27 de mar. de 2018

RÁDIO REBELDE - A VOZ DA REVOLUÇÃO CUBANA, DESDE SIERRA MAESTRA., tese de Beatriz Pasqualino, na Universidade Estadual de Campinas, em 2016. -188 páginas - . - Editor - A LUTA PELA REGULAMENTAÇÃO DAS RÁDIOS E CANAIS COMUNITÁRIOS, NA ESFERA DO LEGISLATIVO, É UMA FORMA DE HEGEMONIA DA MÍDIA PERTENCENTE AO PIG- PARTIDO DA IMPRENSA -SEMPRE- GOLPISTA. SE HOJE TEMOS ESSA REAÇÃO NACIONAL CONTRÁRIA AO GOLPE E SEUS CORRUPTOS, DEVE-SE A FORÇA DESCOMUNAL, CONSEGUIDA PELA IMPRENSA DITA ALTERNATIVA. ESSA REGULAMENTAÇÃO E TODA SUA BUROCRACIA E ARGUMENTOS TÉCNICOS FALACIOSOS, VISAM CALAR A BOCA DO POVO. FELIZMENTE VIA WEB, HOJE JÁ SE ARREBENTOU BASTANTE A ESPINHA DORSAL DO PIG - PARTIDO DA IMPRENSA -SEMPRE - GOLPISTA. A REVOLUÇÃO POLÍTICA COMEÇA COM A INFORMAÇÃO REAL E NÃO FALACIOSA.

ONSIDERAÇÕES INICIAIS - http://www.usp.br/cje/radiojornalismo/antigo/index2.php?id=502


Esta pesquisa de mestrado surgiu de uma vontade, de uma inquietação e de um
compromisso militante, que foram semeados e cultivados desde o início dos anos 2000.
Primeiro, veio a paixão pelo rádio, ainda no curso de graduação em Jornalismo.
Diversos foram os motivos. A instantaneidade, a oralidade, a facilidade em transmitir a
informação a partir dos mais improváveis locais e, principalmente, a veia mais democrática
que outros meios de comunicação. Sim, afinal, o rádio é mais barato na comparação com a
televisão e o jornal e, por isso, pode se tornar – ainda que fora da legalidade – um instrumento
político de setores da sociedade tradicionalmente excluídos da mídia como emissores. Além
disso, não é preciso – teoricamente, uma vez que a comunicação é por voz e não por imagem
do emissor – estar dentro dos padrões estéticos impostos pela sociedade, como no caso da
televisão, na qual muitas vezes o “rosto bonito” ― e, por que não dizer, branco e magro ― é
condição sine qua non para estar na telinha na condição de emissor de informação, como
repórter ou apresentador. Não obstante, o custo de um receptor de rádio ― especialmente o
velho e imbatível “radinho de pilha” ― é muito menor na comparação com a tevê e não exige
pagamento periódico para acessá-lo, como no caso do jornal, por exemplo. E, por fim, a veia
mais “democrática” do rádio fica evidente, uma vez que tal meio de comunicação atinge
melhor a população não letrada, na comparação com veículos impressos, por exemplo.
Em meados de 2002, passei a coordenar o programa de rádio do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Vozes da Terra. Foi a feliz conciliação entre minha
paixão profissional e meu desejo de ter uma militância política. Ali fui apresentada, ainda que
tardiamente, à América Latina. Se na escola me ensinavam tudo sobre as Revoluções
Francesa e Industrial, quase nada aprendi sobre os hermanos e hermanas do Brasil – a não
ser, basicamente, a localização geográfica desses países. Sobre essa situação, vale relembrar
José Martí1:
A história da América, dos incas para cá, deve ser ensinada minuciosamente, mesmo
que não se ensine a dos arcontes da Grécia. A nossa Grécia é preferível à Grécia que
não é nossa, nos é mais necessária (MAO JUNIOR, 2007, p. 108).
1
José Martí (1853-1895), apóstolo da independência de Cuba.
16
Visitei Cuba em dezembro de 2003, após a conclusão do curso de Jornalismo, em
uma viagem de 15 dias, de férias. Queria conhecer a história da ilha socialista e ver com meus
próprios olhos o legado da revolução comandada por Fidel Castro ainda naquela época, 45
anos depois de findada a guerrilha2 na Sierra Maestra. Nessa ocasião, no tradicional Museu
da Revolução, fui apresentada à Radio Rebelde. Nunca tinha ouvido nada sobre essa emissora
histórica que existe até hoje3 e que, durante 311 dias, em 1958, foi instrumento do Exército
Rebelde contra a ditadura de Fulgêncio Batista. Na época, em que o MST mantinha
arduamente4 algumas dezenas de emissoras de rádio em acampamentos e assentamentos pelo
Brasil afora5, me parecia que a experiência da Radio Rebelde teria muito a ensinar aos
“rebeldes sem-terra brasileiros”. Aliás, a ensinar a todos os povos da América Latina. Até
porque não se trata de estudar Cuba somente, mas de pesquisar nossa própria história, como
latino-americanos, com passado comum de exploração, opressão e resistência.
Tendo retornado, descobri que eram poucas as informações sobre a Radio Rebelde
no Brasil ou na internet. Por que essa experiência não recebeu a devida atenção em
publicações pelo mundo afora?
Uma década se passou e eu estava convencida de que precisava dar uma modesta
contribuição na tarefa de registrar a história da Radio Rebelde e entender – e, quiçá, tentar
explicar – o papel de uma emissora clandestina, montada em uma guerrilha na Sierra Maestra
há mais de 50 anos na estratégia para a derrubada da ditadura em Cuba e consequente vitória
da revolução.
2
Entende-se como período de guerrilha na Revolução Cubana o intervalo entre o dia de desembarque (2 de
dezembro de 1956) em território cubano da expedição do iate Gramna, oriunda do México, ao dia 1º de janeiro
de 1959, considerado marco do triunfo dos revolucionários sobre o Exército da ditadura de Batista, já que os
rebeldes deixam a Sierra Maestra e ocupam as cidades cubanas. Portanto, trata-se de um período de 25 meses.
3
A Radio Rebelde completou 57 anos em 24 de fevereiro de 2015. Atualmente tem sede em Havana e conta com
programação 24 horas por dia e alcance de 98% do território cubano. É transmitida nas frequências AM (670 -
710 – 1180 Khz), FM (96.7 Mhz) e OC (bandas de 31m e 49m), além da internet. Os programas têm caráter
essencialmente informativo, com destaque à cobertura de eventos esportivos. Possui 274 funcionários,
garantindo a presença de jornalistas em todas as províncias do país, inclusive no município especial Isla de la
Juventud. Hoje se identifica como Radio Rebelde: Al ritmo de la vida. Fonte:
http://www.radiorebelde.cu/quienes-somos/. Acesso em 13 de setembro de 2013.
4
A luta constante era contra a apreensão de equipamentos e a prisão de militantes das rádios não legalizadas pela
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e pela Polícia Federal, bem como havia o desafio de manter
financeira e editorialmente uma programação com conteúdo atrativo e alinhado aos princípios do MST.
5
Um levantamento parcial realizado pelo Setor Nacional de Comunicação do MST em 2015 apontou que, de 14
estados consultados, 11 possuíam alguma iniciativa em rádio (emissora propriamente dita, rádio-poste, espaço
comprado/cedido em emissoras da localidade etc.).
17
Assim, entre julho e agosto de 2011, retornei a Cuba, em viagem de 15 dias, desta
vez com o apoio do MST6, com o propósito de fazer uma primeira pesquisa exploratória para
saber se haveria condições de levar adiante uma possível pesquisa de mestrado sobre o
assunto. Eu ainda não havia prestado a seleção para a pós-graduação. Existiriam gravações
das transmissões? Haveria combatentes vivos para contar essa história? Ouvintes? Será que
encontraria publicações sobre a emissora? Trabalho de campo
A escolha da data para a segunda viagem a Cuba não foi aleatória. O objetivo era
estar no país no Dia da Rebeldia Nacional: 26 de julho. Trata-se de uma data de
comemorações oficiais em toda a ilha: o aniversário dos assaltos aos quartéis Moncada e
Carlos Manuel de Céspedes pelos rebeldes liderados por Fidel Castro em 1953. O episódio é
considerado o marco do nascimento do Movimiento Revolucionário 26 de Julio (M-26-7) e da
luta armada clandestina. Essa sim é a data mais comemorada – em termos de eventos oficiais
– como aniversário da Revolução Cubana, e não 1º de janeiro de 1959, dia em que o último
grupo de rebeldes desceu a Sierra Maestra vitorioso, com a tomada do país e a fuga do
ditador. Para os cubanos, trata-se de celebrar a gênese do M-26-7.
Anualmente, uma cidade é selecionada pelo governo cubano como sede do ato
oficial de 26 de julho, que conta sempre com a presença de vários combatentes vindos de
diversas partes da ilha e do presidente do país, Raúl Castro. Estar presente nesse ato oficial,
portanto, era uma oportunidade de estar com diversas fontes em potencial em um mesmo local
e data, ocasião ainda mais rara quando se pensa que os poucos combatentes ainda vivos são,
sem exceção, idosos. Vale registrar que o Exército Rebelde era integrado, não raro, por jovens
com menos de 30 anos e que hoje, se vivos, estariam com mais de 70 ou 80 anos.
Embora a participação como espectador dessa cerimônia não seja aberta a
qualquer pessoa – pois o público é organizado por indicações de organizações locais da
comunidade e é altamente disputado –, eu poderia participar como jornalista internacional e
6
O apoio do MST à minha pesquisa se traduziu em me colocar em contato com pessoas em Cuba as quais,
posteriormente, se tornariam fundamentais para a pesquisa, bem como no credenciamento junto ao Centro de
Prensa Internacional (CPI), do Ministério das Relações Exteriores, como jornalista militante do movimento. Tal
apoio me auxiliou nos contatos com fontes, uma vez que os cubanos, em geral, conhecem e admiram a luta do
MST no Brasil e sabem de sua solidariedade para com a Revolução Cubana. Ou seja, chegar às fontes em Cuba e
me apresentar como uma jornalista brasileira não se traduz na mesma receptividade que tive como jornalista
brasileira militante do MST.
18
me juntar ao coletivo da imprensa estrangeira que cobriria o evento. Foi o que fiz tanto nessa
segunda viagem como na seguinte, em 2013.
Em 2011, a cidade que sediou o ato oficial foi Ciego de Ávila. Após a cerimônia,
tentei localizar combatentes que estiveram na Sierra Maestra. Quase em vão, já que os que ali
estavam eram rebeldes que participaram do assalto ao Moncada, e não da guerrilha
propriamente dita. Contudo, por uma “quase sorte”, no hotel onde tais combatentes se
hospedaram conheci Arsenio Garcia D´Ávila, um dos únicos – quiçá o único – guerrilheiro da
Sierra Maestra. Cheguei até ele por meio de contato com os organizadores do evento oficial
que estavam no hotel naquele momento após a cerimônia. O nome dele já estava na lista que
eu tinha elaborado após as pesquisas prévias à viagem a partir do material existente na
internet sobre a Radio Rebelde e a guerrilha, e em livros sobre esse período.
Na entrevista descubro que ele era um dos 12 expedicionários do iate Granma7
sobreviventes8 do que ficou conhecido como combate de Alegria de Pio9 e que deram início à
guerrilha. Não obstante, D´Ávila foi combatente na Coluna 1, comandada por Fidel e que
tinha como base a chamada Comandancia de la Plata, local onde a Radio Rebelde ficou
sediada a partir de maio de 1958, após três meses do início das transmissões. Sendo assim, ele
se tornou uma fonte primordial para esta pesquisa sobre o uso da rádio pela guerrilha.
Em Havana, com os nomes de combatentes ligados à emissora na Sierra, busqueios um a um por meio de consultas à companhia telefônica cubana. Encontrei somente um da
lista: o coronel Ángel Celestino Fernández Vila, que só aceitou conversar comigo depois de
confirmar com uma conhecida jornalista cubana – Irma Shelton –, amiga do MST, que eu era
de confiança política. Tendo em vista a formação militante revolucionária dele, bem como a
conjuntura de condenação midiática quando o tema é Revolução Cubana, não foi supresa essa
7
O iate Granma foi a embarcação que levou de Tuxpan (México) a Cuba os 82 rebeldes do M-26-7, sob o
comando de Fidel Castro, com o objetivo de derrubar a ditadura de Batista. Depoimentos dão conta das
dificuldades – entre elas, fome, sede e enjoos – que os rebeldes enfrentaram durante os sete dias de viagem.
“Muitos de nós pensavam que este iate nos transportaria para algum barco grande. Mas não mudamos de barco, e
o iate ficou sendo o transporte definitivo, a ponte entre o México e Cuba. Que eu saiba, ninguém fez travessia tão
longa num iate que podia transportar somente dez ou doze pessoas, mas no qual iam amontoados oitenta e dois
homens, mal podendo mover-se, além de carga, armas, balas, mochilas, uniformes, sacos de laranja, tanques de
água, latas com combustível de reserva, um bote, e um dos dois motores avariados” (BOSQUE, 1991, p. 10).
8
Entre os expedicionários do iate Granma, estavam Fidel Castro, Raúl Castro, Ernesto Che Guevara, Camilo
Cienfuegos e Juan Almeida Bosque, revolucionários-chave comandantes de colunas rebeldes da Guerra de
Libertação Nacional.
9
Poucos dias depois do desembarque do Granma, realizado em 2 de dezembro de 1956, os rebeldes foram
surpreendidos pelos soldados da ditadura. Dos 82 expedicionários do iate, 70 foram assassinados.
19
cautela dele. Considero que o contato com a Irma, bem como o fato de me apresentar como
jornalista do MST, facilitou tal confiança. É público que o MST é um movimento popular
com repercussão mundial e que se solidariza com a Revolução Cubana e almeja a construção
de uma sociedade socialista, mantendo relação – inclusive – com o governo cubano. Para citar
um exemplo, dezenas de estudantes sem-terra fazem a graduação em Medicina em Cuba, por
meio de convênios estudantis governamentais.
Vila, que na época da guerrilha estudava Medicina, foi subdiretor da Radio
Rebelde nos últimos dois meses da luta na Sierra10, tendo sido antes delegado nacional de
Propaganda do M-26-7 em Havana e um dos fundadores do jornal clandestino Vanguardia
Obrera, órgão oficial do Movimento em 1958. Qual não foi minha surpresa quando, no
primeiro contato pessoalmente, ele me mostrou um “tesouro escondido”: cerca de 100
documentos (textos originais) que foram lidos pelos locutores da emissora ainda na guerrilha
e que permaneceram guardados em uma gaveta da casa dele. Inéditos até então11. Vila deixou
o material à minha disposição para que fosse digitalizado, além de me conceder uma primeira
entrevista naquela ocasião.
Perguntado sobre o motivo de ter guardado esses documentos em plena guerrilha,
Vila explicou que já na cidade de Palma Soriano, ou seja, nos momentos finais da luta
insurrecional, Fidel precisava de um documento que ele havia lido na Radio Rebelde. Vila,
então, busca em seus arquivos e o entrega ao comandante, que ficou “maravilhado” com o
fato de ele tê-lo guardado. “Aí me dei conta do que eu tinha, que era um tesouro”, contou.
Em termos de publicações, encontrei nesta viagem um único livro12 que tratava da
Radio Rebelde na época da guerrilha como tema central. Nas demais e abundantes
publicações sobre a guerrilha ou o M-26-7, embora não raro houvesse menção à emissora, o
10
Vila foi enviado à Sierra Maestra e passou a atuar como subdiretor da emissora em novembro, função que
exerceu até o triunfo do Exército Rebelde, em 1º de janeiro de 1959. Ele era dirigente estudantil da FEU
(Federación Estudantil Universitaria) em Havana – onde frequentava a Faculdade de Medicina – e já participava
de manifestações contra o ditador Fulgêncio Batista, desde o ano do golpe: 1952. A partir da radicalização do
movimento estudantil para a luta revolucionária, ele se incorpora à seção operária (obrera) do Movimiento 26 de
Julio, uma vez que, além de universitário, trabalhava como torneiro. Ali, atua na propagando voltada ao setor
obrero, de onde resulta o jornal Vanguardia Obrera (do M-27-7), do qual é fundador.
11
Em 2014, Vila lançou um livro de memórias no qual explora a história dos meios de comunicação clandestinos
durante a guerrilha em Cuba e traz alguns poucos documentos apresentados também nesta dissertação. Trata-se
da obra Por las ideas del Moncada, publicada em 2013 pela Casa Editorial Verde Olivo, de Havana. Grande
parte do material recolhido nesta pesquisa continua inédita.
12
Na obra 7RR La historia de Radio Rebelde, de 1978, o autor Ricardo Martínez Victores, um dos fundadores
da emissora, reúne testemunhos de diversos atores sociais que participaram da construção e da manutenção da
rádio na Sierra Maestra durante a guerrilha.
20
assunto merecia poucas linhas. Além disso, foi possível copiar seis arquivos digitais em áudio
com transmissões originais da Radio Rebelde em 1958, a partir do acervo da própria emissora
e da Radio Habana Cuba. Diante desses materiais, concluí que seria viável realizar esta
pesquisa acadêmica ao nível de mestrado. A questão central: por que e como o rádio fez parte
da estratégia do Exército Rebelde na Sierra Mestra?
Tendo sido aprovada no Programa de Pós-Graduação de Sociologia no Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, em julho de 2013 parti para a terceira viagem a
Cuba, com foco no trabalho de campo. A viagem durou 39 dias e tinha dois objetivos centrais:
encontrar e digitalizar todo e qualquer material disponível sobre a Radio Rebelde tanto em
acervos pessoais como em bibliotecas e emissoras; e entrevistar mais pessoas que lutaram na
Sierra Maestra e tiveram relação com a rádio, para poder reconstituir com mais elementos a
história da emissora no processo pré-revolucionário. De novo o mês de julho foi escolhido por
conta do ato oficial de 26 de julho, ao qual assisti como jornalista estrangeira novamente.
Desta vez, a comemoração se deu na cidade de Santiago de Cuba e foi maior, pois
se tratava do aniversário de 60 anos do assalto ao Moncada, localizado nesse mesmo
município. No entanto, justamente por tal razão de ser uma data expressiva para marcar a
efeméride, não foi possível localizar e entrevistar combatentes, uma vez que havia um rígido
esquema de segurança por causa da presença de vários chefes de Estado e autoridades locais
no evento. A chegada e a saída dos combatentes se deram de forma restrita e isolada da
imprensa e do público.
Todavia, copiei mais áudios originais da emissora na época da guerrilha os quais
estavam no acervo da Radio Habana Cuba e que em 2011 ainda não estavam digitalizados,
além de outros relacionados ao tema. Além disso, fotografei todas as edições disponíveis na
Biblioteca Nacional José Martí, em Havana, dos mais importantes jornais e boletins
clandestinos da época da guerrilha que eram órgãos oficiais do M-26-7 e que, não raro,
reproduziam notícias transmitidas pela Radio Rebelde, conforme será exposto ao longo desta
dissertação. São eles: Vanguardia Obrera, Revolución, Sierra Maestra e El Cubano Libre.
Cabe registrar que a relação da emissora com essas publicações também se dava na via
inversa: os locutores liam textos veiculados nesses impressos.
Pude, ainda, fotografar mais material inédito até então. Se antes Vila havia me
passado apenas uma pasta com notícias originais lidas pelos locutores na guerrilha, desta vez
ele me entregou outras cinco que ele mantinha em sua casa. Eram mais 160 documentos,
21
aproximadamente. Além disso, me possibilitou a cópia de diversas edições de jornais
clandestinos que ele guardava, parte delas não disponível na Biblioteca Nacional José Martí.
Por meio do contato facilitado por Vila, entrevistei Ciro Arturo Del Rio Guerra,
um dos responsáveis pelo traslado dos equipamentos da emissora à Sierra Maestra, a pedido
de Che Guevara, em 1958. Guerra passou a integrar o Exército Rebelde, atuando como
segurança do “estúdio” da Radio Rebelde e como soldado em combates contra o exército da
ditadura. Naquele momento, foi possível obter mais detalhes sobre a logística para envio dos
equipamentos aos guerrilheiros, bem como coletar relatos e impressões pessoais do
combatente sobre a atuação da emissora no período.
Visitei a Comandancia de la Plata13 na Sierra, porém o museu da Radio Rebelde
ali estava fechado para obras. Durante subida da montanha, soube que o guia turístico que nos
acompanhava era justamente vizinho de Eugenio Medina uma das fontes que eu tentava
localizar , de 71 anos, um dos membros da família de camponeses que formavam o grupo
musical Quinteto Rebelde, cuja criação foi idealizada por Fidel, que entendia a música como
fator que poderia melhorar o ânimo dos guerrilheiros e também desmoralizar os soldados de
Batista, conforme será abordado com mais detalhes ao longo da dissertação. Esses
camponeses participaram regularmente das transmissões da Radio Rebelde na guerrilha. Com
auxílio do guia, consegui entrevistá-lo nessa ocasião.
Já em 2013, realizei entrevista com a atual diretora-geral da emissora, Sofia
Mabel Manso Delgado, e com Pedro Pablo Figueredo, que exerceu tal cargo entre 1998 e
2003. Em junho de 2015, retornei a Cuba e estabeleci mais uma vez contato com Vila para
compartilhar com ele o andamento da dissertação e tirar eventuais dúvidas.
A hipótese que norteou esta pesquisa foi a de que, além de ser meio de
informação, a Radio Rebelde influenciou o processo guerrilheiro revolucionário cubano ao
atuar como instrumento de informação do povo e como aparato militar. Cabe esclarecer que
esta pesquisa teve foco no emissor, e não no receptor das notícias da Radio Rebelde.
Inicialmente, pretendia-se entrevistar também ouvintes da emissora na época em que a rádio
era clandestina. Nas primeiras conversas com ouvintes realizadas na viagem de 2013, todavia,
13
Atualmente, essa região pode ser acessada por meio de uma trilha de três quilômetros (3 km) percorrida com
guias especializados em ecoturismo e história. Nessa região também é possível visitar as instalações originais da
Radio Rebelde, com a exibição de alguns equipamentos radiofônicos utilizados pelos rebeldes. Trata-se hoje de
um ponto turístico da província Granma, no Parque Nacional Turquino.
22
concluiu-se que não haveria material suficiente para uma análise também do ponto de vista do
receptor. Isso porque os depoimentos eram muito semelhantes (limitavam-se, em geral, a
dizer que ouviam escondido a emissora e que “todo mundo” escutava a rádio para saber da
guerrilha) e sem mais elementos que permitissem tal análise naquele momento.
Para isso, os estudos foram realizados sob a perspectiva de Gramsci, a partir da
compreensão do autor italiano sobre o conceito de hegemonia e o papel da imprensa no
cenário político. Tal escolha foi feita com o objetivo de investigar a Radio Rebelde como
ferramenta de comunicação contra-hegemônica.
Esta pesquisa também se propôs a reunir os materiais coletados numa tentativa de
contribuir para a memória e a reconstituição da história da emissora para pesquisa futura de
mais fôlego. O esforço investigativo deu-se no sentido de produzir uma narrativa histórica
densa sob o viés acadêmico, sobre o tema da propaganda clandestina da guerrilha da
Revolução Cubana a partir do relato dos próprios atores combatentes; de criar condições para
a sistematização da trajetória clandestina da Radio Rebelde; e de se tornar um dos possíveis
caminhos para socializar esse conhecimento para além das estantes de bibliotecas dentro de
universidades. Coleta de dados
Durante a pesquisa, a coleta de materiais foi feita por diferentes métodos. O ponto
de partida foi o contato com Vila, que concedeu entrevistas ao longo da pesquisa,
disponibilizou para digitalização o seu acervo pessoal de textos originais locutados na Radio
Rebelde (bem como de jornais clandestinos do M-26-7) e me colocou em contato com Ciro
del Río, um dos responsáveis por levar os equipamentos da estação de rádio para a Sierra
Maestra. Além dos encontros presenciais em Cuba com Vila, foram mantidas trocas de
mensagens por correio eletrônico ao longo da pesquisa.
Nas viagens à ilha, foram investigados os acervos de duas importantes bibliotecas
de Havana: a Biblioteca Nacional José Martí e a Biblioteca Rúben Matinez, onde foram
buscados artigos e reportagens de jornais e revistas. De parte deles a pesquisadora já possuía
os dados da publicação (título, veículo e/ou data), coletados por meio de citações indicadas
em outros textos e livros sobre a Revolução Cubana. Outra parte foi acessada a partir da
investigação dos jornais clandestinos do M-26-7 e de outros de circulação relevante no
período entre 1957 e o primeiro trimestre de 1959, aproximadamente. O objetivo desse recorte
23
temporal foi abranger o período que antecedeu as transmissões da Radio Rebelde e durante o
qual já havia luta armada na Sierra Maestra, bem como observar os desdobramentos nos
primeiros meses após a vitória dos revolucionários, uma vez que poderia haver menção nas
publicações sobre o papel do rádio no processo de luta por liberação.
Ainda na pesquisa in loco, foram obtidas cópias de arquivos de áudio relacionados
à Radio Rebelde e que fazem parte do arquivo da Radio Habana Cuba e da própria Radio
Rebelde. Tais materiais foram coletados a partir de visitas a tais emissoras, por meio de
contatos de jornalistas cubanos simpatizantes do MST.
Após tal trabalho de campo, o esforço foi no sentido de organizar os dados, ou
seja, transcrever as entrevistas; catalogar as fotos de jornais de acordo com data e tipo de
publicação, unificando arquivos repetidos; catalogar as fotos dos textos originais da emissora,
tentando agrupá-los na medida do possível em data de veiculação; e transcrever áudios
originais da Radio Rebelde. Vale ressaltar que se optou por manterem as transcrições em
língua espanhola a fim de que não houvesse qualquer prejuízo (seja de conteúdo, semântico
ou de entonação) derivado da tradução para o português.
Apesar de, desde a primeira viagem a Cuba, haver a intenção de que a pesquisa
abordasse não somente o emissor das mensagens radiofônicas durante a guerrilha, isso não foi
possível. Em conversas informais realizadas com potenciais ouvintes da Radio Rebelde em
1958, verificou-se o discurso quase unânime a respeito do assunto dos que, obviamente,
possuíam o receptor de rádio (cujo preço não era dos mais baixos) , uma vez que se
limitavam a dizer que ouviam sim a emissora, em volume baixo, em casa para que os
soldados da ditadura não os flagrassem comentendo tal “crime”. A partir desse cenário
percebido no trabalho de campo, a pesquisa priorizou a análise das informações radiofônicas
com foco no emissor desse conteúdo, o que não elimina a possibilidade de se focar no
receptor em investigação futura, tendo como base métodos e abordagens adequadas para
explorar essa outra perspectiva.
Apresenta-se, abaixo, o resumo dos materiais coletados de fontes diversas:
Textos das notícias lidas pelos locutores da Radio Rebelde nos dois últimos meses de
guerrilha: novembro e dezembro de 195814. Esse material integra o acervo pessoal de Ángel
Fernández Vila. Trata-se dos papéis originais usados pelos locutores da emissora na Sierra
14 É possível limitar a data desse material aos últimos dois meses de guerrilha, pois foi o período em que Vila
esteve na Sierra Maestra e assumiu a tarefa de subdiretor da Radio Rebelde.
24
Maestra e que até a presente pesquisa permaneciam guardados na casa dele. São cerca de 260
documentos fotografados. Cabe registrar que esse material raramente indica a data de
veiculação do texto radiofônico, assim como não se refere a todas as notícias transmitidas pela
rádio nos últimos dois meses de guerrilha15;
Áudios de transmissões originais da Radio Rebelde em 1958, bem como outros áudios
relacionados ao assunto. São 13 arquivos digitais16 do acervo da Radio Habana Cuba e da
Radio Rebelde;
Edições de jornais clandestinos que eram órgãos oficiais do M-26-7 em 1957 e 1958: El
Cubano Libre, Revolución, Vanguardia Obrera e Sierra Maestra. Tal material foi fotografado
a partir do acervo disponível na Biblioteca Nacional José Martí, em Havana, e do acervo
pessoal de Ángel Fernández Vila. Somam 90 edições. O objetivo é extrair dessas publicações
as notícias diretamente relacionadas à Radio Rebelde, uma vez que havia muito intercâmbio
entre a notícia da rádio e o que se publicava nesses jornais, ou vice-versa;
Entrevistas gravadas em áudio e vídeo com combatentes do M-26-7 que tiveram
participação direta ou indireta nas transmissões da Radio Rebelde na Sierra Maestra. São
quatro entrevistados: Ángel Fernández Vila, Arsenio Garcia D´Ávila, Ciro Arturo Del Rio
Guerra e Eugenio Medina17;
E artigos em jornais e revistas, posteriores à vitória da revolução, que reproduzem textos de
notícias veiculadas pela Radio Rebelde, quando das transmissões clandestinas. A dissertação
A partir da percepção pela minha própria experiência pessoal, bem como dos
currículos oficias escolares de que existe uma lacuna importante de conhecimento entre os
brasileiros sobre a história da América Latina, em especial de Cuba, optou-se no primeiro
capítulo intitulado “Movimiento 26 de Julio, Assalto ao Moncada e propaganda clandestina”
por localizar o leitor no contexto da época. Não seria possível abordar a Radio Rebelde sem
entender o golpe de Batista em 1952, sem saber quem foi José Martí e sem ter noção da
importância do assalto ao Quartel Moncada para a luta armada revolucionária. Ainda no
15
Vila relatou a esta pesquisadora que parte do material guardado por ele na Sierra Maestra desapareceu logo
em seguida do triunfo, em janeiro de 1959.
16
Para detalhes sobre esses áudios, consultar “Documentos sonoros” em “Fontes e Bibliografia”.
17
Para saber mais sobre os entrevistados, consultar “Entrevistas” em “Fontes e Bibliografia”.
25
referido capítulo, tratou-se de apresentar brevemente o Movimiento Revolucionário 26 de
Julio para, em seguida, apontar como a propaganda clandestina aparecia como um dos pilares
da luta dos militantes para burlar a censura e denunciar os crimes da ditadura. É nessa parte da
dissertação que são apresentados os principais órgãos de imprensa do M-26-7, com a
publicação de páginas digitalizadas do acervo de Vila e de bibliotecas.
No segundo capítulo, intitulado “Radio Rebelde, a voz da Sierra Maestra”,
buscou-se expor facetas dos debates teóricos sobre o rádio, passando por Brecht, Benjamin,
Hale, McLuhan. Além disso, houve a preocupação de ilustrar alguns usos semelhantes desse
meio de comunicação em contexto de guerra, guerrilha ou efervescência político-social. Para
isso, deu-se preferência a casos da realidade latino-americana, tais como a Radio Sandino na
Nicarágua, a Radio Venceremos em El Salvador, ou mesmo a Cadeia da Legalidade
comandada por Leonel Brizola contra o golpe cívico-militar no Brasil de 1964, e o uso das
ondas radiofônicas na Revolução Constitucionalista de 1932. É nesse capítulo que, a partir
dos relatos dos combatentes, com apoio da bibliografia e do material digitalizado, é resumida
a trajetória dos 311 dias de transmissão da Radio Rebelde na Sierra Maestra. Neste sentido,
abordam-se a primeira emissão, a equipe de trabalho, a rotina de produção, o alcance das
transmissões, o uso da música, a relação da emissora com os órgãos clandestinos de imprensa
do M-26-7, entre outros aspectos.
Ainda nesse capítulo, a dissertação categoriza os tipos de conteúdo transmitidos
pela emissora, a partir dos documentos coletados do acervo pessoal de Vila. Nesse sentido,
lança luz ao público-alvo das emissões, linguagem utilizada, estratégia comunicacional, bem
como outros recursos de cunho ideológico presentes no conteúdo radiofônico, como para que
a população cubana se mobilizasse contra a ditadura.
Nas “Considerações Finais”, buscou-se fazer o diálogo entre a descrição histórica
da trajetória da emissora realizada a partir dos relatos e documentos pesquisados e o
contexto político cubano da época, apontando em que medida a Radio Rebelde influenciou o
processo revolucionário.
Por fim, nos anexos são apresentadas as listagens de entrevista, documentos
sonoros e textos de jornais e revistas recolhidos em Cuba ao longo da investigação e que
foram utilizados para a construção desta dissertação.

27
CAPÍTULO 1:
MOVIMIENTO 26 DE JULIO, PROPAGANDA E RÁDIO
“La propaganda es vital.
Sin propaganda no es posible movilizar a las masas,
y sin movilización de las masas, no hay Revolución” Fidel Castro em carta enviada à combatente do
Movimiento Revolucionario 26 de Julio, Melba Hernández, em 27 de agosto de 1955. (Arquivo de História do Conselho de Estado)
28
1.1. ANTECEDENTES DO CONTEXTO HISTÓRICO
Para entender a conjuntura que propiciou o surgimento da Radio Rebelde, temos
que conhecer o Movimiento Revolucionario 26 de Julio e vislumbrar o quadro político,
econômico e social cubano no período.
Do ponto de vista demográfico, na década de 1950, Cuba era um país com
predomínio de população urbana (57% da população total, que era de 5.829.029 habitantes),
com expressivo índice de analfabetismo (23,6% da população com 10 anos ou mais),
concentrado especialmente na área rural (41,7% do total de analfabetos com 10 anos ou mais).
No que se refere ao emprego, 46,2% da população com 14 anos ou mais estavam fora da força
de trabalho. O índice representa um total de 1.768.805 pessoas18.
Sob o ponto de vista político e econômico, se faz necessário visitar os
antecedentes dos anos 1950, voltar o olhar para as lutas por libertação que o país travou. Essa
necessidade fica mais evidente com a seguinte declaração de Fidel Castro, em 1973, no
aniversário de 20 anos do assalto ao Quartel Moncada:
La fase actual de la Revolución Cubana es la continuidad histórica de las luchas
heroicas que inició nuestro pueblo en 1868 y proseguió después infatigablemente en
1895 contra el colonialismo español; de su batallar constante contra la humillante
condición a que nos sometió Estados Unidos, con la intervención, la Enmienda Platt
y el apoderamiento de nuestras riquezas que redujeron nuestra patria a una
dependencia yanki, un jugoso centro de explotación monopolista [...]19
Consideramos que não se pode desvincular o processo revolucionário cubano da
década de 1950 como um “episódio” isolado das lutas por libertação do país que antecederam
a vitória de 1º de janeiro de 1959. Rejeita-se, de partida, portanto, a visão não rara e que
advém da equivocada análise maniqueísta e apaixonada da história cubana: ser contra a
Revolução ou a favor dela de que o processo de lutas que culminou na Revolução Cubana é
18
Censo da população cubana. In: Los Censos de Población y Viviendas en Cuba: 1907-1953. Disponível em:
http://www.one.cu/publicaciones/cepde/loscensos/anexo_7.pdf Acesso em: 30 maio 2014.
19
CASTRO, F. Fragmentos del discurso pronunciado por el Comandante en Jefe Fidel Castro Ruz, en e lacto
central en conmemoración del ataque al cuartel Moncada. Revista Bohemia, 2013, p.121.
29
fruto de pouco mais de uma dezena de heroicos combatentes que vieram do México e
“salvaram” a povo cubano, sob liderança de Fidel Castro e Che Guevara, principalmente.
É desta perspectiva de continuidade de um processo histórico que parte esta
dissertação20. Tal acepção se coaduna com o pensamento do sociólogo Emir Sader:
[...] a revolução cubana de 1959 foi a continuidade das frustradas lutas de
independência iniciadas na segunda metade do século passado e pode ser
caracterizada efetivamente como uma revolução não pelo fato de ter tomado o
poder, mas por ter desenvolvido um processo de transformações radicais das
estruturas econômicas, sociais, políticas e ideológicas que fizeram de Cuba o
primeiro país socialista da América Latina e do mundo ocidental (SADER, 1992,
p.15).
Por conta de sua localização estratégica no mar do Caribe, a cerca de 200
quilômetros de distância dos Estados Unidos, Cuba sempre foi alvo de disputa internacional.
Ao todo, foram quase quatro séculos como colônia espanhola. Nesse período de exploração
agrícola, destacaram-se os cultivos de tabaco, açúcar e café. Para trabalhar a terra, um clássico
presente nas colônias americanas: mão de obra escrava.
O desenvolvimento da produção de açúcar trouxe consigo importantes
transformações econômicas e sociais para a colônia. A principal delas, sem dúvida,
foi a ampliação do trabalho escravo, a ponto de tornar essa forma de trabalho
dominante (MÁO JUNIOR, 2007, p. 84).
Esse cenário está dado no fim do século XVIII e no início do XIX, quando o país
recebe importante fluxo de haitianos refugiados da Guerra de Independência da então colônia
francesa, onde a produção açucareira era a principal atividade econômica. Intensifica-se a
importação de escravos e cresce o poder econômico do latifúndio açucareiro em Cuba.
Enquanto isso, a massa de “guajiros” como são chamados os camponeses pobres era
constantemente expulsa de suas terras.
20
Cabe esclarecer, ainda, que esta pesquisa não se propõe a entrar no mérito ou “julgamento” de uma das
questões mais controversas da historiografia mundial. O exercício realizado foi no sentido de evitar a apologia e
a satanização no que se refere à Revolução Cubana. Pondera-se, no entanto, que o trabalho de campo realizado
focou em fontes primárias e oficiais da Revolução, haja vista que a Radio Rebelde é um tema pouco explorado
na literatura e esse diálogo entre diferentes percepções e interpretações não foi possível neste momento.
Portanto, os relatos se dão a partir de personagens que participaram diretamente do processo revolucionário e a
partir de documentos originais, principalmente.
30
A ilha caribenha foi a última colônia latino-americana a se libertar da dominação
espanhola, fato que se concretizou em 1898, após duas guerras de independência. A Primeira
Guerra de Independência (1868-1878) – também conhecida como a Guerra dos Dez Anos – se
deu em um cenário de profunda crise econômica derivada da queda da cotação internacional
do açúcar.
O movimento, inicialmente liderado por latifundiários descontentes das regiões
central e oriental, logo ganhou adeptos entre outros segmentos da sociedade,
particularmente entre a população pobre do campo e das cidades, principalmente os
escravos libertos pelas forças revolucionárias (MÁO JUNIOR, 2007, p. 92).
A guerra, no entanto, termina sem a derrota das tropas coloniais espanholas, e sim
em um pacto conhecido como “Paz de Zanjón”, que se constituía em um acordo de
capitulação cubana.
Em 1895, é deflagrada a Segunda Guerra de Independência, que durou até 1898. E
aqui cabe um parêntese fundamental para compreender os alicerces teóricos e estratégicos do
Movimiento Revolucionario 26 de Julio: José Martí.
1.1.1. O PENSAMENTO DE JOSÉ MARTÍ
Não é possível falar em Revolução Cubana sem entender o legado de uma figura
querida pelo povo cubano e considerada um dos heróis nacionais. José Martí surge e se
destaca nesse momento histórico.
Nascido em 1853 em Havana, filho de espanhóis, apresentou nos bancos escolares
veia poética e política, de patriota cubano. No período da Primeira Guerra de Independência,
apoiou o movimento de libertação do domínio espanhol, por meio também da publicação e da
divulgação clandestina de seus textos.
Em 1869, ou seja, ainda nesse período, foi preso (tinha 16 anos). Com a pena
comutada por desterro na Espanha, deixou Cuba. Inicia, então, um fértil período para sua
formação ideológica, intelectual e política. Passa a escrever textos com reflexões políticas
para vários jornais, de diversos países. Entre os temas abordados, a liberdade, a injustiça, a
desigualdade, o humanismo, o anti-imperialismo e o desenvolvimento latino-americano. Em
31
seus escritos, está presente o permanente olhar para a América Latina e a relação com os
Estados Unidos.
No exterior, dedicou-se à difícil tarefa de unificar todos os setores independentistas,
organizando com eles o Partido Revolucionário Cubano, para reiniciar a guerra
contra os espanhóis (SADER, 1992, p. 20).
Três anos antes da Segunda Guerra de Independência (1895-1898), é oficializada
a fundação do Partido Revolucionário Cubano, concebido por Martí. E é na preparação e no
confronto militar desse novo período de luta por libertação que ele desempenhou relevante
papel de liderança. Em maio de 1895, no entanto, é morto em combate, aos 42 anos.
Os textos escritos e a trajetória de vida de Martí apontam para uma pessoa de
perfil humanista e nacionalista. Já sua classificação ideológica é difícil precisar, na opinião de
José Rodrigues Máo Junior. Para ele, se trata de um “democrata-revolucionário, cuja
radicalidade o vincularia àqueles que, em sua época, censuravam abertamente as mazelas do
capitalismo ocidental sem, entretanto, chegarem a ser porta-vozes de um proletariado apenas
incipiente em seus países” (2007, p. 128). Já para Pedro Pablo Rodríguez, Martí foi:
[...] um transgressor consciente da lógica dominadora imposta pelas mudanças do
fim do século na nova etapa da modernidade que se iniciava. A consciência que
tinha do problema iluminou sua cuidadosa, contínua e abundante reflexão sobre os
Estados Unidos, ao mesmo tempo em que esta nação tendia a se converter no
principal obstáculo a seu anseio de libertação continental (PABLO RODRÍGUEZ,
2006, p. 23).
A importância de Martí para a luta de libertação de Cuba, bem como a atualidade
de seu pensamento, é assim resumida no Museu da Revolução, em Havana:
Las generaciones que le sucedieron le concedieron los títulos de El Maestro, Apóstol
de la Independencia y Héroe Nacional. Su imágen traspasó las fronteras nacionales
para convertirse no sólo en una figura de la América que tanto amó, sino para
alcanzar una dimensión universal con vigencia tal que llega a nuestros días (Texto
em exposição permanente no Museu da Revolução, em Havana, em julho de 2013).
A respeito da influência de Martí sobre os pilares teóricos e estratégicos na gênese
e no avanço da Revolução Cubana, aponta Florestan Fernandes (1979), ao comentar os
resultados da Guerra dos Dez Anos:
32
A espoliação inerente ao esbulho colonial continuou a imperar e a revolução
nacional frustrada converteu-se numa herança política, transferida para o futuro.
Fidel identifica-se com essa herança ao retomar a tradição de Martí e sua ideologia
revolucionária. Acabar com as ditaduras que apenas prolongavam, como versão
militar e política modernizada, a tirania espanhola e extinguir a satelitização dos
Estados Unidos, que apenas era uma versão imperialista da dominação colonial,
converteram-se nos dois pólos sine qua non da revolução nacional (FERNANDES,
1979, p. 18).
O próprio Fidel, em sua defesa no julgamento do assalto ao Quartel Moncada – a
ser aprofundado nesta dissertação mais à frente –, afirma que o “responsável intelectual” por
tal ação armada foi justamente Martí. Tal fato reforça a noção de o quanto os escritos e a
atuação de Martí serviram de referência para o Movimiento 26 de Julio.
Essa inspiração no pensamento martiniano aparece também nas transmissões
clandestinas da Radio Rebelde durante a guerrilha na Sierra Maestra, conforme documento
abaixo locutado na emissora em 1958.
Imagem 1 – “La tiranía” – Texto lido pelos locutores da Radio Rebelde; 1958
Fonte: Arquivo Ángel Fernandez Vil
Share:

Related Posts:

0 comentários:

Postar um comentário