"Somos os principais guardiões da fronteira", diz deputada indígena
SEG, 07/01/2019 - 13:57
ATUALIZADO EM 07/01/2019 - 14:06
Joenia Wapichana - REDE - , primeira mulher indígena deputada, critica mudanças na Funai sob Bolsonaro e rebate visão pregada pelo governo sobre população tradicional

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Jornal GGN - O primeiro ato do governo Bolsonaro destituindo a Fundação Nacional do Índio (Funai) da função a delimitação e demarcação das terras tradicionalmente indígenas é carregado de uma série de significados e já estava previsto nos seus discursos, ainda quando deputado federal.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, a primeira deputada federal indígena, eleita no último pleito pelo estado de Roraima, Joenia Wapichana (Rede), lembra do discurso do atual presidente no Congresso quando se discutia a demarcação da Raposa Serra do Sol, em 2008.
"Ele fez um discurso bastante inflamado contra a demarcação, dando apoio aos rizicultores. Disse que não entendia como meia dúzia de mal-educados que não falavam português tinham mais direitos do que brasileiros patriotas, mas não me lembro bem das palavras", conta Joenia.
"Ficamos abismados com o comportamento de um legislador eleito para defender direitos e que tinha uma manifestação tão racista, de ódio. Uma pessoa do Rio de Janeiro falando de demarcação de terras em Roraima e, mesmo assim, tinha discurso contrário", completou.
Mais recentemente, Bolsonaro prometeu reverter a demarcação da Raposa Serra do Sol, afirmando que a garantia da terra para os povos indígenas atrapalha a exploração da terra mais rica em minério do mundo. A resposta da deputada federal, que em dezembro recebeu da ONU o Prêmio de Direitos Humanos, o mesmo entregue à jovem paquistanesa Malala Yousafzai e ao ex-presidente dos EUA Jimmy Carter responde a essa posição de Bolsonaro o significado de riqueza para a população indígena:
"Para os povos indígenas, a riqueza é quando você tem saúde, terra para viver sem ameaças, estar num clima tranquilo, ter alimentação saudável para a família, ter terra demarcada, uma cultura preservada, uma coletividade respeitada", continuando:
"Os valores que ele tem são o da cobiça, que vem justamente trazer esse choque da exploração. Ele preza tanto o valor da família, deveria ver o lado indígena também". Joenia explicou que para a população indígena, o valor da família começa na terra:
"O valor espiritual é uma riqueza também. Todo mundo só vê a exploração mineral como a riqueza que pode trazer, nunca vê o prejuízo: a divisão, a violência, a influência externa do alcoolismo, a perda da cultura".
Nesse sentido, a deputada federal alerta que a exploração mineral não causa problemas apenas ao meio ambiente local e à população indígena:
"Hoje, a terra indígena ianomâmi vive com problemas. A Fiocruz detectou contaminação por mercúrio. A contaminação do meio ambiente, dos rios, não vai só prejudicar os povos indígenas. As águas não ficam paradas, nascem nas terras indígenas, mas vão para a cidade também", destaca.
A principal crítica que a deputada da Rede faz ao primeiro ato do governo Bolsonaro, enfraquecendo à Funai é que de um "retrocesso das políticas públicas".
"Criou-se um órgão com preparo técnico qualificado, específico para a questão indígena, para não ser manipulado por grupos de interesse. A lei colocou essa responsabilidade na Funai para proteger os interesses coletivos dos povos indígenas, para ter as terras garantidas, respeitadas e protegidas, longe de interesses individualistas econômicos, de influências e de posicionamentos políticos", pontuou a parlamentar.
A respeito da crítica do atual presidente da República, de que os indígenas são manipulados e explorados por ONGs, Joenia rebate que durante muito tempo essa população sofreu colonização forçada e que "colonização também pode significar manipulação".
" Vejo uma contrariedade quando ele diz que somos manipulados. Tivemos o reconhecimento, a partir da Constituição, de opinar, de buscar direitos. Hoje, a gente está assumindo espaços. Sou prova disso, mas também há várias outras lideranças no país plenamente conscientes dos seus direitos", ponderou a representante indígena.
Joenia também rebateu o argumento do general Heleno e outros assessores do governo de que as demarcações ameaçam a soberania nacional, fundamentando:
"Os povos indígenas foram essenciais na definição dos limites do território brasileiro. Nesta região onde estamos, temos provas da passagem do marechal Rondon. Faziam parte de sua comitiva lideranças indígenas que ajudaram na definição dos limites dos territórios brasileiros", arrematando em seguida:
"É um discurso que coloca os povos indígenas como inimigos de uma sociedade brasileira. Pelo contrário. Somos os principais guardiões da fronteira. Somos protetores dos recursos naturais, dos rios. Seria uma crueldade incitar o ódio, a intolerância, um clima de racismo contra os povos indígenas".
Joenia é advogada, formada pela Universidade Federal de Roraima e com pós-graduação pela Universidade do Arizona (EUA). Além de ser a primeira mulher indígena a se eleger deputada federal, atuou defendendo a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol no Supremo Tribunal Federal. Como um ato simbólico, ela escolheu ocupar na Câmara dos Deputados o gabinete 231, que leva o mesmo número do artigo da Constituição que determina aos povos indígenas os direitos sobre terras tradicionais.
Quando perguntada pelo repórter Fabiano Maisonnave, o que espera do trabalho a partir de fevereiro, respondeu que terá muito trabalho "para desmistificar" as políticas públicas de retrocesso do novo governo que "tentar retroceder nos direitos constitucionais".
"Vou tentar explicar, até mesmo de forma educativa, que é preciso seguir o que já foi aprovado em 1988. Não criar abismos, retrocessos. O sentido é avançar. Temos de começar a trabalhar o Brasil com essa diversidade rica e bonita que o país tem. A gente tem alternativas para crescer economicamente, e não só prejudicando vidas e povos indígenas", disse concluindo:
"Por que ele persegue tanto os povos indígenas? Qual é a razão de todo esse ódio e de querer retroceder tanto? Temos turismo, medicinas tradicionais, uma vasta biodiversidade na Amazônia. A gente tem de mudar esse discurso de que somos empecilho ao desenvolvimento, que estamos prejudicando A ou B. Temos de fazer com que sejamos nós os protagonistas também." Para ler a entrevista na íntegra, clique aqui.
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