23 de ago. de 2019

O petróleo brasileiro na política energética estrangeira: o caso dos Estados Unidos. - Editor - SEM PETRÓLEO ASSEGURADO AO REDOR DO MUNDO A ECONOMIA DOS ESTADOS UNIDOS PATINA.

O petróleo brasileiro na política energética estrangeira: o caso dos Estados Unidos

Ineep      quinta-feira, 15 de agosto de 2019
   
Compartilhe esta página com seus amigos
Foto: Agência Petrobras.

Nos anos 2000, o mercado global de petróleo e gás foi consideravelmente impactado pelo aumento da produção destes recursos de modo não convencional (tight oil shale gas) nos Estados Unidos. Mesmo que ainda haja uma crescente produção interna estadunidense em função do novo tipo de extração a partir de rochas de xisto, há um grau de incerteza sobre a sustentabilidade desse tipo de petróleo e gás por conta, por exemplo, de perspectivas de rápido esgotamento das reservas e pela dificuldade de realizar novas descobertas em território nacional de volumes capazes de substituí-las. Independente disso, embora tal situação tenha aumentado a segurança energética dos EUA, o país permanece buscando assegurar reservas em outros países por meio de suas grandes petrolíferas, em especial a ExxonMobil e a Chevron, e, assim, ampliar seu controle sobre a produção de petróleo internacional.  

Desde o início do século, documentos oficiais estadunidenses sobre a política energética do país já vinham atestando a necessidade de diversificação das fontes energéticas do país. O documento que ficou conhecido como Relatório Cheney, divulgado em 2001, apontava tal objetivo, uma vez que a dependência na obtenção de recursos do Golfo Pérsico precisava ser diminuída devido à crescente instabilidade na região. Destaca-se neste documento que a exploração e produção em águas marítimas do Brasil e do Atlântico Sul de modo geral já estavam na mira dos Estados Unidos em 2001. Tendo isso em mente, não há a menor dúvida de que a descoberta pela Petrobras das reservas de petróleo do pré-sal em território brasileiro em 2006 implicou em uma mudança de posição do Brasil no escopo de interesses dos EUA.

A maior atenção sobre o segmento de petróleo brasileiro foi também declarada e reforçada no documento denominado Blueprint for a Secure Energy Future, em 2011, no qual o Brasil aparecia em três das sete prioridades estratégicas da política energética estadunidense: como uma fonte de experiência para a produção de biocombustíveis; como um parceiro fundamental para a exploração e produção de petróleo em águas profundas; como um território estratégico para a prospecção de recursos. Na época, ainda em 2011, Barack Obama visitou as instalações da Petrobras, repetindo o gesto que havia sido realizado em 2007, após a descoberta do pré-sal, por George Bush.

O direcionamento estratégico da política energética estadunidense, dando centralidade à entrada no setor petróleo brasileiro, pode ser igualmente visto em pressões realizadas pelas grandes petrolíferas Chevron e ExxonMobil no sentido de inviabilizar a aprovação de novos regimes exploratórios referentes ao pré-sal. Contra o protagonismo da Petrobras na exploração das áreas em questão, as empresas boicotaram o primeiro leilão do pré-sal em 2013. Ainda, cabe apontar que já em 2009, o Wikileaks revelava que um dos assuntos mais abordados nas mensagens diplomáticas da embaixada dos EUA no Brasil nos anos 2000 dizia respeito à política brasileira do petróleo, havendo queixas das empresas acerca do regime de partilha adotado para o pré-sal e contatos diretos entre o senador José Serra e executivos dessas empresas. Depois, pudemos constatar que veio justamente de Serra o projeto de lei que viabilizou em 2016 a retirada da cláusula de obrigatoriedade de participação da Petrobras no regime de partilha, tendo uma série de implicações, como o favorecimento à entrada das petroleiras estrangeiras.

Embora a trajetória da ExxonMobil no Brasil contabilize mais de 100 anos, a companhia estava ausente do mercado brasileiro desde 2009, quando devolveu o bloco BM-S-22, à época o único operado no pré-sal por uma empresa estrangeira na década passada. A reentrada da empresa no mercado brasileiro começou de forma discreta em 2013 e foi intensificada após as mudanças regulatórias em 2016, o que fez com que participasse de cinco leilões da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e adquirisse 23 novas áreas de exploração, tornando-se a empresa estrangeira com maior área de exploração líquida no país. Em 2018, a Exxon se encontrava já em 25 áreas exploratórias ou em fase de desenvolvimento da produção em vários blocos diferentes no pré-sal nas Bacias de Campos e Santos, além de Sergipe-Alagoas, Ceará e Potiguar, sozinha ou com sócios - Petrobras, Equinor, Galp, Azibrás, Queiroz Galvão, Murphy e Qatar Petroleum.

A primeira produção no Brasil será no campo de Carcará, onde existe um reservatório com mais de 2 bilhões de barris de petróleo no bloco BM-S-8. A Exxon comprou da Equinor, que é a operadora, uma participação de 36,5% por US$ 1,3 bilhão. Posteriormente a Exxon adquiriu 40% dos direitos de produção da área Carcará Norte na 2ª rodada de partilha. Assim, a área será explorada com os sócios sob dois regimes: a parte do reservatório de Carcará dentro do BM-S-8 sob o regime de concessão e a área Norte sob a partilha. O início da produção está previsto para 2023 ou 2024.

Ademais, a empresa está já habilitada para participar da oferta permanente de exploração e produção de mais de 600 blocos onshore e offshore e já demonstrou interesse em participar do 16º leilão do excedente da cessão onerosa do pré-sal, em que serão ofertadas 4 áreas no pré-sal - Atapu, Búzios, Itapu e Sépia - e da 6º rodada do pré-sal no regime de partilha. Além disso, importa apontar também que recentemente a ExxonMobil contratou João Vicente de Carvalho Vieira, ex-secretário da Secretaria de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia (MME) nas gestões dos presidentes Michel Temer e Jair Bolsonaro, para reforçar seu quadro no Brasil. Contratação ocorrida três meses antes dos leilões do excedente e da 6ª rodada de partilha, cabe mencionar que João Vicente participou do processo para definição das novas rodadas de concessão, partilha e do excedente da cessão, assim como das negociações relacionadas à revisão do contrato da cessão onerosa com a Petrobras. Sendo a primeira petroleira estrangeira a contratar um ex-executivo do alto escalão do MME, no mínimo, o fato reforça o interesse da ExxonMobil pelo Brasil.

A Chevron, por sua vez, contando com mais de 100 anos também no Brasil, passou a atuar na área de exploração e produção somente após quebra de monopólio da Petrobras em 1997. Sua trajetória no Brasil, contudo, é marcada pelo vazamento de petróleo em 2011 no Campo do Frade, na Bacia de Campos, no qual era operadora. Em função disso, a ANP aplicou multa e suspendeu temporariamente a possibilidade da empresa de perfurar o campo. Já em 2013, a petrolífera estadunidense fechou um acordo que pôs fim às ações, e em 2019, vendeu sua participação em Frade. Nos últimos anos, tem buscado renovar sua imagem no Brasil e, concomitantemente, tem afirmado que seu interesse é focar no pré-sal brasileiro. A partir de 2018, a Chevron garantiu dois blocos - Três Marias (30%), em parceria com a Petrobras (30%) e a Shell (40%), e Saturno (50%), em parceria com a Shell (50%) - no pré-sal na Bacia de Santos. Ademais, com a compra da Anadarko, a Chevron ampliou sua presença no segmento brasileiro, assumindo mais dois blocos na Bacia de Campos. 

Embora não seja foco desta nota, é interessante salientar que tanto a ExxonMobil quanto a Chevron têm como estratégia central atuar como empresas integradas, o que indica a possibilidade de ingresso dessas empresas de forma mais acelerada em outras atividades no país, sobretudo em um contexto em que a Petrobras intensifica seu programa de desinvestimentos e assume um papel coadjuvante no setor nacional de petróleo.   

Desse modo, assim como no caso da França, o caso dos Estados Unidos aqui abordado chama atenção não só em função do claro direcionamento de sua política energética para o segmento de petróleo brasileiro nos anos 2000, mas também devido à sintonia entre os interesses nacionais do país, com envolvimento do Estado no delineamento de estratégias nacionais para atuação internacional, e os interesses empresariais estadunidenses, que miram conjuntamente o objetivo de assegurar a segurança energética do país no longo prazo. Pode-se dizer assim que tanto a manutenção da extração não convencional de petróleo e gás, como o controle da produção de petróleo internacional continuarão sendo dois alvos da política energética do governo americano. Aqui se aponta, portanto, que o Brasil está no alvo estadunidense de maneiras variadas, e que, por conseguinte, há mais uma evidência da maior visibilidade entre as potências ocidentais das potencialidades do Atlântico Sul no âmbito do setor energético
Share:

Related Posts:

0 comentários:

Postar um comentário