Banco do Brasil deixará cidades sem agência: entre a ‘função social’ e o mercado, via Nexo
Maior banco do país anuncia corte de funcionários e fechamento de agências para aumentar rentabilidade. Diretoria quer que lucro do BB chegue mais próximo dos concorrentes
FOTO: PILAR OLIVARES/REUTERS
O Banco do Brasil, maior banco do país, anunciou no domingo (20) que vai fechar 781 de suas 5.430 agências – 402 deixarão de existir permanentemente e 379 serão transformadas em postos de atendimento. As mudanças fazem parte de um processo de reestruturação da empresa, colocado em prática pela nova diretoria do banco, indicada pelo governo Michel Temer.
O processo, que envolve ainda um foco maior nos serviços digitais, prevê o corte de 9.300 funcionários. A expectativa da diretoria com as mudanças é diminuir custos e aumentar lucros da instituição.
“O Banco do Brasil é uma empresa listada [em bolsa], com governança corporativa, participação no mercado. Hoje a sociedade, os investidores, têm 45% do Banco do Brasil. Nós precisamos ter uma rentabilidade adequada ao tamanho do nosso banco. Esse é o processo que estamos fazendo.”
Paulo Rogério Caffarelli
Presidente do Banco do Brasil, em entrevista à GloboNews
A reestruturação foi bem recebida pelo mercado financeiro, que negocia ações do banco. No primeiro dia, os papeis subiram 6,9%. Os protestos vieram de setores contrários ao encolhimento do banco, como sindicatos de funcionários.
O maior banco do Brasil
O BB é o maior participante do mercado brasileiro, tem mais agências e está em mais lugares que seus concorrentes, apesar não ser o mais lucrativo. Historicamente, protagonizou a expansão da prestação de serviços bancários pelo país.
MAIOR CAPILARIDADE
Os dados do Banco Central são do mês de outubro, antes de a reestruturação ser anunciada e colocada em prática. O fechamento de agências anunciado pelo Banco do Brasil vai alterar esses números, mas não o suficiente para tirar a liderança.
Cidades deixarão de ter agência bancária
O Banco do Brasil exerceu ao longo dos anos um papel importante em cidades menores, abrindo agências em lugares onde não havia atendimento por nenhum banco.
A política rendeu ao BB números expressivos. Em 637 cidades brasileiras, ele é o único a ter agências. Ou seja, 11,4% dos municípios do país só contam com agências do Banco do Brasil atualmente.
O fechamento de agências pouco movimentadas é um dos pontos atingidos pela reestruturação. Em 150 dessas cidades, as agências serão transformadas em Postos Avançados de Atendimento (PAA) – uma estrutura mais simples e sujeita a outras regras. Isso significa que quase ¼ dessas pequenas cidades não vai ter mais agências bancárias.
Em seu site, o Banco do Brasil define PAA como um ponto com “estrutura reduzida de funcionários e atendimento eletrônico”. Pelas regras do Banco Central, o horário de atendimento e os dias de funcionamento do PAA podem ser “livremente fixados pela instituição”. O banco pode ainda definir que serviços serão prestados naquele posto de atendimento.
Questionado pelo Nexo, o Banco do Brasil garantiu que não vai haver piora no atendimento. “Não há mudanças quanto ao atendimento e a experiência do cliente tende a melhorar com a revisão de processos anunciada”, informou em nota. As diferenças, segundo a assessoria, serão “de caráter administrativo”. Os PAA’s não têm gerentes e, por isso, são subordinados a alguma agência.
Função social do banco público
A reestruturação gerou reações entre políticos de oposição e protestos de associações de funcionários do Banco do Brasil. O corte de vagas e o fechamento de agências foram chamados de “desmonte” por sindicatos, que comparam as mudanças a um processo de privatização.
Com uma estrutura maior do que seus concorrentes, o banco é menos rentável. No 3º trimestre de 2016, por exemplo, o Bradesco, segundo maior do país, lucrou 43% a mais. Essa é uma das justificativas para o corte de despesas.
Chamado de banco público, o Banco do Brasil não é uma empresa que pertence somente ao governo. O BB é uma sociedade de economia mista em que o governo é acionista majoritário, com 54% dos papéis. A outra parcela é negociada livremente em bolsa, o que obriga o banco a prestar contas de suas ações a investidores privados.
“O banco é atípico. Nós competimos com os bancos privados em condição de igualdade e exercemos um braço de governo, e somos remunerados para isso. Agora com o fato de o BB estar listado, existe uma expectativa do acionista, dos próprios funcionários, com relação à rentabilidade. Nós nos distanciamos muito da rentabilidade dos outros bancos”
Paulo Rogério Caffarelli
Presidente do Banco do Brasil, em entrevista à GloboNews
A divisão acionária do BB é mais um ingrediente na discussão sobre qual deve ser seu papel. A prioridade deve ser o lucro de seus acionistas, incluindo o governo que tem a maior participação, ou o banco deve ter uma função social pelo seu caráter público.
O Nexo fez três perguntas ao economista e professor da Universidade Federal Fluminense, Carlos Augusto Vidotto. Ele integrou o Conselho de Administração do Banco do Brasil entre 2003 e 2007.
Como avalia o fechamento de agências e a reestruturação do Banco do Brasil como um todo?
CARLOS AUGUSTO VIDOTTO À primeira vista essa reestruturação me parece pautada por uma estratégia exclusiva de mercado. Não disponho de avaliação sobre a rentabilidade de cada unidade nem do impacto global vislumbrado. Quando integrei o Conselho de Administração do Banco, entre 2003 e 2007, era prática pedir alguma reciprocidade da prefeitura ou agente público para a manutenção de unidades menos rentáveis. É possível também que a atual direção do banco esteja querendo aumentar o resultado porque ela recebe uma substancial participação nos lucros. Seria um caso de conflito de interesses entre a camada burocrática dirigente da estatal e os interesses da cidadania, que ficarão sem os serviços do banco. Mas, como disse, prefiro ver todos os dados, antes de definir uma posição.
Uma sociedade de economia mista, como o Banco do Brasil, deve ter “função social” ou priorizar o lucro de seus acionistas? É legítimo que o governo use seu poder de acionista majoritário para garantir melhores serviços para parte da população?
CARLOS AUGUSTO VIDOTTO A expressão função social talvez não seja adequada. O BB cumpriu historicamente a missão de interiorizar o desenvolvimento, hoje essa exigência é menos premente. Bancos privados são pró-cíclicos, quando aumenta a incerteza eles se retraem e precipitam a retração, como em 2009. Coube aos bancos federais agir de forma contracíclica, sustentado a liquidez do sistema econômico. Além da estabilidade macro, os bancos federais contribuem para a estabilidade financeira. Pegue a lista de crises bancárias no mundo, nas últimas décadas, compilada pelo Banco Mundial. O Brasil não está lá. Isso porque, toda vez que apareceu alguma desconfiança na solidez dos bancos privados, os depósitos migraram para o BB e CEF [Caixa Econômica Federal], que funcionaram como “safety havens” [porto seguro] para os agentes econômicos.
Como acionista controlador do Banco do Brasil, o governo tem poder de, sem o consentimento dos acionistas minoritários, apontar seu presidente e a maioria dos membros de seu Conselho de Administração. Você considera que ocorreram, no passado, ocasiões em que governo usou seu poder de acionista majoritário para fins políticos ou sociais?
CARLOS AUGUSTO VIDOTTO Desconheço “uso político” do Banco que tenha ficado impune. Em 2005, o Conselho de Administração agiu com diligência no caso Visanet, para citar um exemplo. Agora, “política econômica” o Banco tem de fazer, ele foi criado para isso. Nenhum acionista pode alegar desconhecimento desse fato. Por outro lado, o Banco goza de garantia implícita do controlador – e isso, de alguma forma, “está no preço” também, e alguns acionistas se esquecem. Em 1995, para refrescar a memória, o governo entrou fazendo um gigantesco aporte de capital na empresa, que titubeava. Isso não ajuda o minoritário? Na crise de 2008/2009, o governo Obama entrou ajudando as seguradoras Fannie Mae e Freddy Mac; é uma situação similar. No caso do BB e de estatais de capital aberto, em geral, não é fácil fazer um balanço do ônus e bônus da ótica do minoritário (na sua maioria, grandes investidores financeiros).
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