INTERESSE PÚBLICO > REGULAÇÃO EM DEBATE
Monopólio ou oligopólio? Contribuição ao debate
Constituição, Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
(…)
§ 5º – Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.
Desde outubro de 2010 tramitam no Supremo Tribunal Federal as Ações Diretas de Inconstitucionalidade por Omissão nos 9, 10 e 11 que pedem seja declarada a omissão inconstitucional do Congresso Nacional em legislar, dentre outros, sobre o § 5º do artigo 220 da Constituição Federal (CF88), mais de vinte e seis anos (hoje) após sua promulgação.
A ausência de regulamentação implica que não há uma definição legal do que se considera monopólio ou oligopólio nos meios de comunicação social. Mais grave, significa, por óbvio, que a norma constitucional não é cumprida.
A reeleição da presidente Dilma Rousseff e a posse do novo ministro das Comunicações Ricardo Berzoini, recolocam a questão da “regulação da mídia”, agora renomeada apenas de “regulação econômica”. A discussão dessa regulação terá, necessariamente, que se confrontar com o referido § 5º do artigo 220 e responder se os meios de comunicação social são ou não objeto de monopólio ou oligopólio no Brasil.
A resposta a essa pergunta exige um conjunto de observações decorrentes das características únicas de que se revestem as empresas de comunicação social, em particular, as concessionárias do serviço público de radiodifusão, isto é, as empresas privadas de rádio e televisão.
1. Meios de comunicação e democracia
Os meios de comunicação social não constituem apenas uma atividade econômica. Ao contrário, são instituições vitais nas democracias liberais. É através deles que se constrói o espaço público onde a liberdade de expressão individual é exercida e se forma a opinião pública. Esse espaço público abriga, por definição, a pluralidade e diversidade de vozes que existem na sociedade, vale dizer, não pode ser controlado por monopólio ou oligopólio.
Em seu estudo sobre a história dos ciclos de abertura e fechamento dos mercados de mídia nos Estados Unidos, o celebrado professor de direito da Universidade de Columbia, Tim Wu, afirma:
Na Teoria da Competição aplicada às indústrias da informação (…) falamos em barreiras de entrada: os obstáculos que um recém chegado precisa superar para entrar no jogo. Mas numa indústria de informação, que comercializa um conteúdo expressivo, essas barreiras podem representar mais que uma restrição a aspirações comerciais: dependendo da forma como o meio de informação configura as comunicações numa sociedade, essas barreiras podem também coibir a livre expressão. [Cf. WU, Tim; Impérios da Comunicação-Do telefone à internet, da AT&T ao Google, Zahar, 2012; p. 60. Wu toma partido inequívoco contra a concentração/monopólio e descreve a polêmica histórica entre empresários, agentes do Estado e teóricos da competição, quanto aos seus efeitos negativos para a diversidade e a pluralidade na comunicação.]
O artigo 1º da Constituição de 1988 reza que um dos fundamentos da democracia brasileira é o pluralismo político (inciso V) e, logo em seguida, o artigo 5º garante que é livre a manifestação do pensamento (inciso IV). Essa garantia é confirmada no caput do artigo 220, que impede a existência de qualquer restrição à manifestação do pensamento, à expressão e à informação. Desta forma, proteger e garantir o pluralismo político e a liberdade de expressão (de todos) é um mandato constitucional.
Este, aliás, é um dos princípios explícitos que constam da Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (2000) que reza:
Os monopólios ou oligopólios na propriedade e controle dos meios de comunicação devem estar sujeitos a leis antimonopólio, uma vez que conspiram contra a democracia ao restringirem a pluralidade e a diversidade que asseguram o pleno exercício do direito dos cidadãos à informação. (…) As concessões de rádio e televisão devem considerar critérios democráticos que garantam uma igualdade de oportunidades de acesso a todos os indivíduos [ver http://www.oas.org/pt/cidh/expressao/showarticle.asp?artID=26&lID=4].
Por esse conjunto de razões, os meios de comunicação social constituem o único setor em que a CF88 proíbe expressamente a existência de monopólio ou oligopólio. Isso implica que, ao contrário de outros setores econômicos, no setor de comunicação, a pluralidade e a diversidade dos que controlam os meios constituem valores a serem protegidos como fins em si mesmos.
Estabelecida essa preliminar geral, é necessário que se considerem ainda duas peculiaridades históricas dos meios de comunicação no Brasil: a ausência de controle sobre a “propriedade cruzada” e sobre a formação de “redes” de rádio e televisão.
2. A “propriedade cruzada”
A propriedade cruzada refere-se ao fato de um mesmo proprietário, pessoa física ou jurídica, controlar diferentes veículos de comunicação – jornal, revista, rádio AM, rádio FM, TV aberta, TV paga, provedor de internet – no mesmo mercado, seja ele local, regional ou nacional.
O modelo de organização da radiodifusão adotado pelo Estado brasileiro [“trusteeship model”] tem sua origem nos Estados Unidos. Nesse modelo, além de uma agência reguladora autônoma – a Federal Radio Commission, FRC (1927), depois transformada em Federal Communications Commission, FCC (1934) – existem regras e normas legais para limitar a propriedade cruzada, tanto em nível local (regional), como nacional, desde 1943. Essas regras e normas, com modificações e adaptações, persistem até nossos dias. Quando criadas, estas normas impediam:
1. que um concessionário controlasse mais de uma emissora do mesmo tipo no mesmo mercado (Duopoly Rule);
2. que um mesmo concessionário controlasse mais de uma emissora de TV em VHF ou uma combinação de emissoras de rádio AM/FM (One-to-a-Market-Rule);
3. que se outorgassem concessões de radiodifusão a pessoa física ou jurídica que exercesse o controle ou operasse jornal diário na mesma área geográfica (Cross-Ownership Rule); e,
4. que um mesmo grupo controlasse emissoras de rádio e televisão acima de certos limites percentuais de alcance dos domicílios no mercado nacional de televisão (Multiple Ownership Rules) [cf. André M. de Almeida; “Mídia Eletronica – seu controle nos EUA e no Brasil; Forense, 1993].
No Brasil, ao contrário, nunca chegou a ser criada qualquer norma que proíba ou limite a propriedade cruzada por grupos empresariais de mídia, salvo dois dispositivos da Lei 12.485 de setembro de 2011 [artigos 5º e 6º] que se restringem à produção e distribuição de conteúdo na televisão paga.
O resultado dessa omissão legal é que os principais grupos de mídia no Brasil se formaram e se consolidaram como grupos multimídia, controlando diferentes tipos de meios de comunicação social nos mesmos mercados locais e/ou regionais e/ou nacional.
Um exemplo eloquente de propriedade cruzada regional é o Grupo RBS que opera no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. No Rio Grande do Sul o grupo controla os jornais Zero Hora, Diário Gaúcho, Pioneiro (Caxias do Sul) e Diário de Santa Maria; as emissoras de rádio Gaúcha (AM e FM), rádio Atlântida, rádio Itapema, radio Cidade, radio Farroupilha, radio CBN (rede); a rede RBS TV (afiliada da rede Globo e que inclui emissoras em Porto Alegre, Caxias do Sul, Erechim, Pelotas, Santa Maria, Uruguaiana, Bagé, Cruz Alta, Rio Grande, Passo Fundo, Santa Cruz do Sul e Santa Rosa), TVCom, canal Rural e o portal Click RBS [ver http://www.gruporbs.com.br/].
Registro que um Decreto-Lei da ditadura militar, que “complementa e modifica a Lei número 4.117 de 27 de agosto de 1962”, estabeleceu limites ao número de concessões [não à propriedade cruzada] que uma mesma “entidade” poderia ter. Trata-se do decreto-lei 236/1967, que em seu artigo 12, reza:
Artigo 12. Cada entidade só poderá ter concessão ou permissão para executar serviço de radiodifusão, em todo o País, dentro dos seguintes limites: (…)
I – estações radiodifusoras de som (Ra):
locais:
ondas médias, 4;
frequência modulada, 6;
regionais:
ondas médias, 3;
ondas tropicais, 3 (sendo no máximo 2 por estado);
nacionais;
ondas médias, 2
ondas curtas, 2;
II – estações radiodifusoras de som e imagem (TV) – 10 (dez) em todo o território nacional, sendo no máximo 5 (cinco) em VHF e 2 (duas) por estado; (…)
Mesmo assim, a interpretação que o Ministério das Comunicações (MiniCom) – o órgão fiscalizador – tem dado aos incisos I e II, pode ser exemplificada em resposta que o então Secretário de Serviços de Comunicação Eletrônica, ao tempo em que o ministro das Comunicações era o deputado Miro Teixeira (1/2003-1/2004), deu a Requerimento de Informações de autoria dos deputados Edson Duarte (PV-BA) e Iara Bernardi (PT-SP) que perguntava “que empresas de comunicação descumpriram ou estão descumprindo o artigo 12 do Decreto-Lei 236/1967 que estabelece limite de propriedade para uma mesma empresa” e “que ações foram deflagradas pelo Ministério das Comunicações/Anatel para coibir a irregularidade existente”.
A resposta, através da Assessoria de Assuntos Parlamentares do MiniCom, está no Memorando 323/2003-SSCE/MC de 01/08/2003:
Conforme os quesitos acima descritos, temos a informar a Vossa Senhoria que realizamos pesquisas, no que diz respeito ao Plano Básico de Distribuição de Canais de Radiodifusão, relativos aos serviços de radiodifusão sonora (onda média, ondas curtas, ondas tropicais e frequência modulada); serviços de radiodifusão de sons e imagens (televisão); e radiodifusão comunitária, e constatamos a inexistência de entidades que estariam contrariando o artigo 12 do Decreto-Lei n. 236/67. Consequentemente, este ministério não instaurou procedimento administrativo, visando apurar irregularidade por descumprimento do referido dispositivo.
Como se vê, as limitações impostas pelo decreto-lei 236/1967 ao número de emissoras de rádio e televisão se tornam inócuas porque o MiniCom, implicitamente, considera “entidade” como significando “pessoa física” e, ademais, não leva em conta o parentesco. Vale observar, contudo, que o Ministério Público Federal vem adotando uma postura diferente. Para o MPF, há indícios da existência de entidades que possuem outorgas de radiodifusão acima dos limites permitidos em lei. Essas empresas estão sendo investigadas em procedimentos administrativos conduzidos pelo órgão [Cf. EKMAN, Pedro. “A Corrupção está no ar”. Blog do Intervozes na CartaCapital, 14 jan. 2014. Disponível aqui, acesso em 15.03.2014].
3. As “redes” de rádio e televisão
O sistema de emissoras privadas, concessionárias do serviço público de radio e televisão no Brasil se estrutura em torno da formação de redes. Segundo o projeto Donos da Mídia, rede é o “conjunto de emissoras de rádio ou de TV que transmitem, de forma simultânea ou não, uma mesma programação gerada a partir de uma ou mais estações principais (cabeças-de-rede). Redes nacionais são aquelas presentes em mais de duas unidades da federação. Redes regionais são aquelas presentes em até dois estados. Não são considerados redes de TV, os canais que operam exclusivamente nos serviços de TV por assinatura” [cf. http://donosdamidia.com.br/metodologia ].
O pesquisador Othon Jambeiro (“A regulação da TV no Brasil: 75 anos depois, o que temos?”; Estudos de Sociologia, Araraquara, v.13, n.24, p.85-104, 2008) definiu assim o vínculo estabelecido nos contratos de afiliação (de emissoras de TV):
As redes e suas afiliadas formalizam seus laços econômicos por meio de um contrato de afiliação. Nele se estabelece que todas as afiliadas devem ter um comportamento uniforme e uma programação artística e comercial padrão, sob a coordenação única da “cabeça” do sistema, sediada em São Paulo ou Rio de Janeiro. Cada rede pode ter apenas uma afiliada em cada cidade. Pelo contrato, a rede provê as afiliadas com uma programação que é compulsoriamente retransmitida, no horário determinado, não sendo permitida, em nenhuma hipótese, qualquer alteração. Esta programação contém “janelas”, equivalentes a mais ou menos 15% da programação total, nas quais a afiliada introduz seus programas locais, inclusive noticiários. A “cabeça” do sistema tem poder absoluto para decidir que programação deve ser transmitida simultaneamente por todas as afiliadas, inclusive, se necessário, durante o tempo destinado à programação da afiliada(grifos nossos).
Para além das afiliações, as redes de televisão potencializam seu alcance geográfico através das Retransmissoras de Televisão, RTVs, cujo número de outorgas confirma a supremacia de uma das redes sobre todas as outras (cf. QUADRO abaixo).
Redes/Geradoras | Emissoras Próprias | Emissoras Afiliadas | RTVs | TOTAL | % |
Globo* | 15 | 79 | 2908 | 3002 | 39,61 |
Record | 5 | 25 | 751 | 781 | 10,31 |
SBT | 8 | 43 | 1478 | 1529 | 20,18 |
Band | 8 | 19 | 1134 | 1161 | 15,32 |
Rede TV | 5 | 10 | 161 | 176 | 2,32 |
EBC/TV BR | 3 | 7 | 157 | 167 | 2,20 |
Canção Nova | 2 | 1 | 273 | 276 | 3,64 |
Rede 21 | 1 | 2 | 14 | 17 | 0,22 |
TV Cultura SP | 1 | 15 | 453 | 469 | 6,19 |
TOTAL | 48 | 201 | 7329 | 7578 | 100 |
Ou participação societária. [Fonte: Subcomissão Especial – Formas de financiamento de mídias alternativas, CCTC&I da Câmara dos Deputados; Quadros 1 e 2; Outubro, 2013] |
Odecreto-lei 236/1967, no § 7º do artigo 12proibiu a formação de “cadeias ou associações” com o objetivo de “estabelecer direção ou orientação única”:
§ 7º – As empresas concessionárias ou permissionárias de serviço de radiodifusão não poderão estar subordinadas a outras entidades que se constituem com a finalidade de estabelecer direção ou orientação única, através de cadeias ou associações de qualquer espécie.
Apesar de todas as evidencias em contrário, o MiniCom não considera as “redes” formadas com a afiliação contratual de emissoras como “cadeias ou associações” constituindo subordinação “com a finalidade de estabelecer direção ou orientação única” e, por isso, não interfere na sua formação. Ademais, estudo elaborado pela ANCINE, em 2010, admite que “a relação contratual entre uma cabeça de rede e suas afiliadas, embora existente, é desconhecida pelos órgãos do governo” [cf. TV Aberta – Mapeamento, disponível aqui, p. 26].
Nos Estados Unidos, de onde copiamos o modelo de organização da radiodifusão, desde 1941, existem regras que limitam, dentro de certos percentuais, a formação de redes de comunicação (networks) de radiodifusão, tanto através da legislação antitruste como de normas da agência reguladora [cf. FCC http://www.fcc.gov/encyclopedia/rules-regulations-title-47 e Almeida, 1993].
4. Monopólio ou oligopólio
Do ponto de vista do direito econômico, há monopólio quando um determinado mercado é dominado por um agente econômico e oligopólio quando o domínio é exercido por um número restrito de agentes econômicos [CARVALHOSA, Modesto. Direito Econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 440-441]. Devemos evitar aqui uma confusão comum: o monopólio não ocorre apenas quando uma empresa detêm 100% do mercado, mas também quando, nas palavras de Calixto Salomão Filho, “um dos produtores detém parcela substancial do mercado (por hipótese, mais de 50%) e seus concorrentes são todos atomizados, de tal forma que nenhum deles tem qualquer influência sobre o preço de mercado” [SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial – as estruturas. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 144]. Seria, portanto, mais claro afirmar que há (a) monopólio quando um dos agentes econômicos possui poder de alterar unilateralmente as regras do jogo, atuando de forma independente em relação a seus concorrentes [FORGIONI, Paula. Os fundamentos do antitruste. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 258-263], e (b) oligopólio quando um grupo de empresas detém esse poder. Nesse sentido, o artigo 36, § 2º da lei concorrencial brasileira (lei 12.529/11) afirma: “presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de mercado (…)”.
Para se verificar a existência de monopólio e oligopólio é necessário analisar a parcela de mercado das empresas. Para tanto, é preciso estabelecer um mercado relevante mediante (1) a definição de seu produto ou serviço, (2) de sua extensão geográfica e (3) dos critérios necessários para indicar o poder econômico de cada participante. No caso da televisão, a extensão geográfica do mercado é nacional e o principal critério para avaliar o poder econômico, como reconheceu a Secretaria de Direito Econômico e o European Institute of Media Law [SDE – Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça. Parecer referente ao Processo 08012.006504/1997-11. 9 abr. 2008. Disponível aqui, acesso em: 09.04.2010; European Institute of Media Law. Media Markets Definitions – Comparative Legal Analysis. jul./out. 2003, p. 31], é o volume de recursos publicitários controlado individualmente pelas redes.
Levando-se em consideração esse critério, tomando como base números de 2009, a Globo controlava 73,5% das verbas publicitárias, a Record 10,1%, o SBT, 8,7%, a Band 4,9% e a Rede TV 1,9% [cf. QUADRO “O mercado da Televisão Aberta no Brasil (2009)”, abaixo).
O mercado da Televisão Aberta no Brasil (2009)
Rede de TV | Número de Emissoras de TVs* | % de Emissoras de TV | % de Domicílios com TV Cobertos | % da Audiência** | Receita Publicitária (R$ bilhões) | % da Receita Publicitária da TV Aberta |
---|---|---|---|---|---|---|
Globo | 105 [5] | 25,00% | 99,60% | 44,30% | 7,7 | 73,50% |
Record | 46 [18] | 11,00% | 93,20% | 16,70% | 1,06 | 10,10% |
SBT | 58 [10] | 14,00% | 95,50% | 14,30% | 0,91 | 8,70% |
Band | 39 [10] | 9,00% | 87,90% | 4,80% | 0,51 | 4,90% |
Rede TV! | 26 [5] | 6,00% | 80,80% | 2,40% | 0,19 | 1,90% |
Outras | 147 | 35,00% | – | 17,50% | 0,09 | 0,90% |
Total | 421 | 100,00% | – | 100% | 10,5 | 100,00% |
TV Brasil | 18 [5] | 4,00% | –*** | 1,6%**** | 0,382***** | 3,33%***** |
Fonte: Donos da Mídia (http://www.donosdamidia.com.br/); Mídia Dados 2009; JIMENEZ, Keila. Globo fatura R$ 7 bilhões em 2009. Estado de São Paulo. 25 mar. 2010. Disponível em:
* O número de veículos fora dos colchetes é o número total de veículos controlados pela rede de televisão (veículos próprios e de grupos afiliados). O número de veículos entre colchetes representa o número de veículos próprios, controlados pelas próprias empresas que controlam as redes de comunicação.
Nota: o site do Grupo Globo informa que, atualmente, a TV Globo conta com “cinco emissoras próprias e 117 afiliadas” [cf.http://www.grupoglobo.globo.com/tv_globo.php, acesso em 9/1/15].
**População total do país, das 7h às 24h, de segunda a domingo.
***A cobertura da TV Brasil na TV aberta em 2011 era limitada. Possuía canais abertos no Rio de Janeiro (RJ), em Brasília (DF), em São Paulo (SP), em São Luís (MA), em Cabo Frio (RJ), em Campos de Goytacazes (RJ), em Macaé (RJ), em Belo Horizonte (MG), em Juiz de Fora (MG) e em Tabatinga (AM). Além disso, distribuía seu sinal por meio da Banda C (antenas parabólicas), por meio de redes de televisão por assinatura e por meio de emissoras não comerciais (educativas, estaduais, universitárias e comunitárias) com as quais fez acordos para transmissão de programas. Cf. Disponível em:
***** Esse valor corresponde ao orçamento da EBC em 2009. Está incluído no item de receita publicitária para fins de comparação com as redes comerciais.
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Controlar a maior parcela do mercado não é, todavia, sinônimo de poder econômico, de monopólio ou oligopólio. Muitas vezes, uma elevada parcela de mercado não é suficiente para permitir a dominação do mercado por determinado agente. Outras vezes, uma parcela reduzida pode dar a uma empresa o poder de alterar unilateralmente o preço da mercadoria ou agir sobre outros elementos relevantes do mercado.
Desta forma, para constatar a existência de monopólio e oligopólio, além da parcela do mercado detida por um certo agente, é necessário verificar se o líder do mercado (empresa que exerce monopólio ou grupo de empresas que exercem oligopólio) detém de fato poder econômico para alterar unilateralmente as regras do jogo.
Para tanto, é preciso observar determinados elementos, tais como: (a) a existência ou não de significativas barreiras à entrada no mercado que impeçam o ingresso de agentes externos para enfrentar a liderança de uma empresa ou grupo de empresas que estejam praticando condições anticoncorrenciais, (b) se há produtos substitutos, e (c) se há concorrência potencial com os demais agentes do mercado; isto é, se os concorrentes podem alterar suas condições de produção caso o líder passe a adotar uma conduta anticoncorrencial (v.g. se concorrentes podem aumentar sua produção caso o líder aumente abusivamente seu preço).
Ainda que a análise desses critérios requeira um estudo mais detalhado, é possível fazer algumas observações preliminares:
(a) As barreiras à entrada no mercado de radiodifusão brasileiro são consideravelmente altas, em razão do alto capital necessário para operar no setor e da necessidade da obtenção de outorgas públicas para o início da operação.
(b) Para fins concorrenciais, considera-se que o serviço de radiodifusão aberta não é substituível por outros serviços de conteúdos audiovisuais (como televisão paga, celular ou internet), tanto do ponto de vista do público usuário – pela gratuidade dos serviços de televisão aberta e pelo fato de a radiodifusão ser o único meio de comunicação de massa universalizado no Brasil –, quanto do ponto de vista do anunciante – pela não existência de outro serviço que atinja o público consumidor em igual extensão. Tanto o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) como a Secretaria de Direito Econômico (SDE) já afirmaram o caráter não substituível dos serviços da radiodifusão aberta.
A SDE, no parecer referente ao Processo 08012.006504/1997-11, p. 29, concluiu:
“Dessa forma, a televisão aberta é considerada um mercado relevante próprio mesmo em países com alta penetração da televisão paga, isso é tanto mais aplicável ao Brasil. Explica-se: aqui, a televisão paga possui um limite de crescimento que está diretamente relacionado ao nível de renda da população. Muito embora o bom desempenho econômico nos últimos anos tenha proporcionado um aumento da base de assinantes da televisão paga no país, esta está muito longe de ameaçar a preponderância da televisão aberta”.
Já no CADE, o voto do Conselheiro Cesar Mattos no Processo Nº 08012.006504/1997-11. p. 12, diz: “A despeito das claras intercambialidades entre os mercados de transmissão de jogos pela TV Fechada e Aberta, a literatura usualmente define estas duas como dois mercados relevantes distintos. No Brasil, dada a maior diferença de cobertura entre TV fechada e aberta relativamente a países mais desenvolvidos, esta segmentação parece fazer ainda maior sentido” [disponível aqui].
A própria Rede Globo afirma o caráter único e, portanto, não substituível do mercado brasileiro de radiodifusão:
“O mercado brasileiro de televisão é único no mundo. Não existe nenhum outro país em que a televisão aberta, assim definida como aquela que chega livremente aos telespectadores, atinja 99,67% dos lares e seja capaz de captar, a cada ano, 60% de todas as verbas publicitárias”. [Rede Globo, em proposta apresentada ao Clube dos Treze para aquisição dos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro de Futebol das temporadas de 2009/2011. Trecho retirado de SDE. Parecer referente ao Processo 08012.006504/1997-11, p. 12 e 29]
(c) O recente caso da negociação dos direitos de transmissão do campeonato brasileiro de futebol demonstrou o poder efetivo da Rede Globo de alterar unilateralmente as regras de mercado, atuando de forma independente em relação a seus concorrentes.
A negociação dos direitos de transmissão do campeonato brasileiro de futebol era feita de maneira conjunta pelos times – organizados em torno de uma associação chamada de Clube dos Treze – junto aos meios de comunicação interessados. Não obstante, a Globo possuía uma cláusula de preferência que lhe dava o direito de cobrir a oferta vencedora. Por coibir a concorrência, essa forma de negociação foi submetida ao CADE que, em decisão de outubro de 2010, celebrou acordos proibindo a Globo de utilizar o seu direito de preferência, e obrigando o Clube dos Treze a negociar os direitos de transmissão dos jogos de modo separado para cada uma das cinco modalidades de comunicação (televisão aberta, televisão fechada, pay-per-view, internet e telefonia móvel), sem cláusula de preferência e com a permissão de sublicenciamento dos direitos adquiridos a terceiros, autorizados, nesse caso, a escolher livremente os jogos a serem transmitidos [Cf. CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Termo de Compromisso de Cessação entre CADE e Clube dos Treze. 20.10.2010. 2010a. Disponível aqui, acesso em: 14.03.2014; _____. Termo de Compromisso de Cessação entre CADE e Globo Comunicação e Participações S.A. 20.10.2010. 2010b. Disponível aqui, acesso em: 14.03.2014]. Para frustrar a realização do leilão sem cláusula de preferência e não perder seu direito de exclusividade, a Globo negociou separadamente com os clubes, sem a intervenção do Clube dos Treze, e, não obstante a concorrência com as demais emissoras, conseguiu adquirir o direito de transmissão dos jogos de todos os times do campeonato, em todas as mídias e sem a obrigatoriedade de, em caso de sublicenciamento, permitir a livre escolha dos jogos para transmissão.
A vitória da Globo demonstrou sua capacidade de alterar unilateralmente as regras do jogo, evidenciando que a emissora detém posição dominante no mercado, fato reconhecido, inclusive, pela Secretaria de Direito Econômico [SDE – Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça. Parecer referente ao Processo 08012.006504/1997-11. 9 abr. 2008, p. 12. Disponível aqui, acesso em: 09.04.2010]. Com a mudança na forma de negociação dos direitos de transmissão do campeonato brasileiro, a Globo reiterou as mesmas práticas julgadas prejudiciais à concorrência e ao interesse público pelo CADE e impediu a realização do leilão que fomentaria a concorrência entre as redes.
5. Observações finais
Para além dos critérios do direito econômico, a propriedade cruzada e a formação de redes de rádio e televisão consolidaram, ao longo do tempo, uma estrutura fortemente concentrada nos meios de comunicação social no Brasil – especialmente no setor de radiodifusão – seja por falta de regulamentação, quanto por violação às raras restrições impostas pela legislação.
No caso específico da radiodifusão, dados sobre a concentração no mercado demonstram que a TV Globo exerce posição dominante e sugerem que esse poder pode ser configurado como monopólio, em razão da fatia do mercado controlada pela empresa e do poder de alteração unilateral das regras, como ficou evidenciado no exemplo da negociação dos direitos de transmissão do campeonato brasileiro de futebol.
A concentração desmesurada da propriedade implica ausência de pluralidade e diversidade nos meios de comunicação social, princípios centrais da vida democrática.
O que fazer?
A norma do artigo 220, § 5º da Constituição ainda não foi concretizada e permanece como letra morta no texto da Constituição. Para ser concretizada depende, sobretudo, (1) da definição do que se considera monopólio ou oligopólio nos meios de comunicação social, (2) da regulamentação do sistema de redes e dos contratos de afiliação, e (3) que se estabeleça limites para a propriedade cruzada dos meios de comunicação, à semelhança de regras existentes e em vigência em outras democracias como Estados Unidos, Reino Unido, França e Argentina. [Cf. REINO UNIDO. Office of Communications – OFCOM. Report to the Secretary of State (Culture, Media and Sport) on the operation of the media ownership rules listed under Section 391 of the Communications Act 2003. 22 nov. 2012, p. 3. Disponível aqui, acesso em: 06.08.2013; REINO UNIDO. Office of Communications – OFCOM. Review of Media Ownership Rules. 14 nov. 2006, p. 49. Disponível aqui, acesso em: 06.08.2013; Cf. também os artigos 45, 46, 48 e 89 da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual da Argentina. ARGENTINA. Ley 26.522, 10 out. 2009. Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual. Disponível aqui, acesso em: 06.08.2013]
É o que se espera possa, finalmente, ser realizado entre nós.
A ver.
******
Venício A. Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG; Bráulio Araújo é advogado, bacharel em Direito e doutor em Direito Econômico pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. http://observatoriodaimprensa.com.br/interesse-publico/_ed833_monopolio_ou_oligopolio_contribuicao_ao_debate/
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