28 de ago. de 2017

Da caixinha do Adhemar à privatização da Eletrobras, por André Araújo - Editor - ROUBA MAS FAZ. FALEM MAL, MAS FALEM DE MIM. COMENTA-SE TAMBÉM, QUE DESPACHAVA DE CUECAS NO PALÁCIO DOS CAMPOS ELISEOS E FAZIA RETIRO NO CARNAVAL NUM CONVENTO DO BAIRRO DE SANTO AMARO-SP, TINHA TAMBÉM O FÉ EM DEUS E PÉ NA TÁBUA

Da caixinha do Adhemar à privatização da Eletrobras, por André Araújo

Da caixinha do Adhemar à privatização da Eletrobras
por André Araújo
Refrescar memórias de um passado distante é uma boa lição de política e de história. As novas gerações têm informação  limitada e desconectada em relação a uma rica fase do Brasil, rica de personagens expressivos, carismáticos, interessantes, perto dos quais os de hoje parecem figurantes menores pela sua pequenez e falta de estatura e até de charme e graça.
Por um desses curiosos cruzamentos de acasos, o anúncio da privatização da Eletrobras beneficiou mais do que qualquer outro a fortuna de um dos herdeiros dessa antiga era do Brasil do grande xadrez politico dos anos 45 a 60. Aliás, a fortuna beneficiada tem raízes nesse passado também de corrupção e populismo que nasceu especialmente após 1945.
Adhemar de Barros foi o primeiro politico populista do ciclo de Vargas. No sentido performático que a expressão condensa, Vargas tinha uma politica muito mais complexa do que populismo e sua persona politica era sóbria, fria e formal, um estadismo no sentido amplo.
Adhemar de Barros era uma figura de outro naipe, folclórico, andava em mangas de camisa, algo chocante para os políticos da época do chapéu, abraçava populares nas praças e ruas, confraternizava com bebuns em botecos, sempre bem humorado, simpaticíssimo, prestativo, era prato cheio de humoristas que o imitavam, como Alvarenga e Ranchinho.
Apesar desse aspecto meio anedótico, Adhemar era de família tradicional de fazendeiros, de educação apurada, médico com especialização em urologia na Alemanha, onde morou por três anos, falava fluentemente alemão e francês, um grande politico de seu tempo, foi decisivo para dar a Presidência a Getulio  no retorno de 1950 ao retirar sua candidatura presidencial e apoiar Vargas contra o Brigadeiro Eduardo Gomes, ainda fez o seu sucessor, Lucas Garcez, que depois rompeu espetacurlamente com seu padrinho politico.
O primeiro cargo de Adhemar foi o de Interventor no Estado de São Paulo, cargo equivalente ao de Governador no Estado Novo, nomeado por Getulio em 1937, sob apadrinhamento de Alzirinha Vargas. Ficou até 1941 e voltou em 1947 como Governador eleito.
Como contraponto a Adhemar nasceu o politico Janio Quadros, o paladino da moral que combatia o ademarismo, sem Adhemar não teria existido Janio, sem Janio não haveria o regime militar de 1964, a História é um sucessão de causas e efeitos. Adhemar depois de Governador foi Prefeito e voltou a ser Governador sendo um dos três lideres civis da Revolução de 1964 que depois ingratamente o cassou, como bom sibarita morreu em Paris.
Legando vasta fortuna aos herdeiros, sua rede de estações de  rádio virou o Grupo Bandeirantes de Televisão e Rádio, hoje de seus netos, também era dono dos chocolates Lacta e do bairro do Morumbi que loteou, além da Aerovias Brasil, hoje parte da TAM.
Construiu  obras emblemáticas no Estado: as rodovias Anchieta e Anhanguera, fundamentais para o Estado e o Hospital das Clínicas, hoje um complexo talvez o maior do mundo, com 23.000 empregados, 6.000 médicos, 19 edificios, uma verdadeira cidade médica onde se encontram Institutos famosos como o INCOR, do coração, o do Câncer, o da Mulher, etc.
Mas Adhemar teve também seu lado menos luminoso. A corrupção foi institucionalizada em seu Governo, com a célebre “caixinha”, nome do sistema onde empreiteiros, bicheiros, donos de prostibulos, fornecedores do Estado deixavam suas comissões, o que fez de Adhemar um dos homens mais ricos do Brasil a seu tempo. Um de seus correligionários e amigos foi José João Abdalla, deputado estadual  e federal, médico do interior de São Paulo e que se tornou multimilionário na politica ademarista. Sua maior façanha foi a compra da empresa canadense Brazilian Portland Cement Co.Ltd., uma das primeiras fábricas brasileiras de cimento, na cidade de Perus, conhecida como Cimento Perus. A Perus passou a ser a base da fortuna de Abdalla mas a estória contada no livro “Uma Homem Ameaça o Brasil” de F. Rodrigues Alves Filho, uma espécie de biografia de Adhemar, é que a compra da Perus foi paga com o dinheiro da “caixinha” e era para ele, Adhemar. Abdalla seria apenas o “laranja” da compra. Mas Abdalla comprou em seu nome e não entregou as ações para Adhemar, segundo o livro. Adhemar foi vitima do mesmo golpe inúmeras vezes, inclusive com o jornal O Dia, do Rio de Janeiro, comprado em nome de Chagas Freitas e que este não devolveu a Adhemar.
Abdalla foi um péssimo gestor da Cimento Perus, não pagava salários, impostos e INSS, com isso a fábrica estava continuamente em greve porque os trabalhadores queriam receber seus salários, o que carimbou para sempre Abdalla com o epiteto de “ mau patrão “.
Os operários faziam passeatas pelas ruas de São Paulo com faixas e sacolas para recolher donativos. A imagem de J.J.Abdalla ficou marcada para sempre  por essas passeatas e, entrevistado, Abdalla dizia que “não pagava imposto por uma questão de princípios”.
J.J.Abdalla construiu para si uma péssima imagem de empresário e chegou a ser preso várias vezes, o que naquele tempo era coisa rara para empresários ricos e políticos.
J.J.Abdalla era um homem refinado, bom vivant, de ótima aparência, não se confundia com os patrícios mascates daquela época, era mais especulador e politico do que industrial .
Foi casado com a dra.Rosa Abdalla, filha do Comendador Assad Abdalla, sírio de Homs, pioneiro da imigração árabe no Brasil. Rosa Abdalla morreu o ano passado com 101 anos completos. Sobre o pioneiro  Assad Abdalla escrevi um artigo há alguns anos aqui no blog.
A Perus acabou fechando e Abdalla saiu mais rico ainda,  investiu em indústrias têxteis, pedreiras, metalúrgicas, frigoríficos,  não tinha preferência por ramos, qualquer um servia, sempre com essa gestão de não pagar impostos, INSS , etc. Nada sobrou do império industrial Abdalla enquanto empresas com continuidade, mas J.J. sabia sair das quebras com bom capital.
Com o dinheiro que sobrava comprou muitas áreas de terras, fazendas e terrenos que conseguiu manter e  deixar para os herdeiros. J.J. faleceu aos 85 anos em 1988.
O  grande impulso da fortuna atual dos Abdallas, já agora com  os descendentes de Jose João Abdalla, felecido em 1988 e de seu irmão Antonio João Abdalla,  beneficiou respectivamente  Juca e Tony Abdalla,  herdeiros de  uma área de cerca de 700.000 metros quadrados ao lado da Marginal Pinheiros que antes da existência das avenidas não valia muita coisa, o terreno era usado como lixão.  A área foi desapropriada pelo governo do Estado para construção de um parque, o que todos aplaudiram  e após reviravoltas judiciais foi acertado um acordo com o Governador Quercia por um valol que não tinha relação com o valor real,  o Estado pagando  cerca de  R$ 2,8  bilhões, nos quais  se adicionaram R$300 milhões de juros moratórios, apesar  de não haver qualquer atraso nos pagamentos. Como era para fazer um parque, destino nobre, o aspecto do valor exagerado passou batido por todos os poderes do Estado, um terreno baldio cheio de lixo pelo equivalente a 1 bilhão e 300 milhões de dólares, por esse critério, o parque do Ibirapuera, muito maior e muito mais bem localizado deveria valer 10 bilhões de dólares, mais que o Central Park de Nova York.
A área estava em nome de uma empresa do grupo, a S.A.Central de Imoveis e Construções.
Juca  ficou com 70% e Tony com 30%. Juca fundou o Banco Classico e passou a gerir  sua fortuna recebida do Estado, R$1,4 bilhão , na época 700 milhões de dólares. O Banco Classico só tem um depositante, o próprio dono e passou a investir em títulos do Tesouro e  ações de alta liquidez, hoje detém 12,5% da Eletrobras e partipações altas na Petrobras, Bale e CEMIG, uma carteira avaliada em R$ 6 bilhões. Juca Abdalla tentou ser suplente de Senador por Roraima mas sua candidata (Teresa Jucá) não foi eleita, apesar do farto apoio de Jucá.
Tony Abdalla, o primo menos rico, comprou um jato Gulfstream, o mais caro do mundo na sua categoria, para 19 passageiros, mais outro jatinho menor, tem 15 automóveis de luxo, a única agência de carros Bentley no Brasi e perfil de playboy nas colunas sociais.
Com todo esse roteiro de eventos espetaculares que parecem sair de um romance, chega-se à privatização da Eletrobras com personagens saídos de uma coleção de jornais antigos, uma lembrança de que a historia politica do Brasil tem práticas seculares.
A caixinha de Adhemar rendeu frutos ao longo da História, parte dela está na Eletrobrás, se beneficiando de uma privatização que a mídia neoliberal elogia como coisa moderna, moderna como a “caixinha” do Adhemar dos anos 40 e como os aventureiros que ela enriqueceu a pairar como almas penadas sobre nossa realidade politica e econômica.
http://jornalggn.com.br/fora-pauta/da-caixinha-do-adhemar-a-privatizacao-da-eletrobras-por-andre-araujo
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