Quinta-feira, 9 de novembro de 2017
3 situações de racismo que continuam invisibilizadas
Foto: Jim Young/AFP
Se ”raça” não é mais validada pela ciência para classificar seres humanos, a ideia continua presente no cotidiano do país com 54% de população negra, segundo dados de 2015 do Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE).
”Quando as pessoas falam que o cabelo liso é ‘mais bonito’ e que o cabelo crespo é ‘ruim’, elas usam o conceito de raça para falar que há superioridade de um grupo em relação a outro”, afirma Lia Schucman, psicóloga social e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) sobre relações raciais no Brasil.
Para Maria Aparecida Silva Bento, doutora em psicologia social pela Universidade de São Paulo e coordenadora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), o racismo tem uma dimensão cotidiana que o faz ser “naturalizado” e cujo contexto pode dificultar ainda mais o seu apontamento:
“Quando um empregador ou uma empregadora fala algo para um subordinado, há uma situação hierárquica anterior à situação e que contribui para moldá-la. Por medo de ser demitido, o empregado não fala. Mas são situações que não passam despercebidas para quem sofre o racismo, mesmo que a pessoa não fale”, pontua.
Você trabalha aqui?
Segundo Schucman, há no Brasil um “imaginário” de que existem trabalhos para negros e outros para brancos, entrar em uma loja e perguntar a uma pessoa negra o preço de um produto, associar pessoas negras a trabalhos precarizados, por exemplo. “Enquanto um homem branco de terno e gravata é pensado como advogado, empresário e médico, um homem negro com a mesma roupa é associado a manobrista ou segurança”. Para ela, falta uma “resposta crítica” de ver essa configuração como resultado do racismo.
“As pessoas veem em seu cotidiano cargos de poder ocupados em sua maioria por brancos e pensam que isso acontece porque brancos são melhores. Falta uma resposta crítica de ver essa configuração como uma relação de poder, fruto do racismo’‘, avalia a pesquisadora.
Segundo Maria Aparecida, essa associação é um mecanismo para marcar a diferença entre o ”eu” e o ”outro”. ”Mesmo que esse outro divida espaços comigo, eu não o vejo como igual, mas em posição de subalternidade. Há uma positividade ligada às pessoas brancas: um imaginário sobre quem é competente, bonito, confiável”, afirma.
Para Ângela Figueiredo, o racismo continua quando essa pergunta é feita a negros em posições de poder. Em seu doutorado, sobre a classe média negra, ela ouviu relatos de empresários negros que se depararam com a mesma pergunta.
História Geral?
Outra situação se refere à elaboração dos currículos escolares. Mesmo com a Lei 11.645/2008, que torna obrigatório o ensino da história e da cultura de negros e indígenas, o espaço dedicado a elas ainda é pequena se comparada à da Europa. “O que chamamos de ‘história geral’ é, na verdade, a história da Europa. A civilização branca europeia representa toda a humanidade, enquanto outras histórias são particulares – ‘da África’, ‘das Américas’, ‘da Ásia'”, avalia Lia Schucman.
Segundo ela, esse processo de escolarização fortalece a construção de ideias generalistas sobre “grupos racializados”. Se brancos, “especialmente europeus”, são conhecidos em sua diversidade, o mesmo não ocorre com negros e indígenas. “Nós aprendemos que há poloneses, alemães, italianos, espanhóis, franceses, mas ainda pensamos negros e indígenas de forma homogênea. É um racismo colocá-los como um tipo social enquanto os brancos podem ser múltiplos.”
Para Ângela Figueiredo, pesquisadora docente da Universidade do Recôncavo da Bahia (UFRB), a Lei 11.645 foi uma “conquista” que deve ser ampliada a partir de “tratamentos igualitários”. “Em função da condição de escravos em que os africanos chegaram, fala-se dos negros a partir de referências genéricas. É como se não houvesse sujeitos antes da escravidão. Devemos ter ‘história da Europa’ assim como temos ‘história da África’. Acho interessante deslocar a Europa dessa suposta universalização, já que a história dela é particular como as outras”, avalia.
O que você acha do Barack Obama?
Perguntar para um negro o que ele acha de figuras públicas negras é outra situação corriqueira de racismo que, para Schucman, revela a visão de um negro como “porta-voz” do grupo.
Segundo Figueiredo, a pergunta reflete o baixo número de negros em posições de comando, o que faz os que estão nesse lugar se tornarem “vitrines” para falar da questão racial. Para a docente, outro erro é pensar que a opinião de um negro vale para todos os outros. “Os negros, assim como outras minorias sociais, tem divergências e complexidades que não são encerradas por uma única pessoa”,enfatiza a docente.
Alessandra Goes Alves é jornalista.
http://justificando.cartacapital.com.br/2017/11/09/3-situacoes-de-racismo-que-continuam-invisibilizadas/
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