26 de jan. de 2018

Não é comunicação, é política. - Editor - SE PUDESSEM AS ELITES FINANCEIRAS JÁ TERIAM DADO IMPEACHMENT AO PAPA FRANCISCO. NA ARGENTINA, PARA OS DONOS DO PAÍS, É PERSONA NON GRATA.

Não é comunicação, é política

Embora ataquem o papa Francisco como pessoa, tentando desconstruir sua imagem perante o público, o que realmente combatem são as ideias contrárias ao modelo econômico, político e cultural que se estabeleceu na Argentina e que continua ganhando terreno

 
22/01/2018 18:11
 
Por Washington Uranga
Muitos meses atrás, imediatamente depois do anúncio da visita de Francisco ao Chile e ao Peru as críticas ao Papa – primeiro dissimuladas e céticas, para logo serem diretamente transformadas em questionamentos – se multiplicaram nos meios de comunicação. Vários dos principais colunistas argentinos dos meios tradicionalmente sensíveis às altas cúpulas do catolicismo nesse país não ocultaram seu mal-estar pelo que qualificaram primeiro como uma “desconsideração” de Bergoglio o fato de evitar a Argentina como destino de suas viagens. Logo, subiram o tom das críticas, e terminaram acusando o Papa abertamente de ofender seus compatriotas.
Enquanto o Governo e seus porta-vozes oficiais guardavam recatado silêncio formal sobre o tema, seus aliados jornalísticos se encarregaram de vincular o Papa às manifestações opositoras, creditando a Francisco a maioria das opiniões vertidas por aqueles que cometeram a ousadia de questionar a gestão da “melhor equipe econômica dos últimos 50 anos” – segundo um grande jornal de circulação nacional. 
Numa matéria publicada no domingo anterior à chegada do sumo pontífice a Santiago, o diário La Nación dá voz ao arcebispo Víctor Manuel Fernández, reitor da Universidade Católica da Argentina (UCA), descrevendo a situação da seguinte maneira: “quem teve formação superior deve exigir que, quando escreva algo que pode afetar a outro, não se baseie em meras suposições. Por isso, chama a atenção até que ponto as afirmações jornalísticas sobre o Papa estão cheias de imaginação, e que esse imaginário parta sempre da interpretação de que Francisco estaria pensando permanentemente pensando em Macri. O ego argentino é grande”. Sem tanta precisão, mas com a mesma firmeza, a Comissão Executiva da Conferência Episcopal afirmou que quem quiser saber o que o Papa pensa deve se remeter aos seus documentos oficiais.
A visita papal ainda não havia começado. Supôs mal quem pensava que as advertências episcopais poderiam colocar limita às operações jornalísticas contra Francisco. As coberturas televisivas deram atenção especial às “as dificuldades” que enfrentava durante a viagem e a “apatia” dos chilenos, além de destacar as críticas de alguns setores com algumas atitudes do Papa. Outras informações ressaltavam o “dilema” dos argentinos (“menos do que o esperado”) que cruzaram a cordilheira: “Ir ao Chile ver o Papa ou ir aos shoppings fazer compras”. Imagens especialmente escolhidas e textos que referendavam o quadro de que as caravanas ao Chile estiveram “abaixo das expectativas”, tanto pela supostamente baixa participação nos atos massivos como pela pouco entusiasmada aceitação que o Papa recebeu dos chilenos. Entrevistas aos descontentes e reportagens televisivas para ressaltar os aspectos críticos foram ingredientes de uma estratégia jornalística que buscava “diminuir o cartaz” do Papa.
Motivos? Talvez o mais importante pode ser extraído das reflexões do arcebispo Fernández: “qualquer opinião que defenda os direitos dos mais vulneráveis poderá ter semelhança com a mensagem de Francisco, que sempre fala das feridas dos mais frágeis”. Isso é o que gera mal-estar e escandaliza aqueles que dizem não compreender os motivos pelos quais o Papa fala a favor dos pobres e critica o neoliberalismo. Francisco não corresponde à imagem do Bergoglio que eles haviam projetado no trono de Pedro. E isso desagrada os meios e os jornalistas que antes observavam complacentes como o poder religioso católico – tanto o Papa quanto os bispos locais – exibissem (às vezes desavergonhadamente) sua aliança com os poderes concentrados das empresas e da política. 
Aqueles que aplaudiam o monsenhor Bergoglio por suas atitudes críticas ao governo de Néstor Kirchner e instalavam o então cardeal de Buenos Aires – ainda que contra o seu desejo – como “líder da oposição”, hoje se queixam amargamente do Papa Francisco, a quem atribuem uma atitude pelo menos desconsiderada com o governo de Macri, além de favorável às críticas sociais e às manifestações por direitos. A contribuição do Papa “à realidade do nosso país deve ser encontradas em seu abundante magistério e em suas atitudes como pastor, não em interpretações tendenciosas e parciais, que só fazem aumentar a divisão entre os argentinos”, afirma a Comissão Executiva do Episcopado.
Mas o problema não é só o Papa, mas também os bispos, o que agrava a situação, já que eles também são cobrados pelos porta-vozes midiáticos. O Episcopado escolheu a condução de uma equipe encabeçado por Óscar Ojea, que não oculta sua adesão às ideias do Papa, além de se mostrar solidário com os problemas dos mais pobres.
Foi o que lembrou o arcebispo Fernández, em seu artigo ao La Nación; “na sociedade onde cresce a intolerância e os novos modos de censura, muitos optam por não opinar a respeito de graves temas sociais, porque opinar significa se expor a uma catarata de desqualificações e suspeitas”.
A cobertura noticiosa e jornalística da visita do Papa ao Chile e ao Peru configurou uma forte manifestação de hostilidade comunicacional para com Francisco. Os estrategistas da batalha política que hoje se disputa através da comunicação escolheram como alvo o Papa e todos aqueles que coincidam ou se alimentem de suas ideias e propostas. Embora ataquem Francisco como pessoa, tentando desconstruir sua imagem perante o público, o que realmente combatem são as ideias contrárias ao modelo econômico, político e cultural que se estabeleceu na Argentina e que continua ganhando terreno. Não é um problema comunicacional... é a política.
https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Nao-e-comunicacao-e-politica/4/39206
Tradução: Victor Farinelli
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