São Paulo, 21 de Maio de 2018
Ao Exmo. Sr. Bruno Covas, Prefeito de São Paulo
Ilmo. Sr. João Octaviano de Machado Neto, Secretário Municipal de Mobilidade e
Transportes
Ao Exmo. Paulo Cézar Shingai, presidente da São Paulo Transporte - SPTrans
Ao Exmo. Sr. Nélson Luis Sampaio de Andrade, Promotor de Justiça da 5° Promotoria de
Justiça do Patrimônio Público e Social
Ao Exmo. Sr. João Antônio da Silva Filho, Presidente do Tribunal de Contas do Município
de São Paulo
Ref: Avaliação do edital de licitação do serviço de ônibus de São Paulo.
- Inquérito Civil nº 891/15 da 5° Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e
Social do Ministério Público do Estado de São Paulo
- Processo TC Nº: 72-004.154.15-67 da Coordenadoria V do Tribunal de Contas
do Município
O Brasil vive um processo de transformação da mobilidade urbana que inclui vencer as
barreiras criadas por anos de políticas públicas que priorizaram o uso do automóvel. Para
tanto, além da implementação da Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal
12.587/12), é imprescindível a oferta de um transporte público coletivo de qualidade,
integrado, acessível e que contribua para o desenvolvimento econômico, social e ambiental
das cidades.
A licitação para escolha da empresa que fará a operação do serviço de ônibus em São
Paulo é importantíssima para assegurar uma mobilidade sustentável, os direitos do
consumidor e bem-estar dos milhões de passageiros e da população como um todo. O
edital da concorrência irá regulamentar o sistema de ônibus pelos próximos anos e,
portanto, tem um impacto permanente e significativo para a cidade de São Paulo. Assim, a
qualidade do documento é fundamental. Assim, considerando a importância do edital de
licitação do serviço de ônibus para a cidade, o Idec - Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor , a Rede Nossa São Paulo e o Greenpeace vêm tornar público suas
1 2 3
1 O Idec é uma associação de consumidores, sem fins lucrativos, fundada em 1987 e mantida por seus associados. A missão
do Instituto é promover a educação, a conscientização, a defesa dos direitos difusos e dos direitos do consumidor e a ética nas
relações de consumo, com total independência política e econômica. Dentre as atividades desenvolvidas pelo Idec para o
cumprimento de sua missão encontram-se a realização de pesquisas relacionadas à qualidade e segurança de produtos e
avaliações principais sobre o documento publicado pela São Paulo Transportes - SPTrans
em 24 de Abril de 2018.
As entidades da sociedade civil que assinam a presente carta estão acompanhando o
processo da licitação do serviço de ônibus em São Paulo desde 2015, buscando contribuir
para o debate de melhores soluções para o sistema de mobilidade da cidade.
Após a suspensão do processo licitatório anterior, em 2015, pelo Tribunal de Contas do
Município, em razão de irregularidades, a atual gestão da Prefeitura ficou incumbida de
finalizá-lo. Apesar de previsto para outubro de 2017, o lançamento da minuta do edital e da
abertura da consulta pública foi realizado em dezembro, às vésperas das festas de fim de
ano. Isso prejudicou muito a comunicação com o maior número de pessoas e impactou
diretamente o diálogo com a Câmara Municipal e com a Comissão de Transportes, que
estavam em recesso. Dessa forma, houve atraso na discussão e tramitação do Projeto de
Lei (PL) 853/2017, proposto pelo próprio Poder Executivo, também em dezembro de 2017,
e que poderia ter melhorado os critérios do edital de licitação.
Ao final da consulta, em diálogo com a Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes e
com a Câmara Municipal, constatamos que a Prefeitura não demonstrou à liderança de
governo na Câmara a devida importância que o projeto de lei exigia. Com isso, o PL ficou
estancado na Comissão de Constituição e Justiça, e a SPTrans publicou a versão final do
edital sem a revisão da regulamentação.
Diante dessa situação, as entidades abaixo assinadas apresentam seu posicionamento
acerca do texto final do edital de licitação, considerando os elementos inadequados devido
à falta de aprovação do PL 853 e outros pontos críticos que o documento apresenta.
1. A manutenção da exigência de posse de garagem limita sobremaneira a
concorrência.
Conforme colocamos em reuniões presenciais com a SPTrans e comentamos na consulta
pública, a exigência de posse de garagem estabelece uma grande desproporcionalidade na
concorrência, pois as empresas que já operam o sistema são as que possuem esses
estabelecimentos atualmente.
serviços, o monitoramento dos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo nos diferentes níveis da federação, identificando e
incidindo em processos que tenham grande impacto nas relações de consumo ou possam representar ameaças e retrocessos
a direitos.Para gerar conhecimento e fortalecer o consumidor, o Idec publica bimestralmente sua Revista, mantém o portal
eletrônico (www.Idec.org.br) e está presente nas redes sociais.
2 A Rede Nossa São Paulo tem por missão mobilizar diversos segmentos da sociedade para, em parceria com instituições
públicas e privadas, construir e se comprometer com uma agenda e um conjunto de metas, articular e promover ações,
visando uma cidade de São Paulo justa e sustentável. Mais de 700 organizações da sociedade civil integram a rede, que é
absolutamente apartidária e inter-religiosa
3 O Greenpeace é uma organização global e independente que atua para defender o ambiente e promover a paz, inspirando
as pessoas a mudarem atitudes e comportamentos desde 1971. Nossa missão é de proteger as florestas, estimular o
investimento em energias renováveis, reduzir as emissões que causam o efeito estufa e trabalhar pela paz.
Na tentativa anterior de concessão, em 2015, o governo avançou ao declarar os terrenos
hoje usados para esse fim como de Utilidade Pública. Porém, não concluiu as
desapropriações.
Na consulta pública realizada entre 2017 e 2018 o tema foi pouco debatido, e a Secretaria
só se preocupou em detalhar o processo de desapropriação a ser feito pela empresa
interessada em concorrer. O problema dessa alternativa é que implica em um investimento
excepcional, inviabilizando a entrada na concorrência de quem hoje está fora do sistema.
Cabe ressaltar que essa situação não é responsabilidade da gestão municipal atual ou da
anterior, mas é um resultado de um sistema de ônibus que se formou na primeira metade
do século do XX e que carece de desregulamentação adequada à realidade atual da
cidade.
Nesse sentido, tramitou na Câmara Municipal o Projeto de Lei 853/17, de autoria do Poder
Executivo, com vistas a melhorar as condições de concorrência na licitação do serviço de
ônibus paulistano. A proposta inicial chegou a ser aprimorada por uma substitutiva, de
autoria do vereador Caio Miranda Carneiro, que, entre outras coisas previa, ao fim do
contrato, que as garagens se tornassem bens reversíveis, corrigindo a vedação injustificada
da atual legislação. No entanto, a própria prefeitura, com sua base aliada no Legislativo,
não deu o apoio devido PL.
As entidades que assinam esta carta apontam que a manutenção da exigência de garagem
no edital cria o risco de poucos concorrentes no certame, e que o Projeto de Lei 853/17
deveria ter sido prioritário na pauta de discussão e votação na Câmara
Municipal.(https://idec.org.br/sites/default/files/arquivos/carta_-_aprovacao_do_projeto_de_l
ei_853.pdf).
2. A falta de limite de concorrência em múltiplos lotes leva ao risco de aumento do
domínio das empresas já hegemônicas no setor.
Embora a concorrência seja fundamental para a qualidade da licitação, redução dos custos
e melhoria dos serviços a serem prestados, é preciso limitar a disputa de grandes empresas
em múltiplos lotes, além daquelas com conflito de interesses. Isso porque, quando o setor é
dominado por poucas empresas, gera-se o risco de monopólio, o que já ocorreu, produzindo
ineficiências econômicas no setor. Tal limitação já havia sido adotada em 2003 e foi
extremamente eficaz.
Além disso, esta permissividade coloca em risco a melhoria trazida pelo documento final na
distribuição das exigências para as empresas concorrerem nas diferentes áreas, que
equalizou a competitividade pelas regiões da cidade. Ainda, a sabida existência de grandes
grupos econômicos em atuação na cidade, inclusive com atuação em outras áreas da
cadeia econômica, amplia sobremaneira esse risco.
3. A participação de empresas com conflito de interesses leva ao risco de
ineficiências econômicas e financeiras.
Novamente, embora a disputa seja fundamental para a qualidade da licitação, redução dos
custos e melhoria dos serviços a serem prestados, ela deve ser garantida considerando a
necessidade de se limitar participantes com conflito de interesses.
Diferente da última licitação de 2003 temos hoje na cidade uma série de empresas que
operam sistemas de transportes que deveriam ser concorrentes com o serviço de ônibus
urbano. Alertamos em reuniões com SPTrans e na consulta pública que essa situação gera
distorções na qualidade dos serviços prestados, conforme os interesses da companhia.
A Prefeitura argumentou que não existe dispositivo legal que preveja isso. No entanto as
entidades aqui assinadas argumentam que essa função regulatória caberia exatamente ao
edital, que deve definir os riscos e as necessidades que a concessão em questão trás.
Cabe ressaltar que outros editais de concessão atuais, realizadas por outros órgãos da
capital paulista - como no caso dos terminais de ônibus - trazem capítulos exclusivos e bem
elaborados sobre instrumentos que limitam certas empresas de participarem.
4. A não adoção da licitação internacional limita injustificadamente a concorrência.
A legislação atual veda injustificadamente a participação de empresas internacionais na
licitação. Essa proibição seria corrigida pelo PL 853/17, caso tivesse sido aprovado. A
participação de estrangeiros seria adequada e interessante porque a atividade a ser
exercida não exige conhecimento específico nacional; e porque pode trazer redução de
gastos do poder público por permitir maior concorrência e troca de experiências com outras
metrópoles do mundo.
5. A não adoção de Receitas Acessórias.
Apesar da contribuição e diálogo das entidades aqui assinadas, e de ter havido uma
resposta positiva da Prefeitura, a versão final do edital de licitação não menciona a
necessidade de regras para adoção de receitas acessórias oriundas de propagandas e
aluguéis de espaço.
Este é um mecanismo importante para baratear o custo do sistema, sendo apontado,
inclusive, pelo Artigo 10º da Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal 12.587/12).
A ausência de informações e regras a respeito desse tema, além de possibilitar lucros
excessivos aos empresários, retira o respaldo legal para que a prefeitura utilize esse
recurso para diminuição de custo do sistema de ônibus, e com isso das tarifas, objetivo este
que o Tribunal de Contas do Município já havia ressaltado em outras oportunidades.
6. A limitação da remuneração variável é injustificada e leva a benefícios excessivos
às empresas.
A versão final do edital de licitação trouxe uma modificação que prejudicou um dos itens que
era mais positivo na minuta original do documento: a remuneração das empresas variável
de acordo com a prestação do serviço e sua qualidade.
O novo documento limitou a parte da variação negativa da remuneração relacionada à
qualidade arbitrariamente em 4% ou seja, independentemente de uma degradação da
qualidade ainda maior da prestação do serviço por parte das empresas, o que levaria a
prejuízo para o erário público. Com essa nova regra e com valores baixos de multas, pode
valer economicamente para empresas investir nos critérios de qualidade para o usuário
final.
Consideramos essa modificação bastante grave, e apontamos que ela não foi sugerida nem
levantada pela prefeitura em nenhuma das situações onde o documento em consulta
pública foi discutido.
7. A não obrigação do formato de Sociedade de Propósito Específico (SPE) leva a
falta de clareza na fiscalização financeira.
Este instrumento sofreu um retrocesso entre o documento publicado em 2015 e o atual,
diferente de alguns dos outros pontos acima que já vinham sendo apresentado com
problemas. À época da primeira publicação a própria SPTrans anunciou que o formato de
SPE traria mais unicidade à fiscalização das planilhas e simplicidade ao controle das
empresas, sendo um avanço que se aprendeu durante os 13 anos do contrato atual.
O formato de consórcio, utilizado hoje em São Paulo e em outras capitais, resulta em uma
falta de unidade interna no contato com a SPTrans, além de diversas planilhas de prestação
de contas, gerando dificuldades para a fiscalização.
Diante deste aprendizado foi proposto o formato de Sociedade de Propósito Específico, que
também é utilizado pela Secretaria de Transportes e Mobilidade em outros contratos,
tornando claro que o retorno ao modelo de consórcio trás ineficiências ao contrato proposto.
8. O edital não incluiu a Comissão de Acompanhamento da Concessão como prevê a
Lei Federal 8.987 de 1995.
As entidades aqui assinadas também apresentaram ao poder público durante, a consulta
pública e antes dela, a necessidade de de a prefeitura cumprir o Artigo 30º da Lei Federal
8.987 de 1995, conhecida como Lei de Concessões, que versa:
“Art. 30. No exercício da fiscalização, o poder concedente terá acesso aos
dados relativos à administração, contabilidade, recursos técnicos, econômicos
e financeiros da concessionária.
Parágrafo único. A fiscalização do serviço será feita por intermédio de
órgão técnico do poder concedente ou por entidade com ele conveniada, e,
periodicamente, conforme previsto em norma regulamentar, por comissão
composta de representantes do poder concedente, da concessionária e dos
usuários.”
A participação dos usuários na fiscalização dos serviços sob concessão é fundamental para
ampliar a qualidade da fiscalização e dar publicidade aos elementos por ela levantados.
A Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes justificou a não criação de um órgão
que atenderia a essas diretrizes por já ter instaurado na cidade o Conselho Municipal de
Transporte e Trânsito. Porém, ressaltamos que as atribuições do Conselho são diferentes e
muito mais amplas, abordando diversos modos de transportes da cidade, não incluindo
grupo de trabalho específico para acompanhar e fiscalizar o contrato de concessão. Assim,
consideramos grave o descumprimento do referido artigo disposto na Lei de Concessões
-----
Apesar da gravidade das falhas apontadas neste documento, congratulamos a Secretaria
Municipal de Mobilidade e Transportes e a São Paulo Transportes - SPTrans pelos avanços
introduzidos na versão final do edital de concessão de serviço de ônibus, dentre as quais se
destacam: a criação de um manual de Procedimento de Atendimento aos Usuários,
conforme sugestão das entidades, e a expansão do prazo do início das atividades das
empresas vitoriosas do certame, dando mais tempo aos novos entrantes para se
adequarem às operações na cidade de São Paulo.
Diante do exposto, com o intuito das entidades signatárias contribuírem para a elaboração e
implementação de políticas públicas de mobilidade que observem princípios constitucionais
da administração pública e a legislação infra-constitucional, as entidades signatárias vêm
apresentar a presente avaliação à Prefeitura e aos órgão fiscalizadores, para que exerçam
suas atribuições com mais elementos informativos.
O desejo e o intuito das entidades que assinam este documento não é atrasar a publicação
do edital deliberadamente ou criticar a qualidade do trabalho da Prefeitura, mas alertar que
o apressamento do lançamento do edital, realizado antes da aprovação do Projeto de Lei
853/17 na Câmara Municipal, pode ocasionar contestação jurídica do processo licitatório
desenvolvido até aqui, deixando a capital paulista, mais uma vez, com uma de suas mais
importantes políticas públicas inconclusa.
Atenciosamente,
Idec - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
Rede Nossa São Paulo
São Paulo, 21 de Maio de 2018
Ao Exmo. Sr. Bruno Covas, Prefeito de São Paulo
Ilmo. Sr. João Octaviano de Machado Neto, Secretário Municipal de Mobilidade e
Transportes
Ao Exmo. Paulo Cézar Shingai, presidente da São Paulo Transporte - SPTrans
Ao Exmo. Sr. Nélson Luis Sampaio de Andrade, Promotor de Justiça da 5° Promotoria de
Justiça do Patrimônio Público e Social
Ao Exmo. Sr. João Antônio da Silva Filho, Presidente do Tribunal de Contas do Município
de São Paulo
Ref: Avaliação do edital de licitação do serviço de ônibus de São Paulo.
- Inquérito Civil nº 891/15 da 5° Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e
Social do Ministério Público do Estado de São Paulo
- Processo TC Nº: 72-004.154.15-67 da Coordenadoria V do Tribunal de Contas
do Município
O Brasil vive um processo de transformação da mobilidade urbana que inclui vencer as
barreiras criadas por anos de políticas públicas que priorizaram o uso do automóvel. Para
tanto, além da implementação da Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal
12.587/12), é imprescindível a oferta de um transporte público coletivo de qualidade,
integrado, acessível e que contribua para o desenvolvimento econômico, social e ambiental
das cidades.
A licitação para escolha da empresa que fará a operação do serviço de ônibus em São
Paulo é importantíssima para assegurar uma mobilidade sustentável, os direitos do
consumidor e bem-estar dos milhões de passageiros e da população como um todo. O
edital da concorrência irá regulamentar o sistema de ônibus pelos próximos anos e,
portanto, tem um impacto permanente e significativo para a cidade de São Paulo. Assim, a
qualidade do documento é fundamental. Assim, considerando a importância do edital de
licitação do serviço de ônibus para a cidade, o Idec - Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor , a Rede Nossa São Paulo e o Greenpeace vêm tornar público suas
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1 O Idec é uma associação de consumidores, sem fins lucrativos, fundada em 1987 e mantida por seus associados. A missão
do Instituto é promover a educação, a conscientização, a defesa dos direitos difusos e dos direitos do consumidor e a ética nas
relações de consumo, com total independência política e econômica. Dentre as atividades desenvolvidas pelo Idec para o
cumprimento de sua missão encontram-se a realização de pesquisas relacionadas à qualidade e segurança de produtos e
avaliações principais sobre o documento publicado pela São Paulo Transportes - SPTrans
em 24 de Abril de 2018.
As entidades da sociedade civil que assinam a presente carta estão acompanhando o
processo da licitação do serviço de ônibus em São Paulo desde 2015, buscando contribuir
para o debate de melhores soluções para o sistema de mobilidade da cidade.
Após a suspensão do processo licitatório anterior, em 2015, pelo Tribunal de Contas do
Município, em razão de irregularidades, a atual gestão da Prefeitura ficou incumbida de
finalizá-lo. Apesar de previsto para outubro de 2017, o lançamento da minuta do edital e da
abertura da consulta pública foi realizado em dezembro, às vésperas das festas de fim de
ano. Isso prejudicou muito a comunicação com o maior número de pessoas e impactou
diretamente o diálogo com a Câmara Municipal e com a Comissão de Transportes, que
estavam em recesso. Dessa forma, houve atraso na discussão e tramitação do Projeto de
Lei (PL) 853/2017, proposto pelo próprio Poder Executivo, também em dezembro de 2017,
e que poderia ter melhorado os critérios do edital de licitação.
Ao final da consulta, em diálogo com a Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes e
com a Câmara Municipal, constatamos que a Prefeitura não demonstrou à liderança de
governo na Câmara a devida importância que o projeto de lei exigia. Com isso, o PL ficou
estancado na Comissão de Constituição e Justiça, e a SPTrans publicou a versão final do
edital sem a revisão da regulamentação.
Diante dessa situação, as entidades abaixo assinadas apresentam seu posicionamento
acerca do texto final do edital de licitação, considerando os elementos inadequados devido
à falta de aprovação do PL 853 e outros pontos críticos que o documento apresenta.
1. A manutenção da exigência de posse de garagem limita sobremaneira a
concorrência.
Conforme colocamos em reuniões presenciais com a SPTrans e comentamos na consulta
pública, a exigência de posse de garagem estabelece uma grande desproporcionalidade na
concorrência, pois as empresas que já operam o sistema são as que possuem esses
estabelecimentos atualmente.
serviços, o monitoramento dos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo nos diferentes níveis da federação, identificando e
incidindo em processos que tenham grande impacto nas relações de consumo ou possam representar ameaças e retrocessos
a direitos.Para gerar conhecimento e fortalecer o consumidor, o Idec publica bimestralmente sua Revista, mantém o portal
eletrônico (www.Idec.org.br) e está presente nas redes sociais.
2 A Rede Nossa São Paulo tem por missão mobilizar diversos segmentos da sociedade para, em parceria com instituições
públicas e privadas, construir e se comprometer com uma agenda e um conjunto de metas, articular e promover ações,
visando uma cidade de São Paulo justa e sustentável. Mais de 700 organizações da sociedade civil integram a rede, que é
absolutamente apartidária e inter-religiosa
3 O Greenpeace é uma organização global e independente que atua para defender o ambiente e promover a paz, inspirando
as pessoas a mudarem atitudes e comportamentos desde 1971. Nossa missão é de proteger as florestas, estimular o
investimento em energias renováveis, reduzir as emissões que causam o efeito estufa e trabalhar pela paz.
Na tentativa anterior de concessão, em 2015, o governo avançou ao declarar os terrenos
hoje usados para esse fim como de Utilidade Pública. Porém, não concluiu as
desapropriações.
Na consulta pública realizada entre 2017 e 2018 o tema foi pouco debatido, e a Secretaria
só se preocupou em detalhar o processo de desapropriação a ser feito pela empresa
interessada em concorrer. O problema dessa alternativa é que implica em um investimento
excepcional, inviabilizando a entrada na concorrência de quem hoje está fora do sistema.
Cabe ressaltar que essa situação não é responsabilidade da gestão municipal atual ou da
anterior, mas é um resultado de um sistema de ônibus que se formou na primeira metade
do século do XX e que carece de desregulamentação adequada à realidade atual da
cidade.
Nesse sentido, tramitou na Câmara Municipal o Projeto de Lei 853/17, de autoria do Poder
Executivo, com vistas a melhorar as condições de concorrência na licitação do serviço de
ônibus paulistano. A proposta inicial chegou a ser aprimorada por uma substitutiva, de
autoria do vereador Caio Miranda Carneiro, que, entre outras coisas previa, ao fim do
contrato, que as garagens se tornassem bens reversíveis, corrigindo a vedação injustificada
da atual legislação. No entanto, a própria prefeitura, com sua base aliada no Legislativo,
não deu o apoio devido PL.
As entidades que assinam esta carta apontam que a manutenção da exigência de garagem
no edital cria o risco de poucos concorrentes no certame, e que o Projeto de Lei 853/17
deveria ter sido prioritário na pauta de discussão e votação na Câmara
Municipal.(https://idec.org.br/sites/default/files/arquivos/carta_-_aprovacao_do_projeto_de_l
ei_853.pdf).
2. A falta de limite de concorrência em múltiplos lotes leva ao risco de aumento do
domínio das empresas já hegemônicas no setor.
Embora a concorrência seja fundamental para a qualidade da licitação, redução dos custos
e melhoria dos serviços a serem prestados, é preciso limitar a disputa de grandes empresas
em múltiplos lotes, além daquelas com conflito de interesses. Isso porque, quando o setor é
dominado por poucas empresas, gera-se o risco de monopólio, o que já ocorreu, produzindo
ineficiências econômicas no setor. Tal limitação já havia sido adotada em 2003 e foi
extremamente eficaz.
Além disso, esta permissividade coloca em risco a melhoria trazida pelo documento final na
distribuição das exigências para as empresas concorrerem nas diferentes áreas, que
equalizou a competitividade pelas regiões da cidade. Ainda, a sabida existência de grandes
grupos econômicos em atuação na cidade, inclusive com atuação em outras áreas da
cadeia econômica, amplia sobremaneira esse risco.
3. A participação de empresas com conflito de interesses leva ao risco de
ineficiências econômicas e financeiras.
Novamente, embora a disputa seja fundamental para a qualidade da licitação, redução dos
custos e melhoria dos serviços a serem prestados, ela deve ser garantida considerando a
necessidade de se limitar participantes com conflito de interesses.
Diferente da última licitação de 2003 temos hoje na cidade uma série de empresas que
operam sistemas de transportes que deveriam ser concorrentes com o serviço de ônibus
urbano. Alertamos em reuniões com SPTrans e na consulta pública que essa situação gera
distorções na qualidade dos serviços prestados, conforme os interesses da companhia.
A Prefeitura argumentou que não existe dispositivo legal que preveja isso. No entanto as
entidades aqui assinadas argumentam que essa função regulatória caberia exatamente ao
edital, que deve definir os riscos e as necessidades que a concessão em questão trás.
Cabe ressaltar que outros editais de concessão atuais, realizadas por outros órgãos da
capital paulista - como no caso dos terminais de ônibus - trazem capítulos exclusivos e bem
elaborados sobre instrumentos que limitam certas empresas de participarem.
4. A não adoção da licitação internacional limita injustificadamente a concorrência.
A legislação atual veda injustificadamente a participação de empresas internacionais na
licitação. Essa proibição seria corrigida pelo PL 853/17, caso tivesse sido aprovado. A
participação de estrangeiros seria adequada e interessante porque a atividade a ser
exercida não exige conhecimento específico nacional; e porque pode trazer redução de
gastos do poder público por permitir maior concorrência e troca de experiências com outras
metrópoles do mundo.
5. A não adoção de Receitas Acessórias.
Apesar da contribuição e diálogo das entidades aqui assinadas, e de ter havido uma
resposta positiva da Prefeitura, a versão final do edital de licitação não menciona a
necessidade de regras para adoção de receitas acessórias oriundas de propagandas e
aluguéis de espaço.
Este é um mecanismo importante para baratear o custo do sistema, sendo apontado,
inclusive, pelo Artigo 10º da Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal 12.587/12).
A ausência de informações e regras a respeito desse tema, além de possibilitar lucros
excessivos aos empresários, retira o respaldo legal para que a prefeitura utilize esse
recurso para diminuição de custo do sistema de ônibus, e com isso das tarifas, objetivo este
que o Tribunal de Contas do Município já havia ressaltado em outras oportunidades.
6. A limitação da remuneração variável é injustificada e leva a benefícios excessivos
às empresas.
A versão final do edital de licitação trouxe uma modificação que prejudicou um dos itens que
era mais positivo na minuta original do documento: a remuneração das empresas variável
de acordo com a prestação do serviço e sua qualidade.
O novo documento limitou a parte da variação negativa da remuneração relacionada à
qualidade arbitrariamente em 4% ou seja, independentemente de uma degradação da
qualidade ainda maior da prestação do serviço por parte das empresas, o que levaria a
prejuízo para o erário público. Com essa nova regra e com valores baixos de multas, pode
valer economicamente para empresas investir nos critérios de qualidade para o usuário
final.
Consideramos essa modificação bastante grave, e apontamos que ela não foi sugerida nem
levantada pela prefeitura em nenhuma das situações onde o documento em consulta
pública foi discutido.
7. A não obrigação do formato de Sociedade de Propósito Específico (SPE) leva a
falta de clareza na fiscalização financeira.
Este instrumento sofreu um retrocesso entre o documento publicado em 2015 e o atual,
diferente de alguns dos outros pontos acima que já vinham sendo apresentado com
problemas. À época da primeira publicação a própria SPTrans anunciou que o formato de
SPE traria mais unicidade à fiscalização das planilhas e simplicidade ao controle das
empresas, sendo um avanço que se aprendeu durante os 13 anos do contrato atual.
O formato de consórcio, utilizado hoje em São Paulo e em outras capitais, resulta em uma
falta de unidade interna no contato com a SPTrans, além de diversas planilhas de prestação
de contas, gerando dificuldades para a fiscalização.
Diante deste aprendizado foi proposto o formato de Sociedade de Propósito Específico, que
também é utilizado pela Secretaria de Transportes e Mobilidade em outros contratos,
tornando claro que o retorno ao modelo de consórcio trás ineficiências ao contrato proposto.
8. O edital não incluiu a Comissão de Acompanhamento da Concessão como prevê a
Lei Federal 8.987 de 1995.
As entidades aqui assinadas também apresentaram ao poder público durante, a consulta
pública e antes dela, a necessidade de de a prefeitura cumprir o Artigo 30º da Lei Federal
8.987 de 1995, conhecida como Lei de Concessões, que versa:
“Art. 30. No exercício da fiscalização, o poder concedente terá acesso aos
dados relativos à administração, contabilidade, recursos técnicos, econômicos
e financeiros da concessionária.
Parágrafo único. A fiscalização do serviço será feita por intermédio de
órgão técnico do poder concedente ou por entidade com ele conveniada, e,
periodicamente, conforme previsto em norma regulamentar, por comissão
composta de representantes do poder concedente, da concessionária e dos
usuários.”
A participação dos usuários na fiscalização dos serviços sob concessão é fundamental para
ampliar a qualidade da fiscalização e dar publicidade aos elementos por ela levantados.
A Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes justificou a não criação de um órgão
que atenderia a essas diretrizes por já ter instaurado na cidade o Conselho Municipal de
Transporte e Trânsito. Porém, ressaltamos que as atribuições do Conselho são diferentes e
muito mais amplas, abordando diversos modos de transportes da cidade, não incluindo
grupo de trabalho específico para acompanhar e fiscalizar o contrato de concessão. Assim,
consideramos grave o descumprimento do referido artigo disposto na Lei de Concessões
-----
Apesar da gravidade das falhas apontadas neste documento, congratulamos a Secretaria
Municipal de Mobilidade e Transportes e a São Paulo Transportes - SPTrans pelos avanços
introduzidos na versão final do edital de concessão de serviço de ônibus, dentre as quais se
destacam: a criação de um manual de Procedimento de Atendimento aos Usuários,
conforme sugestão das entidades, e a expansão do prazo do início das atividades das
empresas vitoriosas do certame, dando mais tempo aos novos entrantes para se
adequarem às operações na cidade de São Paulo.
Diante do exposto, com o intuito das entidades signatárias contribuírem para a elaboração e
implementação de políticas públicas de mobilidade que observem princípios constitucionais
da administração pública e a legislação infra-constitucional, as entidades signatárias vêm
apresentar a presente avaliação à Prefeitura e aos órgão fiscalizadores, para que exerçam
suas atribuições com mais elementos informativos.
O desejo e o intuito das entidades que assinam este documento não é atrasar a publicação
do edital deliberadamente ou criticar a qualidade do trabalho da Prefeitura, mas alertar que
o apressamento do lançamento do edital, realizado antes da aprovação do Projeto de Lei
853/17 na Câmara Municipal, pode ocasionar contestação jurídica do processo licitatório
desenvolvido até aqui, deixando a capital paulista, mais uma vez, com uma de suas mais
importantes políticas públicas inconclusa.
Atenciosamente,
Idec - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
Rede Nossa São Paulo
GreenpeaceGreenpeace
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