“Aviões 737 Max da Boeing são caixões voadores”, denuncia senador nos EUA
Por Hora do Povo Publicado em 2 de novembro de 2019

Parentes das 346 vítimas dos desastres do 737 Max pedem "cadeia" para o chefe da Boeing Muilenburg na audiência do Senado. (Sarah Silbiger/Reuters)
A Boeing foi acusada de fabricar “caixões voadores” e de cometer “ocultação deliberada” de erros de projeto durante audiência no Senado dos EUA sobre os 346 mortos do novíssimo modelo 737 Max, à qual pela primeira vez compareceu o executivo-chefe da corporação Dennis Muilenburg, agora concentrado em tentar salvar a abalada reputação da gigante aeronáutica e em arrancar o quanto antes a liberação dos aviões encalhados.
A audiência aconteceu ao se completar um ano do primeiro desastre, na Indonésia, do voo 610 da Lion Air, – seguido por outro, cinco meses depois, na Etiópia, o voo 302 da Ethiopian Airlines. No dia seguinte, a audiência foi na Câmara.
Os pilotos do novo modelo sequer sabiam da existência do sistema automatizado MCAS propenso a derrubar o avião e nos dois casos os pilotos lutaram desesperadamente para tentar impedir a tragédia. Os 737 Max estão aterrados no mundo inteiro desde março. “Ambos os acidentes eram totalmente evitáveis”, disse o presidente do comitê de Comércio do Senado, o republicano Roger Wicker.
Familiares das vítimas estavam presentes com fotos dos seus entes queridos, vítimas da ganância e estupidez da maior fabricante de jatos civis dos EUA e da conivência da autoridade reguladora norte-americana, a FAA, que delegava à Boeing se autofiscalizar.
As embromações e “coração partido” de Muilenburg não convenceram os familiares das vítimas. “Quero que ele diga inequivocamente que assume a responsabilidade pelas mortes de 346 pessoas porque os acidentes eram evitáveis”, disse Paul Njoroge, que perdeu cinco membros da família no desastre na Etiópia. Adnaan Stumo, cuja irmã Samya morreu no mesmo acidente, disse que o executivo deveria deixar o cargo “e ir para a cadeia”.
GAMBIARRA HIGH TECH
A situação de descalabro em que se encontra o setor de engenharia da Boeing foi descrita com precisão pelo senador democrata Richard Blumenthal ao chamar o projeto da nova aeronave de um “caixão voador”, em que uma gambiarra – cuja existência sequer fora informada aos pilotos, o chamado Sistema de Aumento das Características de Manobra (MCAS, na sigla em inglês), que tentava remendar a alteração estrutural no modelo anterior, decorrente da substituição por turbinas maiores e mais pesadas, situadas mais à frente e mudando o centro de gravidade e a sustentação – assumia autonomamente o controle do voo, sem que o piloto soubesse o que estava acontecendo ou como desligá-lo
Como denunciou o piloto Chesley ‘Sully’ Sullenberger – aquele famoso pela aterrissagem miraculosa no leito do Rio Hudson – e atualmente do Conselho Nacional de Segurança no Transporte dos EUA, as decisões da Boeing sobre o projeto tornaram o novo avião “fatalmente defeituoso”.
A gigante dos EUA optara em conectar um motor novo e maior a uma estrutura de cinco décadas, em vez de reprojetar o avião, o que resultou numa tendência de perda de sustentação, que o MCAS deveria corrigir. Sob leitura errada do único sensor, em certas circunstâncias o dispositivo mandava o avião mergulhar repetidamente, contra a vontade do piloto.
O objetivo de tal opção era de dizer se tratar essencialmente do “mesmo” 737 de sempre e sem necessidade de treinamento especial, para acelerar a certificação e reduzir custos. Em suma, uma fraude e um desastre esperando para acontecer.
OCULTAÇÃO DELIBERADA
Blumenthal também condenou “o padrão de ocultação deliberada” de parte da Boeing, que só na véspera do depoimento de Muilenburg fez chegar aos comitês do Congresso cópias dos e-mails de seus pilotos de teste alarmados com o defeito, e que já estavam na mídia faz tempo.
Blumenthal denunciou que os pilotos do 737 Max “nunca tiveram chance, os passageiros nunca tiveram chance”. “Eles estavam em caixões voadores como resultado da Boeing decidir que ocultaria o MCAS dos pilotos”, indignou-se.
A conivência entre a Boeing e a FAA também ficou evidenciada durante a audiência. O FAA autorizou a gambiarra mortal da Boeing basicamente com base nos testes e relatos da própria Boeing – o que há anos se tornou no modus operandi no setor, graças à desregulamentação, que atravessa vários governos, republicanos e democratas. A raposa, como se sabe, é sempre a mais indicada para fiscalizar o galinheiro.
“POUCO CASO E INSENSATEZ”
Wicker reconheceu que os e-mails entre os pilotos de teste da Boeing sobre os problemas no sistema MCAS revelavam “um nível perturbador de pouco caso e insensatez” na gigante da aviação.
Como salientou o senador Jon Tesler, a Boeing recebeu permissão da FAA para não instalar novos alertas em relação ao sistema MCAS nos 737 MAX porque “ficaria caro”. “Vocês me contaram meias verdades várias vezes”, afirmou a senadora democrata Tammy Duckworth, retrucando a Muilenburg sobre a ocultação, pela Boeing, dos problemas no sistema supostamente de ‘estabilização’.
O engenheiro-chefe da Boeing, John Hamilton, contestou as acusações de compadrio entre a corporação e a FAA, asseverando que as relações eram “estritamente profissionais”.
Apesar do alerta, feito no Congresso do Sindicato dos Profissionais de Segurança da Aviação, que representa os trabalhadores da FAA, em 2016 de que a desregulamentação havia chegado a tal ponto que os reguladores só seriam capazes de intervir em problemas com um avião “depois que um acidente acontecesse e as pessoas fossem mortas”.
OPÇÃO
Assim, a mea-culpa de Muilenburg não passa de um biombo quanto a que a Boeing decidiu, nos mais altos escalões, colocar em serviço uma aeronave com erros de projeto e problemas de segurança de voo. Na corrida para lançar seu modelo à frente da Airbus, todos os protocolos padrão de segurança estavam sendo ignorados. “Cometemos erros”, admite agora, para minimizar as responsabilidades.
Há até um e-mail de um gerente sênior para Muilenburg, chamando a encerrar todo o Programa 737 Max. “Todos os meus avisos internos estão disparando, e pela primeira vez na minha vida, hesito em colocar minha família em um avião da Boeing”, registrou em vão.
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