
Bolsonaro e Comparato concordam em uma coisa: privatização da Vale foi mesmo O grande crime de Fernando Henrique Cardoso
O jurista Comparato deu entrevista ao Viomundo sobre a privatização da Vale: a empresa tinha o mais completo mapa geológico do Brasil; ele criticou a privatização do pré-sal no governo Dilma sem saber o que viria adiante, nos governos Temer e Bolsonaro
Esse é um país que é roubado há 500 anos. A gente conhece o potencial mineral do Brasil. Eu sei como a Vale do Rio Doce abocanhou, no governo FHC, o direito mineral no Brasil. O crime que aconteceu. Jair Bolsonaro, presidente da República, em entrevista à imprensa sobre a Amazônia
Da Redação
Em uma coisa o presidente da República de extrema-direita, Jair Bolsonaro, e o jurista de esquerda Fábio Konder Comparato concordam: o Brasil foi roubado nos anos 90, pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, durante a privatização da estatal Vale do Rio Doce.
A maior mineradora do Brasil, uma das maiores do mundo, é controlada hoje por investidores estrangeiros (45,1%), com 5,7% nas mãos da Bradespar, a companhia de investimentos do Bradesco.
O BNDES, através do BNDESPar, tem apenas 6,3% da maior jazida de minério de ferro do mundo, em Carajás, sem falar de tantos outros direitos minerários.
O minério embarca em trens gigantescos, atravessa a miséria do Pará e do Maranhão e embarca rumo ao Japão e à China (a Mitsui tem 5,6% das ações da empresa).
Diz-se que Shangai foi construída com o minério de ferro de Carajás.
Com a privatização da Vale, o Brasil abriu mão de ajudar a “fazer o preço” internacional do minério de ferro e do aço, que praticamente entregou aos intermediários e aos chineses.
“A Vale é a maior produtora mundial de minério de ferro e pelotas, matérias-primas essenciais para a fabricação de aço. As rochas encontradas em Carajás são formadas, em média, por 67% de teor de minério de ferro (o teor mais alto do planeta)”, informa orgulhosamente a Vale em seu site.
A empresa foi vendida em 6 de maio de 1997 por R$ 3,3 bilhões, mas com imensas reservas minerais não apenas de minério de ferro, mas de manganês, níquel e cobre.
Um verdadeiro assalto ao patrimônio público promovido pelo então ministro do Planejamento, José Serra, com aval de FHC.
“O Brasil possui 10% das reservas mundiais de manganês, atrás apenas da Ucrânia (24%), África do Sul (22%) e Austrália (16%). A Vale é a maior produtora de manganês no Brasil e responde por cerca de 70% do mercado nacional. A Mina do Azul, no Pará, é responsável por 80% da nossa produção. Somos também líderes em ferroligas a base de manganês. As minas brasileiras do Azul, no Pará, e de Urucum, no Mato Grosso do Sul, destacam-se por terem minério de alto teor – pelo menos 40% de teor de manganês”, informa a própria Vale.
“A Vale é a maior produtora global de níquel, um dos metais mais versáteis do mundo, utilizado em diversas aplicações. Duro e maleável, o níquel é resistente à corrosão e mantém suas propriedades físicas e mecânicas mesmo quando submetido a temperaturas extremas. O níquel de alta qualidade produzido pela Vale é muito valorizado para aplicações em galvanização e em baterias”, diz a empresa.
Completa: “Na sua casa, o nosso níquel garante o brilho do acabamento das torneiras de metal e a energia do seu controle remoto. O minério é essencial na produção de itens que vão das moedinhas do seu bolso ao carro estacionado na sua garagem”.
“O cobre é o terceiro metal mais utilizado no mundo, atrás do ferro e do alumínio. 66% do consumo anual de cobre é voltado para aplicações elétricas. Produzimos cobre no Brasil e no Canadá. Nossas operações no Brasil estão localizadas em Carajás e se beneficiam da infraestrutura logística que já temos para o escoamento de minério de ferro”, informa a Vale.
Ligas de cobre e manganês com o alumínio são essenciais para a fabricação de aeronaves, mísseis e foguetes.
Em 13 de setembro de 1996, menos de oito meses antes de vender a Vale, o então presidente FHC colocou em vigor a Lei Kandir, de autoria do deputado tucano Antonio Kandir (substituiu Serra no Planejamento depois da venda da Vale), isentando do imposto de circulação de mercadorias os produtos primários ou semi-industrializados destinados à exportação.
Ou seja, o minério da Vale!
O jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto, que montou um blog exclusivamente dedicado à Vale, resumiu em artigo que reproduzimos no Viomundo, em 2012, referindo-se ao ano anterior:
“A Vale exportou no ano passado 97 milhões de toneladas de minério de ferro de Carajás, com faturamento de 11,7 bilhões de dólares, correspondentes a quase 20 bilhões de reais. Pois bem: esses R$ 20 bilhões renderam R$ 30 milhões de ICMS [ao Pará]. Ou 0,15%. Alíquota de desmoralizar qualquer erário; de massacrar qualquer povo”.
Em 1996, bem que o jurista Fábio Konder Comparato tentou paralisar o leilão, mas a “Justiça” brasileira dobrou-se a Fernando Henrique Cardoso e sua turma — Serra, Pedro Malan, Kandir e outros, que seguem por aí repaginando velhas ideias e causando danos.
Comparato contou os bastidores ao jornalista Gilberto Maringoni, em entrevista publicada na revista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o IPEA:
Desenvolvimento – O senhor se opôs às privatizações de empresas estatais nos anos 1990. Que balanço faz daquele processo hoje?
Comparato — Estou cada vez mais convencido de que aquilo foi um crime contra o patrimônio nacional. Se nós tivéssemos tido uma evolução humanista da mentalidade coletiva e uma verdadeira democratização, e não essa falsa democratização que se diz ter ocorrido em 1988, os autores desse crime deveriam ser julgados.
O episódio da venda da Companhia Vale do Rio Doce, por exemplo, revelou até que ponto o Poder Judiciário sofre a dominação do poder capitalista. Vou contar um episódio que não foi divulgado, mas é o retrato dessa submissão.
Foi proposta uma ação popular contra a privatização, em uma vara da Justiça Federal em São Paulo. Em seguida, foi concedida uma liminar para suspender o leilão, que deveria ocorrer na bolsa do Rio de Janeiro.
O governo da época apresentou recurso contra essa liminar ao Tribunal Regional Federal, que manteve suspensão. Em seguida, o governo produziu um recurso inexistente para que o processo chegasse ao Superior Tribunal de Justiça.
No STJ, armou-se todo um cerco em torno dos desembargadores, sobretudo daquele a quem foi distribuído o processo. Esse desembargador, imediatamente, deslocou a jurisdição do caso de São Paulo para o Rio de Janeiro.
Lá, o caso chegou às mãos de uma juíza. Mais tarde, segundo seu próprio relato, ela recebeu um comunicado pessoal de outro juiz, dizendo ser ela obrigada a reformar a sentença oficial e julgar improcedente a ação popular proposta.
Até hoje, ainda não há uma solução para isso, porque a Vale do Rio Doce e o governo federal multiplicaram recursos.
Chegamos até o Superior Tribunal Federal, mas ainda não conseguimos uma decisão definitiva, mais de uma década depois. Isso é o retrato da Justiça neste país.
Desafios – Que crime o senhor alega terem sido cometidos nas privatizações?
Comparato – Os bens públicos não pertencem ao Estado, eles são geridos, administrados pelo Estado. Pertencem ao povo brasileiro.
A Vale do Rio Doce não foi vendida, foi doada. Em seu processo de avaliação, participou o banco que acabou sendo um dos compradores.
Eu digo crime não no sentido técnico, mas num sentido mais profundo: um patrimônio de importância econômica e política considerável foi tirado da propriedade do povo e foi entregue a pessoas privadas.
O conjunto dos meios de comunicação de massa foi unânime em sustentar as privatizações.
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