O iate da secretária de Educação e o voucher do Bolsonaro
Nova York, 3 de outubro de 2018
Azenha, meu caro,
Acabo de ler um depoimento no jornal britânico Guardian que me emocionou um bocado porque traduz muito do que eu penso e do que a educação pública representou na minha vida.
O texto é de uma escritora americana que está lançando um livro de memórias, que sugere, no título, contar a história de uma vida dura, e pobre, no país mais rico do mundo.
Ela é do Kansas, cresceu em uma família pobre onde os adultos não terminaram o ensino médio.
Mas Sarah Smarsh teve a sorte de passar um ano e meio sob a orientação de um dedicado professor da rede pública, que deu a ela a primeira oportunidade de se ver como futura escritora aos nove anos de idade.
Sarah descreve com alegria as condições precárias da escola que o professor, com maestria, transformou em um ambiente mágico de aprendizado e possibilidades.
Não é preciso muito para instigar a curiosidade e oferecer avenidas de conhecimento.
A garotada traz tudo isso no coração e na mente. Mas aqui, como aí, existe um voraz interesse em avançar sobre a educação como uma das últimas fronteiras de lucro nesse nosso pobre planeta mais e mais dilapidado, entregue aos interesses do mundo financeiro.
Voltando à Sarah e aos descalabros da rapina que se pretende institucionalizar na educação, ela descreve uma troca de mensagens de texto com a avó (foi quem na verdade criou a Sarah) na qual ela pergunta: “Betsy DeVos está tentando fazer com que o governo federal financie armas para os professores. Quão insano é isso? ”
DeVos é a atual Secretária de Educação dos Estados Unidos.
Irmã do Erik Prince, aquele que criou a empresa de mercenários Blackwater, que depois mudou de nome mas foi muito ativa no Iraque e continua vendendo serviços de guerra a meio mundo.
Bom, ser irmã dele não diz muito, mas a Sarah contou à avó que DeVos tem dez iates. Apenas um deles avaliado em US$ 40 milhões.
E destaca que DeVos está brigando pela privatização do ensino americano através do sistema de voucher.
É uma terceirização da educação. Mas não é só isso. E traduzo aqui um trecho do texto da Sarah:
“A privatização que a DeVos persegue a nível federal começou no meu estado há anos. Os distritos escolares processaram o estado em 1999 e 2010 por não ter provido fundos adequadamente, a suprema corte de Kansas deu ganho de causa a eles repetidamente, e os legisladores se recusaram a cumprir a decisão – uma crise constitucional que Democratas e Republicanos moderados brigaram para resolver derrubando os representantes conservadores”.
“Aqueles que lucram com o desmantelamento das escolas públicas não o fazem apenas se apropriando dos dólares de impostos dirigidos aos vouchers das escolas privadas mas também com o controle sobre suas informações e ideias. Uma das maiores ameaças à democracia é o currículo escolar desenhado por interesses privados para seu próprio benefício político, ideológico e financeiro”.
Assim como a Sarah, eu cresci e estudei no sistema público de ensino minha vida toda.
Foi também na escola que tive — pelas mãos de um professor sensível e competente, que foi adolescente no momento mais duro da ditadura militar e começou a dar aulas ainda muito jovem — a revelação de que escrever era algo que me transformava, me dava uma outra dimensão na vida e poderia ser a minha maneira de estar no mundo.
Um bom professor muda a vida de muita gente. Dali eu segui para a universidade pública.
A mesma UFRJ que agora viu queimar o Museu Nacional que lhe competia preservar. E agora me vem um sobrinho, também ex-aluno da UFRJ, propor algum tipo de projeto que mobilize um grande número de ex-alunos em defesa desse nosso patrimônio.
Nosso direito de aprender, pesquisar, produzir conhecimento…
Sem dúvida, uma proposta inadiável e irresistível.
Um beijo
https://www.viomundo.com.br/cartasdaheloisa/o-iate-da-secretaria-de-educacao-e-o-voucher-do-bolsonaro.html
Heloisa Villela
Anotações à margem para responder à Heloisa: o filho de um certo Jair Bolsonaro já falou nesse tal de voucher. É um cheque estatal para financiar escolas privadas e acabar com o ensino público. Beneficia os empresários amigos e desmantela a carreira dos professores, categoria “inimiga”do mercado.
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