17 de fev. de 2019

Bell Hooks: Por uma pedagogia interseccional, Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. - “Quando descobri a obra do pensador brasileiro Paulo Freire, meu primeiro contato com a pedagogia crítica, encontrei nele um mentor e um guia, alguém que entendia que o aprendizado poderia ser libertador." - Editor - POR AQUI, HOJE, QUEREM APAGAR O SEU TRABALHO.

 Bell Hooks: Por uma pedagogia interseccional

“É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática.”
Paulo Freire
Fundamentando-se em sua história de superação pessoal por meio da teoria libertadora, Bell Hooks nos mostra que, na educação quando a nossa experiência de vida está intrinsecamente ligada à teorização, não existe uma separação entre a teoria e a prática. Na teoria como prática libertadora[1], a autora traz a teorização como um processo crítico e reflexivo que pode levar a uma mudança, uma prática, uma cura do indivíduo ou do coletivo, desde que seja direcionada para este fim. Como feminista negra interseccional[2], a escritora reivindica constantemente a teoria dentro do ativismo (tanto na forma escrita, quanto na forma oral) e desenvolve o capítulo propondo centralizar a discussão pedagógica voltando-se para esse movimento sociopolíticoracial.
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Para as mulheres negras ocidentais, lecionar é um ato essencialmente político, contra hegemônico e que possui raízes na luta anti-escravocrata e antissegregacionista. O movimento feminista afro-americano possui um marco importante no sistema educacional porque foram elas que sempre lutaram contra as desigualdades de maneira plural e não dominante. No final da década de 80, a contribuição dessas mulheres para a reconstrução de um feminismo multicultural e crítico a respeito de raça, gênero, classe, orientação sexual e teorias feministas brancas, foi inestimável e alcançou as discussões modernas sobre a pedagogia. E isso é fundamental para compreender a constante preocupação da escritora com a descolonização do conhecimento e seus questionamentos diante da parcialidade das práticas de ensino.
Alicerçada nas obras de Paulo Freire, Hooks acredita que a construção de uma educação humanista – antirracista, antissexista, anti-homofóbica e etc. – que reconheça as peculiaridades do indivíduo e que garanta a voz dos estudantes, é capaz de estimular o senso crítico dos mesmos e avançar para uma prática que liberte as minorias das opressões. Mas para isso, se faz necessário combater os métodos pedagógicos arcaicos, descentralizar o conhecimento teórico e reconhecer a falta de compromisso da academia em aproximar a teoria da prática. A supervalorização da produção acadêmica feminista formulada num ambiente elitista/branco cujas obras escritas por “pessoas de nome”, privilegiadas, muitas vezes, invisibilizam as fontes poucos conhecidas, hierarquizam o debate e não contribuem na prática para o coletivo. Esses “dogmas teóricos” rigorosamente seguidos são paradoxais porque, é inconcebível um desempenho teórico que só pode ser entendido por um círculo mínimo de pessoas e não serve para educar o público. Ou seja, o pensamento inútil, produzido na academia para manter o status quo da classe dominadora intelectual, sem nenhuma pretensão de intervenção prática na realidade social, só será desafiada, segundo a escritora, através da teoria da libertação.
“É evidente que um dos muitos usos da teoria no ambiente acadêmico é a produção de uma hierarquia de classes intelectuais onde as únicas obras consideradas realmente teorias são as altamente abstratas, escritas em jargão, difíceis de ler e com referências obscuras (HOOKS, 1994, 89).”
Segundo a ativista, a criação de um abismo entre a teoria e a prática na academia é intencional porque é esse o artifício utilizado para perpetuar o elitismo intelectual que produz teorias irrelevantes para o todo e promove uma falsa dicotomia entre a teoria e a prática.  Por não se enxergarem dentro dessa hegemonia, muitas mulheres negras tentaram resistir à teorização acreditando apenas que a prática poderia trazer uma solução concreta para a comunidade. Porém, Bell Hooks rebate essa crítica colocando a complexidade do feminismo e do movimento negro como um parâmetro para grandes fenômenos que não se prendem a uma teoria única. Entretanto, em um determinado momento “as mulheres negras perceberam que permanecer calada (sem teorizar) só ajudaria a perpetuar a ideia que podemos engajar sem teoria”, pesando na teoria como algo apenas abstrato, o que na visão da autora é inconcebível.  
“Infinitas vezes, os esforços das mulheres negras para falar, quebrar o silêncio e engajar-se em debates políticos progressistas radicais enfrentam a oposição. Há um elo entre a imposição de silêncio que experimentamos e censura anti-intelectualismo em contextos predominantemente negros que deveriam ser um lugar de apoio (como um espaço onde só há mulheres negras), e aquela imposição de silêncio que ocorre em instituições onde se dizem as mulheres negras e de cor que elas não podem ser plenamente ouvidas ou escutadas porque seus trabalhos não são suficientemente teóricos (HOOKS, 1994, 95).”
Hooks rejeita os formatos acadêmicos tradicionais e inclusive defende que a teoria não acadêmica (como a tradição oral, por exemplo) seja tão valorizada quanto à acadêmica e também concorda na existência da prática sem a teoria. Mas não descarta em hipótese nenhuma a importância da mesma. Por isso ela acredita que os negros, em especial as mulheres negras, precisam teorizar e subverter o feminismo branco, o patriarcado e o racismo epistêmico dominante – já que para a autora a prática envolve o processo de teorização. Entretanto, alguns negros ainda menosprezam a teoria e acreditam que a luta pode se dá sem a mesma. Por outro lado, intelectuais negros tentam superar a barreira do pensamento hegemônico para mostrar que as palavras servem para compreendermos a natureza da nossa situação e os meios pelos quais podemos engajar e transformar a nossa realidade. Nesse contexto, a feminista ressalta que, mesmo tentando subverter o sistema, não devemos tratar toda teoria dominante como inútil, pois essa atitude reacionária é similar ao que os brancos fazem quando rejeitam como teoria a produção intelectual dos grupos marginalizados.
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“a posse de um termo não dá existência a um processo ou prática; do mesmo modo, uma pessoa pode praticar a teorização sem jamais conhecer/possuir o termo (HOOKS, 1994, 86).”
A teoria como prática libertadora, pressupõe uma educação que não reproduz o status quo, que traz o pensamento crítico, reflexivo e desconstrutivo para a sala de aula. Mas para isso, se faz necessário reconhecer a diversidade teórica; e a diversidade teórica, nada mais é, do que as experiências de vida. Para a escritora, todas as pessoas levam algum conhecimento para a sala de aula e essa pluralidade deve ser respeitada e utilizada como metodologia pedagógica: Escambo de vivências (o professor não deve ser uma autoridade e deve participar da troca de conhecimento), debates abertos, descentralização de condutas e etc. Num contexto multicultural, os alunos devem ser convidados a conhecer a diversidade epistemológica num espaço criado pelo professor para incluir temas que tragam, por exemplo, consciência de raça, sexo e classe associando-as a disciplina oferecida. Uma educação que liberta e que não faz dos estudantes pessoas meramente passivas e engessadas, não apenas exige o despertar da criticidade acerca da sociedade que vivemos, mas também, a visibilidade dos não brancos, das mulheres, dos LGBT’s e dos marginalizados. Só com a “educação engajada” [3] conseguiremos visualizar como as relações de poder interferem na educação e desarticularemos a escola como um lugar opressão.
[1]HOOKS, Bell; A teoria como prática libertadora. In:_____ Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013.  Cap.5, p.83-104.
[2] Feminista negra que reivindica sua pauta como mulher negra que sofre com o racismo e o machismo, mas acreditando que há uma intersecção entre diversas opressões: de gênero, orientação sexual, raça e classe social, não acreditando assim haver uma hierarquia entre elas.
[3] Uma educação que venha na direção oposta da ideologia mercantilista e dominante, que atenda as necessidades da população excluída dos direitos básicos da existência humana e que forme sujeitos críticos, conscientes e construtores de sua própria história.
https://pretaepistemica.wordpress.com/2016/09/02/188/
Outras obras da autora
  1. Vivendo de amor (link pdf/pt) fonte: Olibat
  2. Não sou eu uma mulher? (link pdf/ pt) fonte: Plataforma Gueto
  3. Ensinando a transgredir :A educação como a prática da liberdade (link pdf/ pt) fonte: Pedro Peixoto F.
  4. Black Looks: Race and Representation (link pdf/ ing) fonte: About a Bicycle
  5. Intelectuais Negras (link pdf/ pt) fonte: Geledés Instituto da Mulher Negra
  6. Luta de Classe Feminista (link pdf/ pt) fonte: CABN Libertar
  7. We real cool: black men masculinity ( link pdf/ ing) fonte: The Indigenist
  8. Políticas Feministas: de onde partimos (link pdf/ pt) fonte: Soul Negra Blog
  9. Mulheres negras: moldando a teoria feminista (link pdf/ pt) fonte: Periódicos UNB
  10. Feminism is for everybody (link pdf/ ing) fonte: Excorad Feminisms
  11. https://www.tubmanbra.com/blog/10-obras-em-pdf-por-bell-hooks-pra-voce-nao-reclamar-de-tedio-no-twitter
ENSINANDO A TRANSGREDIR - A educação segundo Bell Hooks. A Casa de Vidro: http://wp.me/pNVMz-3Zu.
“Quando descobri a obra do pensador brasileiro Paulo Freire, meu primeiro contato com a pedagogia crítica, encontrei nele um mentor e um guia, alguém que entendia que o aprendizado poderia ser libertador. (…) O primeiro paradigma que moldou minha pedagogia foi a ideia de que a sala de aula deve ser um lugar de entusiasmo, nunca de tédio. (…) O entusiasmo no ensino superior era vista como algo que poderia perturbar a atmosfera de seriedade considerada essencial para o processo de aprendizado. Entrar numa sala de aula de faculdade munida da vontade de partilhar o desejo de estimular o entusiasmo era um ato de transgressão. Não exigia somente que se cruzassem as fronteiras estabelecidas; não seria possível gerar entusiasmo sem reconhecer plenamente que as práticas didáticas não poderiam ser regidas por um esquema fixo e absoluto. Os esquemas teriam de ser flexíveis, teriam de levar em conta a possibilidade de mudanças espontâneas de direção. Os alunos teriam de ser vistos de acordo com suas particularidades individuais e a interação com eles teria de acompanhar suas necessidades (nesse ponto Freire foi útil).
A reflexão crítica sobre minha experiência como aluna em salas de aula tediosas me habilitou a imaginar não somente que a sala de aula poderia ser empolgante, mas também que esse entusiasmo poderia coexistir com uma atividade intelectual e/ou acadêmica séria, e até promovê-la. Mas o entusiasmo pelas ideias não é suficiente para criar um processo de aprendizado empolgante. Na comunidade da sala de aula, nossa capacidade de gerar entusiasmo é profundamente afetada pelo nosso interesse uns pelos outros, por ouvir a voz uns dos outros, por reconhecer a presença uns dos outros. Qualquer pedagogia radical precisa insistir em que a presença de todos seja reconhecida… O professor precisa valorizar de verdade a presença de cada um. Precisa reconhecer permanentemente que todos influenciam a dinâmica da sala de aula, que todos contribuem. Usadas de modo construtivo, elas promovem a capacidade de qualquer turma de criar uma comunidade aberta de aprendizado… O entusiasmo é gerado pelo esforço coletivo.
(…) Minhas práticas pedagógicas nasceram da interação entre as pedagogias anticolonialista, crítica e feminista, cada uma das quais ilumina as outras. Essa mistura complexa e única de múltiplas perspectivas tem sido um ponto de vista envolvente e poderoso a partir do qual trabalhar. Transpondo as fronteiras, possibilitou que eu imaginasse e efetivasse práticas pedagógicas que implicam diretamente a preocupação de questionar as parcialidades que reforçam os sistemas de dominação (como o racismo e o sexismo) e ao mesmo tempo proporcionam novas maneiras de dar aula a grupos diversificados de alunos.
Neste livro, quero partilhar ideias, estratégias e reflexões críticas sobre a prática pedagógica. Quero que estes ensaios sejam uma intervenção contrapondo-se à desvalorização da atividade do professor e, ao mesmo tempo, tratando da urgente necessidade de mudar as práticas de ensino. Eles têm o objetivo de ser um comentário construtivo. Esperançosos e exuberantes, transmitem o prazer e a alegria que sinto quando dou aula; são ensaios de celebração. Ressaltam que o prazer de ensinar é um ato de resistência que se contrapõe ao tédio, ao desinteresse e à apatia onipresentes… Esse trabalho deve ser um catalisador que conclame todos os presentes a se engajar cada vez mais a se tornar partes ativas no aprendizado.
(…) A educação está numa crise grave. Em geral, os alunos não querem aprender e os professores não querem ensinar. Os educadores têm o dever de confrontar as parcialidades que têm moldados as práticas pedagógicas em nossa sociedade e criar novas maneiras de saber, estratégias diferentes para partilhar o conhecimento. Com estes ensaios, somo minha voz ao apelo coletivo pela renovação e pelo rejuvenescimento de nossas práticas de ensino. Pedindo a todos que abram a cabeça e o coração para conhecer o que está além das fronteiras do aceitável, celebro um ensino que permita as transgressões – um movimento contra as fronteiras e para além delas. É esse movimento que transforma a educação na prática da liberdade." (HOOKS, 2017, pg. 15-20)
Artigo em "Lutas Sociais" (PUC-SP, 2015), por Érika Cecília Oliveira: https://revistas.pucsp.br/inde…/…/article/download/25769/pdf
"After reading Teaching to Transgress I am once again struck by bell hooks's never-ending, unquiet intellectual energy, an energy that makes her radical and loving." -- Paulo Freire
In Teaching to Transgress, bell hooks -- writer, teacher, and insurgent black intellectual -- writes about a new kind of education, education as the practice of freedom. Teaching students to "transgress" against racial, sexual, and class boundaries in order to achieve the gift of freedom is, for hooks, the teacher's most important goal.
bell hooks speakes to the heart of education today: how can we rethink teaching practices in the age of multiculturalism? What do we do about teachers who do not want to teach, and students who do not want to learn? How should we deal with racism and sexism in the classroom?
Full of passion and politics, Teaching to Transgress combines a practical knowledge of the classroom with a deeply felt connection to the world of emotions and feelings. This is the rare book about teachers and students that dares to raise questions about eros and rage, grief and reconciliation, and the future of teaching itself.
"To educate is the practice of freedom," writes bell hooks, "is a way of teaching anyone can learn."
Teaching to Transgress is the record of one gifted teacher's struggle to make classrooms work.
https://www.facebook.com/blogacasadevidro/photos/ensinando-a-transgredir-a-educa%C3%A7%C3%A3o-segundo-bell-hooks-a-casa-de-vidro-httpwpmepn/2066397570053224/
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