de caracteres. Então nos perguntamos: quem está contando a história dos negros?
Quando se faz um festival inteiro de mulheres negras focado em comunicação, uma série de respostas surgem pra esse questionamento. E esta quinta-feira, 28, de Latinidades foi assim, já dando o tom quando chama a primeira mesa do dia de Nós por nós. Nada caberia melhor para contar a história da imprensa negra no Brasil. Seu surgimento, seus escritores, seus motivos. A gente sabe que a Glória Maria é repórter negra numa grande empresa de comunicação, mas você conhece os primeiros jornais da época dos escravos e sabe como eles evoluíram? Muitos de nós não sabemos nem que eles existiram. Foram muitos, diversos, mas não duraram muito. A grande maioria dos jornais que surgiram feitos por negros para negros falando de assuntos que interessam aos negros não seguiram por muito tempo.
As mulheres, então, nem escreviam. Suas histórias eram redigidas por escrivãs que ouviam suas palavras e transcreviam. Nem sempre correspondendo à realidade do que era dito. Um cenário extremo sobre como a comunicação diariamente conta nossa história por nós.
“Os jornais tem 10% ou 15% de mulheres entre suas colunistas. Quando se trata de mulheres negras, esse número é ainda menor. Devia ser de 50% de mulheres, pois, se você não dá voz a 50% da sociedade você não está dando voz a 50% da realidade”, disse Larissa Santiago, que praticamente desenha o porquê de criarmos nossas próprias narrativas dentro do cenário que se apresenta diante de nossos olhos.
Essas narrativas podem ser da forma que quisermos. Já fomos por tanto tempo colocadas em caixinhas que devemos ser o que quisermos hoje em dia. Eliane Dias é advogada e está à frente da produtora que leva shows da banda Racionais pelo país. Renata Felinto se colocou no meio artístico como modo de se ver e representar - seja levando a periferia através de lambes pra "área nobre" da cidade, seja se transmutando em loira e princesa, chocando com white face. Jarid escreve cordéis onde denuncia o machismo e racismo. Todas tem a clareza de que se não tem mulher preta narrando a própria história, alguém vai fazer isso, e a chance de ser distorcido é enorme.
As ferramentas pra contar nossa vida estão cada vez mais acessíveis - temos redes sociais que podem dar voz e alcance, temos vídeos que podem mostrar realidades distintas, e podemos fazer impressos, de maneira barata, simples, que podem ser distribuídos por nós, como falado na oficina de zine do Estúdio Cajuína. Os meios estão aí e que os que não são nossos tem que ser ocupados. Do palco ao print.
Em seu cerne, veículos de informação precisam de apoio do público e agora estamos mais que prontos para abandonar o conceito de que que não cabemos ou merecemos espaço na mídia e então consumir cada vez mais conteúdo preto, das blogueiras de moda, às filosofas impressas.
Está na hora da história ficar preta.


*Faço um adendo para sugerir uma leitura sobre Luiza Bairros. A ex ministra da Secretaria de Políticas da Promoção da Igualdade Racial, que faleceu no começo do mês de julho, foi uma voz importante na luta por igualdade racial. Não à toa foi reverenciada por todas as convidadas na mesa de abertura do dia.
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