5 de jul. de 2017

Cartografia com drones: qual o potencial para as lutas populares?



ENTREVISTAS

Cartografia com drones: qual o potencial para as lutas populares?




APÓS A INICIATIVA DE APROPRIAÇÃO DA CARTOGRAFIA E DOS MAPAS POR PARTE DOS MOVIMENTOS POPULARES PARA RESISTIR EM SEUS TERRITÓRIOS, AGORA DIVERSAS COMUNIDADES E MOVIMENTOS ESTÃO UTILIZANDO DRONES (AERONAVES NÃO TRIPULADAS) COM CÂMERAS. ESTES EQUIPAMENTOS PERMITEM REALIZAR MAPEAMENTOS COMUNITÁRIOS E EXERCITAR O DIREITO DE OLHAR SEUS TERRITÓRIOS DO CÉU, PARA PLANEJAR SUAS ATIVIDADES COLETIVAS E RESISTIR FRENTE AO AVANÇO DO EXTRATIVISMO E DA ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA EM SEUS TERRENOS.

http://midiacoletiva.org/cartografiacomdrones/
Vila Autódromo – Foto: Vito Ribeiro
Estive no dia 15 de agosto com a equipe do projeto Drone Hackademy na Vila Autódromo, Rio de Janeiro, para preparar com os moradores a elaboração de uma cartografia comunitária. Em uma laje das poucas que ainda resistiam na comunidade, ai estavam os espanhóis Pablo de Soto e Lot Amarós combinando com os vizinhos da vila como seriam os voos, que imagens poderiam produzir, que pontos simbólicos deveriam centralizar no video, e principalmente, como registrar o avanço da obra do Parque Olímpico sobre a comunidade.
Em algumas horas de voos, entrevistas, idas e vindas por toda a vila, 1.200 fotografias em alta resolução foram tomadas por um quadricóptero montado com tecnologia aberta e componentes mais acessíveis financeiramente. Essa criação foi parte da oficina realizada pelo projeto Drone Hackademy com diversos ativistas e a aplicação na Vila Autódromo era o encerramento prático de tudo trabalhado nesses encontros.
Entrevistei Pablo de Soto que conheci em 2011 em um Laboratório de Cartografias Insurgentes, e que há algum tempo vive no Rio de Janeiro. É arquiteto, hackiteto e pesquisador, como ele mesmo se define. Está no Brasil finalizando sua tese de doutorado na Escola de Comunicação – ECO – UFRJ e realiza projetos experimentais que combinam teoria crítica e prática localizada, com projetos como Mapping the Commons, Drone Hackademy e After.Video.
Vito Ribeiro: Os jogos olímpicos de 2016 integram uma agenda internacional que renova as práticas de exploração do território e atualiza os espaços de fluxos transnacionais. Tem alguma dica de como essa agenda influi no Rio de Janeiro?
Pablo de Soto: Apenas recomendaria o último livro Saskia Sassen entitulado ‘Expulsões: Brutalidade e Complexidade na Economia Global’, onde aporta um conceito muito agudo e truculento – as formações depredadoras das elites – para referir-se a aliança entre construtoras, proprietários, governos locais e fundos financeiros. Leia aqui uma entrevista com Saskia Sassen sobre o livro.
Vito: E como uma comunidade pode resistir a isso? A Vila Autódromo por exemplo é uma comunidade que tem desafiado e resistido, apesar de tudo, a esse plano depredador das elites. Por que na vila?
Pablo: Não tenho um conhecimento pormenorizado da genealogia de luta da Vila, mas me atreveria a sugerir que alguns pontos chaves são que contém uns elementos de dignidade rebelde, ao estilo zapatista, e que pratica com destreza o ‘afectivismo’ (a mistura de afetos e ativismo), com um papel fundamental das mulheres na organização da resistência.
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Lot Amorós e Pablo de Soto – Foto: Divulgação: #DroneHackademy
Vito: E o que é #DroneHackademy?
Pablo: É uma iniciativa no presente para nos anteciparmos aos problemas do ‘nosso futuro drone’. Um projeto de investigação no uso dos UAVs como tecnologia social. Que nos referimos a uma práxis que leve muito a sério uma ética dobrada. Empregando e co-criando hardware e software de licensas livres que podem ser re-apropriados e re-aplicados: uma ética hacker. A iniciativa é fruto da minha colaboração com Lot Amorós, engenheiro de computação e artista transdiciplinar. ambos temos um passado comum nos laboratórios hacktivistas e no ativismo tecnológico da primeira década dos anos 2000, principalmente no território geopolítico do Estreito de Gibraltar (como Indymedia Estrecho y Fadaiat: liberdade de conhecimento, liberdade de movimento). Mais sobre o Fadait.
A proposta teórica de #DroneHackademy combina conceitos de contravisualidade de Nicholas Mirzoeff, um teórico que combina estudos pós coloniais e as noções de ciência feminista de Donna Haraway. Em parte prática, os participantes aprendem tanto a construir eles mesmos veículos aéreos não tripulados de código aberto e como se proteger da presença intimidatória de outros UAVs (na sigla em inglês). O projeto toma forma como um dispositivo tecnopolítico extitucional: operando dentro e fora das instituições universitárias e da arte, desfronteirizando os muros da Academia e o Museu para constituir uma infraestrutura aberta em conexão com os movimentos sociais.
A primeira edição que sucedeu no Rio de Janeiro, contou com a participação de dez estudantes, artivistas e representantes de coletivos e associações da região metropolitana do Rio e de outras cidades do Brasil, que foram selecionados mediante convocatória pública. Durante uma semana os participantes foram introduzimos a uma genealogia do espaço aéreo radical e praticam voos com simulador e voos reais com multicópteros. Construimos a partir do zero dois Flones, um deles com Arducopter, uma plataforma para UAVs de código aberto criada pela comunidade de drones do it yourself, baseada na plataforma Arduino. Como atividade prática final propusemos levantar voo em alguma área de luta social na cidade para experimentar a potência dos UAVs em produzir contravisualidade aérea. O lugar escolhido foi a Vila Autódromo.
Foto: Vito Ribeiro
Foto: Vito Ribeiro
Vito:  Qual metodologia, em breve descrição, da realização de uma cartografia comunitária?
Pablo: Diria que é uma metodologia em pelo menos 3 atos: 1 – Permissão da comunidade; 2 – Ação – Para a ação são necessários alguns saberes técnicos e alguns equipamentos – drone e câmera – um piloto experiente de drones, um conhecimento espacial e de mapas para decidir onde decolar e depois conhecimentos gráficos para fazer a composição fotográfica.  A cartografia aérea da Vila Autódromo realizamos a partir de 20 fotografias selecionadas de mais de 1.200 que tomamos com um quadricóptero a uma altitude de 200 a 300 metros entre 9 e 11 horas da manhã do dia 15 de agosto. A fotografia de alta resolução foi composta com a ferramenta online Mapknitter de Public Lab, uma organização e rede aberta de ciência cidadã. 3 – Devolução: O ato final consiste em entregar a cartografia aos vizinhos e as redes de apoio. Fizemos um ato público celebrado no centro comunitário da Vila em setembro. RioOnWatch publicou um artigo a respeito.
Foto: RioOnWatch
Foto: RioOnWatch
Vito: Quais conclusões tiraram da cartografia?
Pablo: A primeira que fomos capazes de realizá-la! Porque não foi fácil. Tivemos uma aterrisagem forçada no primeiro dia que fomos e tivemos que voltar um segundo dia para acabar o trabalho. A segunda conclusão é que é possível fazer fotos aéreas em alta resolução e compor uma cartografia aérea, tudo isso em um período de 10-12 horas de intensa dedicação.
Vito: Que ações práticas podem ser apoiadas por esse material realizado?
Pablo: Nossa ideia é que a fotografia aérea possa ser usada nos processos de advocacia popular e defesa do direito a cidade e a comunidade. E depois oferecendo o mapa na internet, surgirão respostas surpresas que não podemos prever. Uma estudante de antropologia da UFF – RJ que está realizando uma etnografia da Vila Autódromo foi a primeira pessoa que demostrou interesse direto em usar a cartografia para acompanhar sua investigação.
Vito: Tem algum retorno dos moradores sobre a cartografia?
Pablo: Ainda não pude voltar a visitar a Vila e estou esperando para escutá-los ao vivo, sobre isso.
Vila Autódromo - Foto: Vito Ribeiro
Vila Autódromo – Foto: Vito Ribeiro
Vito: Onde obter mais informações sobre drones ativistas e sobre a própria cartografia?
Pablo: No link http://dronehackademy.net pode também baixar a cartografia aérea. Esse é o link direto para ela – http://medialabufrj.net/download/vila-autodromo-cartografia-dronehackademy.jpg
Vito: Algo mais que queira comentar…
Pablo: Sim, compartilhar com vocês uma informação que pode ser útil, se no futuro uma aeronave sobrevoa sua cabeça de maneira intimidatória. É um guia de autodefesa frente aos veículos aéreos não tripulados que Lot Amorós criou e que publicamos em 3 idiomas na página de #DroneHackademy. O manual propõe uma série de métodos de desativação, muito diversos entre si – psicológicos, balísticos, eletromagnéticos – e que vão depender de que tipo de UAV queremos nos proteger.

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