Citada na Vaza Jato, a Mara Gabrilli da farsa da Veja surgiu pelas mãos de Serra. Por José Cássio

Seja pelo drama físico, ou pela incrível história de superação, o certo é que falar mal de Mara Gabrilli soa como uma sentença de morte: você será execrado pelo resto da vida.
Mas será que a senadora tetraplégica do PSDB é essa santidade toda que a gente ouve dizer todos os dias?
A reportagem exclusiva do editor Joaquim de Carvalho sobre a farsa (re)montada pela Veja do caso Celso Daniel joga luz nesse debate.
“A Veja está querendo influir no julgamento da segunda instância, e nessa farsa posso dizer, com certeza, que há a ação de Mara Gabrilli”, contou a Joaquim o delegado Rodrigo Pinho de Bossi, que tomou o depoimento que a revista utiliza para construir a versão de que o ex-presidente está envolvido na morte de Celso Daniel.
Bossi vai além, dando detalhes de como a senadora participou da montagem do texto que tenta incriminar Lula e influenciar o STF.
“Mara Gabrilli me ligou diversas vezes essa semana, tentando me influenciar a liberar o vídeo da oitiva. Não dei”, contou o delegado. “Sabia que eles estavam tentando influenciar no julgamento”.
Não é a primeira vez que a senadora do PSDB de São Paulo se envolve em situações embaraçosas sobre a morte de Celso Daniel. Em junho, vazamentos do The Intercept mostraram que ela trocou mensagens com Sergio Moro sugerindo a inclusão do caso nas investigações da Lava Jato a partir do indiciamento de Marcos Valério.
Na mensagem, dizia que havia visto uma conexão entre o assassinato do ex-prefeito e a Lava Jato e reclamava de dificuldades para que o MP em São Paulo investigasse.
Moro chegou a encaminhar a demanda para Deltan Dallagonol, procurador chefe da operação, e Mara, quando os áudios vieram à tona, se apressou em dizer que o vazamento era ilegal e que, mesmo assim, não via problema nos diálogos. “Vejo o juiz Sergio Moro como um símbolo brasileiro contra a corrupção”, foi a versão que vendeu e que rapidamente foi comprada pela imprensa.
Conheci Mara Gabrilli em janeiro de 2005, quando ela surgiu para o grande público como Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida de José Serra na prefeitura de São Paulo. Tinha perdido a eleição para a Câmara de Vereadores um ano antes.
Amiga de Verônica, filha do prefeito eleito, ganhou um cargo no primeiro escalão.
A união de Serra com Mara caiu como luva.
Num período em que ainda não existiam redes sociais, o prefeito usava a imprensa para mandar os seus recados, assim como Bolsonaro faz hoje no Twitter. E Mara era a isca perfeita para o negócio funcionar: bastava um factoide qualquer e chamar fotógrafos e repórteres para os registros.
Mas era nas reuniões de secretariado que a agora senadora se revelava por inteiro: calada, só se manifestava quando o assunto era do seu interesse.
O que não fosse relacionado à pasta sob seu comando não era motivo de preocupação para a novata. No entanto, se algum recurso público estivesse em jogo envolvendo interesses de duas secretarias, virava leão e brigava com fúria de cristão novo.
Eleita vereadora quatro anos mais tarde, levou o método para a Câmara.
Nas reuniões de bancada do PSDB, era voz isolada. Só defendia seus interesses, não negociava, não abria mão de nada. E, para desespero dos colegas, quando as portas da sala se abriam, ‘ia para a imprensa’, para usar uma expressão do meio, denunciar e reclamar que os acordos não favoreciam as pessoas com mobilidade reduzida.
Tucanos adestrados por Serra a fazer da velha imprensa a arena de debates da cidade temiam Mara Gabrilli. Primeiro pela aproximação dela com o ‘Careca’, como o agora senador era chamado. Depois, com o poder que ela ostentava na opinião pública.
Mara cresceu na vida, virou case de novela da Globo, teve votações expressivas, chegou ao senado. Faltou-lhe porém sensibilidade para se desvencilhar da erva daninha do ressentimento.
Faz do ódio ao PT o sentido maior da sua luta.
Nega que o próprio pai, tradicional barão da catraca, chegou a admitir à uma CPI de Santo André ter participado de esquemas de corrupção na cidade – diz que foi obrigado, ok, a gente acredita.
Como no caso do golpe contra Dilma, em 2016, tucanos paulistas continuam instrumentalizando a velha imprensa com farsas para atribuir crimes aos adversários e com isso influenciar decisões da Justiça, do Ministério Público e do Congresso.
Com a saída de cena do ‘Careca’, Mara assumiu o bastão e tem mostrado disposição para insistir na tática.
Se tivesse um pouco mais de noção, repensaria: afinal, vale a pena arriscar uma história de superação pela chance de cair na vala comum como uma picareta que, a exemplo de Serra, só enxerga o próprio umbigo e não mede consequências na tentativa de destruir os adversários que odeia?
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