Carta de Paris: Terra Santa, um barril de pólvora
A jornalista israelense Amira Hass denuncia no Haaretz o colonialismo e o racismo de seu país
19/08/2019 16:12
Créditos da foto: A jornalista Amira Hass (Reprodução)
Amira Hass, repórter e editorialista israelense do jornal de esquerda Haaretz é filha de uma ex-deportada do campo de concentração de Bergen-Belsen, Hanna Lévy-Hass, mora na Cisjordânia e defende a causa palestina no seu jornal. Personagem fascinante, Amira é a única judia a morar na Cisjordânia, no meio de palestinos.
Descobri a jornalista, comunista como sua mãe nascida em Sarajevo, pelo perfil de duas páginas que lhe dedicou o jornal Le Monde de 17 de agosto.
«A política de Israel pode ser resumida assim: mais território e menos palestinos». Hass está convencida de que Israel tenta empurrar os palestinos para fora de suas terras por todas as formas possíveis.
A isso ela dá um nome: «limpeza étnica». O historiador Ilan Pappé em seu livro que já é um clássico «A limpeza étnica da Palestina» mostra como, na formação de Israel, se deu uma verdadeira substituição de população com a expulsão dos palestinos de suas aldeias, que eram imediatamente incendiadas. Ele relata massacres sangrentos de populações inteiras.
Sem ilusão quanto a uma esquerda quase inexistente Amira Hass é definitiva: «Não se pode considerar de esquerda quem apoia a colonização e o apartheid».
Obviamente, muitos judeus a julgam uma «traidora». Outros a veneram por sua integridade e seu radicalismo. Muitos simplesmente a ignoram, escreve Rémy Ourdan, que assina o perfil no jornal.
Amira diz que seus artigos são mais lidos no site em inglês doHaaretz do que no jornal em hebraico.
Ela conta que a vida de um palestino é um eterno calvário, ameaçado por colonos armados que queimam os campos de oliveiras e não recuam diante de nenhum dilema moral. Uma das reportagens de Amira Hass mostrava o campo dos filhos de Fawzi Ibrahim incenciados por colonos encapuzados. Pelas leis israelenses, em Jalud, situada na Cisjordânia ocupada, cercada de colônias israelenses, os cinco filhos de Ibrahim têm o direito de colher azeitonas cinco dias… por ano. Mas os colonos querem ver a família definitivamente proibida de aceder às oliveiras para poderem se apropriar de suas terras.
Para Hass, os homens armados e encapuzados que atacam aldeias como Jalud são «horrendos e desprezíveis» enquanto que os palestinos que vão manifestar encapuzados diante da barreira de separação de Gaza são «belos e emocionantes de ver». Segundo ela, os colonos se encapuzam para despertar o terror, já os palestinos tentam proteger a identidade da polícia e do exército. «Um palestino tem necessidade de um advogado do dia que nasce até o dia em que morre», diz Amira Hass, que não tem relação com os parentes de seu pai por serem colonos e racistas.
«O colono que ataca os agricultores palestinos é um criminoso que apoia os crimes do governo enquanto o palestino que se defende do Exército e da polícia israelense está no seu direito e no seu dever histórico de se rebelar contra um inimigo. O primeiro se situa na mesma tradição do racismo patológico da Ku Klux Klan nos Estados Unidos, enquanto que o segundo é um herdeiro dos combatentes da liberdade».
Esta defensora da coexistência intercomunitária, que vive há mais de vinte anos entre os palestinos denuncia o que o sionismo e a criação do Estado judaico impuseram às outras comunidades na terra da antiga Palestina. Ela afirma que «antes da criação de Israel diferentes comunidades viviam naquela terra sem que nenhuma delas dominasse as outras».
Em Gaza, a maior prisão a céu aberto do mundo
Em texto publicado no mesmo Le Monde alguns dias antes, o correspondente em Israel, Piotr Smolar, conta parte de sua experiência de quase cinco anos em Israel, cobrindo os territórios ocupados da Cisjordânia e também o enclave de Gaza, considerado por muitos como «a maior prisão a céu aberto do mundo». Ele acaba de deixar Israel para assumir novo posto no jornal.
Ao atravessar a fronteira que separa Israel de Gaza, o jornalista conta que sente nos odores, na água e no solo a poluição e a pobreza. Em Gaza, dois milhões de homens e mulheres vivem como ratos, enlouquecendo a fogo brando.
«Há doze anos fazem em Gaza uma experiência cruel», escreve Smolar. Testam a capacidade dos dois milhões de pessoas de resistir à prisão, à pobreza, à privação de todos os sonhos. O mal imposto a esta juventude não será reparado por nenhum plano internacional. Dessa punição coletiva, os israelenses não fazem nenhuma idéia. Eles não querem saber o que se vive lá».
Segundo Piotr Smolar, os israelenses não compreendem o que se passa em Gaza porque estão prisioneiros do prisma securitário. «O Hamas – sua cultura da luta armada, sua linguagem revolucionária enferrujada – representa o inimigo ideal, ainda que inquietante. Ele permite que os israelenses não se questionem».
O balanço que o correspondente faz é amargo. Ele deixa um país refém de sua política colonizadora e ultra-securitária.
Edgar Morin vê um barril de pólvora
A guerra travada por judeus e palestinos, chamada pela imprensa pudicamente de «conflito» teve mais um capítulo de confrontos dia 11 de agosto. De fato não é guerra nem conflito pois não há nenhuma simetria. De um lado, um povo com a bomba atômica. Do outro, garotos lançando pedras e bombas artesanais.
O que vemos emergir na imprensa, de vez em quando, é apenas a ponta do iceberg. O barril de pólvora pode ser aceso e explodir a qualquer momento.
Um dos lugares mais sensíveis é a Esplanada das Mesquitas, o Monte do Templo para os judeus.
Comecemos por situar geograficamente o mais recente episódio dessa guerra sem fim.
Os muçulmanos comemoravam o primeiro dia de Aïd al-Adha, o fim do Ramadã, na Mesquita Al-Acqsa e os judeus rememoravam a data da destruição dos dois templos de Jerusalém. O mesmo lugar é sagrado nas duas religiões e se encontra em Jerusalém-Leste, ocupada desde 1967 por Israel e anexada sem o reconhecimento da comunidade internacional.
Em 1947, no Plano de Partilha da Palestina a ONU definira Jerusalém-Leste como a futura capital do cada vez mais improvável Estado Palestino.
Fato raro, o calendário este ano fez coincidir a data judaica e a palestina. Os confrontos entre soldados israelenses e palestinos na Esplanada das Mesquitas – Monte do Templo para os judeus – teve o final esperado: dezenas de feridos do lado palestino.
A Mesquita Al-Acqsa é o terceiro lugar santo do Islã. Por outro lado, o lugar é o mais sagrado para os judeus que no Ticha Beav lembram a destruição do primeiro templo pelos babilônios, em 587 antes de Cristo, e do segundo pelos romanos, no ano 70 da era cristã.
Os judeus ultra-ortodoxos sonham com o dia em que vão destruir a Mesquita Al-Acqsa para reconstruir no lugar o novo templo. Vi vários documentários em que eles dizem abertamente isso e contam como estão se preparando para esse dia ativamente.
Esse pode ser o primeiro dia de uma grande guerra mundial.
A centelha no que Edgar Morin considera um barril de pólvora: Israel-Palestina.
0 comentários:
Postar um comentário