8 de nov. de 2018

A corrupção me deixou burro, muito burro demais

A corrupção me deixou burro, muito burro demais
Quinta-feira, 8 de novembro de 2018

A corrupção me deixou burro, muito burro demais

Arte: Caroline Oliveira
A mitificação e a aura de salvador cegaram os eleitores de Bolsonaro a tal ponto que estão prostrados e extasiados diante do circo de cafajestes que está sendo armado. A corrupção não nos têm causado apenas uma ferida ética, mas também uma ferida cognitiva
A corrupção foi o tema de fundo das eleições que passaram. Não havia dissenso entre os eleitores: todos queriam honestidade como virtude e competência política. Institucionalmente, dispúnhamos da lei da ficha limpa como um critério possível.  Se, em tese, todos eram honestos, nossa possibilidade de ter um presidente desonesto – pelo menos do ponto de vista jurídico – foi reduzida a zero, com margem de erro de dois pontos para mais e para menos…
O presidente democraticamente eleito é, portanto, ficha-limpa. Assim como ainda é Lula – caso o direito constitucional fosse realmente um filme de final feliz como pensam os constitucionalistas.
Mas, se todos os candidatos eram honestos, apenas um deles conseguiu se tornar, literalmente, um ícone totêmico contra a corrupção. A mitificação de Bolsonaro se deve ao fato de que ele corporificou o que, em psicologia analítica, se chama de complexo do salvador. Para Jung, esse complexo está presente no inconsciente coletivo e é ativado em épocas de crise e de desorientação como a nossa. É como se a incapacidade coletiva de transpor obstáculos e dificuldades próprios das crises (sociais, políticas e econômicas) fizesse com que instâncias psíquicas mais relacionadas com a fé do que com a lógica racional fossem despertadas.
Esse ponto é nevrálgico para compreender, a partir de uma perspectiva de psicologia das massas, porque a maioria do eleitorado alçou Bolsonaro, na política, como uma solução psicológica muito parecida com a de Jesus, no discurso religioso. Não sem razão que o discurso religioso, sempre prenhe de dogmas idiotizantes, foi determinante nessa eleição. O dogma é a injeção de anestesia contra o medo dos idiotas, laicos ou não.
Essa fé, que geralmente costuma cegar, agora precisa ser cutucada pela sarna da razão. Afinal, se, por fim, habemus um presidente juridicamente honesto, qual será o próximo passo da vigília renitente contra a corrupção? O Brasil que não votou no Bolsonaro quer mais ativismo em nome do combate à corrupção do que arrependimento. É isso que vamos cobrar de vocês! Não por ressentimento da derrota, mas para que, pelo menos, ante todo o apocalipse anunciado, esse projeto – o de “moralizar” a política – seja, ao menos, levado à sério.
Digo isso porque, mesmo antes de começar, a “empresa” de Bolsonaro já está tomada por canalhas. E não tenho visto ou lido manifestações dos brasileiros de bem-com-a-camisa-da-CBF cobrando, da equipe, a mesma lisura que tanto se cobrou do seu chefe.
Onyx Lorenzoni confessou que recebeu valores espúrios da JBS. Magno Malta, que fez aquela reza chumbrega no dia da vitória, está afundado em denúncias. Paulo Guedes é investigado por fraude em fundos de pensão. Sérgio Moro corrompeu a Constituição para combater a corrupção – e, por último, contemporizou a confissão de Lorenzoni com o bálsamo do seu perdão divino(?!)…
Claro que se poderia objetar – exatamente fez a turma do Lula – que eles todos são presumidamente inocentes, já que, em nenhum caso, houve trânsito em julgado de sentença penal condenatória. No entanto, se o combate à corrupção é a agenda magna do novo presidente, como é possível, usando mais coerência do que fé, acreditar que se poderá cultivar queijo com tantos ratos ao redor?
O “ato-falho” de Bolsonaro, convidando Alberto Fraga para compor a equipe, deixou claro, pelo menos para quem compreende a noção de verdades inconscientes, que não é a corrupção o mote intrínseco do projeto de poder de Bolsonaro. A fala foi gravada e está disponível no youtube – este que é o VAR da política. Fraga, esse sim, já está condenado por corrupção e cumprindo pena.
A mitificação e a aura de salvador cegaram os eleitores de Bolsonaro a tal ponto que estão prostrados e extasiados diante do circo de cafajestes que está sendo armado. A corrupção não nos têm causado apenas uma ferida ética, mas também uma ferida cognitiva.

Paulo Ferrareze Filho é doutor em Filosofia do Direito (UFSC). Psicanalista em formação, professor de Psicologia Jurídica e curador do Caos Filosófico de Balneário Camboriú/SC.

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