Caipirinha: 5 maneiras de defender o coquetel mais brasileiro do mundo
04 de 11 de 2019
A caipirinha, único coquetel brasileiro chancelado internacionalmente, foi reconhecida como patrimônio imaterial do estado do Rio de Janeiro – mas por que ainda precisamos defendê-la?

No último dia 24 de outubro, a caipirinha foi reconhecida como o mais novo patrimônio imaterial do estado do Rio de Janeiro pela Lei 8576, publicada no Diário Oficial e sancionada pelo governador Wilson Witzel.
Apesar do reconhecimento fluminense e da caipirinha ser o único coquetel brasileiro a figurar na lista do IBA (International Bartenders Association), um levantamento feito pela marca de cachaças Leblon atestou que a cada 10 ‘caipirinhas’ vendidas, 7 são feitas com outro destilado que não é cachaça.
Para ajudar, na mesma semana em que o coquetel brasileiro ganhou este importante reconhecimento nacional, a marca de vodca Smirnoff lançou uma campanha promovendo a caipiroska – coquetel que substitui a cachaça pelo destilado de origem russa. Na divulgação publicitária, a empresa diz que ‘subverteu o drink mais famoso do país’ e que também deu ‘um verdadeiro pé na porta da mesmice’.
Apesar de ser uma ação de marketing poderosa e ter um tom de desserviço, a campanha da Smirnoff revela muito sobre a nossa a cultura e a falta de informação que ainda permeia o mercado de cachaças e coquetéis nacionais.
A ‘síndrome de vira-lata’ unida a uma cultura amplamente intrínseca na nossa sociedade de que cachaça ‘é ruim’, bebida barata e sem qualidade, ou coisa de pessoas com problemas com álcool, surtiu uma cortina de fumaça sobre o destilado, que precisa ainda de muito trabalho para desmistificá-lo.
De acordo com Thiago Terra, responsável pelo marketing da Cachaça Leblon, a melhor forma de lidar com a situação atual do mercado não é bater de frente com a caipiroska, mas sim promover uma união da categoria cachaceira e trabalhar melhor a educação e cultura da cachaça, exaltando para o público o quanto o destilado nacional tem de mais diverso.
“Temos mais história, cultura, diversidades de sabores com cachaça. Se exaltarmos isso, acredito que colocaremos mais a cachaça no repertório dos consumidores”.Thiago Terra, Leblon
Inclusive, há dois anos a Cachaça Leblon promove a campanha #SalveaCaipirinha, em que no ‘Dia Nacional da Cachaça’, 13 de setembro, são lançadas campanhas de incentivo à caipirinha, com ações nas redes sociais e também com a promoção no meio dos profissionais de bares.
“Esse ano, levamos cerca de 70 bartenders/profissionais para visitar nossa destilaria como uma campanha de incentivo do Salve a Caipirinha…todo ‘Dia da Cachaça’ lançamos um vídeo protesto e tivemos muitos compartilhamentos orgânicos de bartenders e consumidores, nossa hashtag em dois anos já tem mais de 1100 menções”Thiago Terra, Leblon
A CAIPIRINHA É BRASILEIRA… MAS ISSO VOCÊ JÁ SABE.
Como foi inventada a caipirinha é tema para algumas horas de debate, porém a versão mais disseminada e, inclusive comemorativa, é por volta de 1918 na cidade de Piracicaba, interior de São Paulo e grande produtora de cana-de-açúcar. Dizem que ela foi inventada como alternativa para tratar um surto de gripe espanhola que assolava a região na época.
O que contam é que originalmente ela era feita com limão, alho e mel e um pouquinho de cachaça para acelerar o efeito terapêutico. Porém como já foi colocado pelo cachacier Maurício Maia, a versão da caipirinha que conhecemos já era conhecida desde o início da colonização com a cultura das garrafadas. Também existem documentos de algo muito semelhante já em 1856 na cidade de Paraty, no litoral fluminense, para combater uma crise de malária.
A cultura de tomar caipirinha ganhou força entre as festas dos grandes fazendeiros latifundiários de cana-de-açúcar, que serviam o coquetel nas festas como uma alternativa local à bebidas importadas e de acesso mais difícil, como whisky e vinhos.
A caipirinha também ganhou notoriedade na semana de Arte Moderna de 1922, em que Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral promoveram o coquetel que era servido durante o evento, como forma de protesto contra a ‘europeização’.
A popularidade do nosso coquetel é tão importante, que no ano de 2009 a receita original se tornou patrimônio cultural do Brasil, regida pela lei no decreto nº 6.871, capítulo VII, seção VI, artigo 68, § 5º que determina que caipirinha é a bebida elaborada com cachaça, limão e açúcar, com graduação alcoólica de 15% a 36% em volume, a 20ºC, “facultada a adição de água para a padronização da graduação alcoólica e de aditivos”.
MUDANDO O “ZEITGEIST” DA CACHAÇA:
A defesa da caipirinha não deveria se limitar a discutir se o coquetel é com vodca ou cachaça. Para uma mudança de mentalidade no setor é preciso avançar nessa discussão.
De nada adianta se agarrar às leis ou ao ufanismo verde e amarelo só pelo fato da caipirinha/cachaça ser brasileira. Afinal o povo não quer imposição, mas sim experiências prazerosas. E o lado bom da história é que o momento não poderia ser mais oportuno para novas experiências com cachaça.
A evolução do mercado de cachaça
Nos últimos anos, o mercado de cachaças ganhou bebidas de qualidade e com os mais variados estilos de sabores, envelhecimento em madeira e blends especiais. Sem dúvida, vivemos um período especial na produção de cachaças com uma melhoria na qualidade técnica e sensorial.
Acompanhando o desenvolvimento do mercado produtor percebemos também o crescimento da alta coquetelaria, que tem se desenvolvido com mais intensidade nos últimos 6 anos no Brasil. Cada vez mais profissionais de bares têm estudado e defendido com propriedade o uso de ingredientes, destilados e sabores brasileiros.

Para mudar a imagem negativa da cachaça e da caipirinha na cabeça do brasileiro precisamos de unidade na comunicação e pensar em estratégias de como responder às campanhas como essa da Smirnoff. Aqui mapeamos 5 alternativas que podemos fazer para colocar a caipirinha no seu devido lugar de destaque.
1. JÁ SABEMOS “O QUE”, PRECISAMOS AVANÇAR NO “COMO” OU “POR QUÊ”
Se está claro que caipirinha é com cachaça então devemos levar a discussão não para o “o que”, mas para o “como” e o “por quê”.

Ao invés do bartender ou garçom perguntar se caipirinha deveria ser com cachaça, saque ou vodca, ele deveria perguntar: Você quer sua Caipirinha batida ou mexida? Com açúcar ou xarope? Com cachaça pura ou amadeirada? Ao fazer essas perguntas forçaria respostas que revelam a complexidade e a diversidade de possibilidades com a bebida. As perguntas certas poderiam resultar em respostas como:
“Para a versão clássica da caipirinha faça mexida com limão-taiti, e use cachaças puras, sem madeira, com aroma de cana, levemente ácidas, e com teor alcoólico mediano (entre 42-45%)”.
“Para caipifrutas, versão da caipirinha com frutas diferentes do limão, você pode inovar na técnica e no tipo de cachaça. Caipirinhas de morango combinam com cachaça envelhecida em amburana. Caipirinhas de três limões podem levar rapadura para adoçar e cachaça envelhecida em bálsamo. Caipirinhas de maracujá podem ser batidas na coqueteleira para justamente ajudar na extração do suco presentes nos gomos da fruta”.
2. SE A VODCA QUER A CAIPIRINHA, VAMOS ATRÁS DOS CLÁSSICOS DA COQUETELARIA!
A Natique, empresa responsável pela cachaça Santo Grau, lançou uma proposta no mercado que tem a cachaça como base para substituir destilados em coquetéis clássicos, como o Negroni, ou o Manhattan – já que a variedade de estilos da cachaça possibilita essa pluralidade. A Santo Grau inclusive conta com uma linha de cachaças envelhecidas em dornas de carvalho usadas para envelhecer Jerez, que traz uma rica experiência de sabores e pode funcionar como bom substituto para coquetéis preparados com destilados que também foram envelhecidos em carvalho, como rum e whisky.
“Acreditamos que a valorização do nosso destilado vai muito além da dose, a diversidade de aromas e sabores da cachaça traz tanta complexidade aos coquetéis que pode até ser usada para substituir os destilados mais tradicionais, como gim e whisky por exemplo.Lívia Teixeira, gerente de marketing da Natique
Quando criamos os drinks clássicos com a Cachaça Santo Grau, junto com o bar Original e o bartender Frajola, o desafio era exatamente esse: explorar a diversidade entre as cachaças da marca recriando drinks clássicos da coquetelaria mundial”

O Manhattan ganha a releitura do bartender Frajola, que substitui o Whisky por Solera Cinco Botas
Lívia também acredita que o mercado precisa usar cachaças boas na coquetelaria para que os drinks tornem-se tão bons quanto os feitos com outros destilados. O setor tem que fazer um trabalho que mostre tanto para o mercado nacional quanto internacional que a cachaça não é só para caipirinha, mas sim um produto com complexidade e com muitas possibilidades.
3. COQUETÉIS AUTORAIS COM CACHAÇA E SOFISTICAÇÃO
A cachaça de qualidade tem sido recurso para bartenders terem trabalhos autorais e originais que ressaltam a nossa cultura, como o trabalho desenvolvido pela Gouveia Brasil com o chefe de bar do IMS, Rafael Welbert, que trabalharam em um projeto de coquetelaria sofisticada que valoriza os biomas brasileiros e a cachaça como base.
“Nós pesquisamos o mercado e chegamos ao trabalho do Rafael Welbert, que tem um canal de comunicação com outros bartenders, é um apaixonado por cachaça, entende profundamente de coquetelaria e quer fazer os melhores drinks usando a cachaça…Juntos criamos um site específico chamado Gouveia Brasil Coquetelaria, que tem todas as informações do coquetel, desde o copo, o tipo de ingrediente e com um canal aberto para conversar com o Rafael”Celso Lemos, diretor de marketing do Grupo Gouveia Brasil.

O coquetel de caju infusionado em aguardente Porto do Vianna foi pensado nos biomas da Amazônia, Cerrado e Caatinga
De acordo com Celso Lemos, da Gouveia Brasil, para ter uma aproximação do consumidor final, a marca tem trabalhado um contato maior com os bares e também os profissionais, sendo que há quase dois anos a empresa convida pessoas do setor para visitar a sede da Gouveia e ter uma experiência sensorial com o master blender Armando Del Bianco, no qual já passaram ao menos 90 bartenders. Durante a visita, os profissionais puderam ter um contato com as características da cachaça, o porquê ela é importante e a versatilidade que ela oferece para a coquetelaria.
Foi um trabalho desenvolvido, porque a nossa aposta é que o consumo da cachaça vai aumentar através da coquetelaria e do uso dela nos coquetéis…o consumidor quer beber e sentir sabor gostoso, pois nós não estamos em um mercado de bebidas alcoólicas, nós estamos em um mercado de entretenimentoCelso Lemos, diretor de marketing do Grupo Gouveia Brasil
4. MUITO ALÉM DA CAIPIRINHA…
Pensar muito além da caipirinha é fortalecer uma coquetelaria nacional. O bartender brasileiro deve ser capaz de fazer uma caipirinha de excelência, mas seu repertório de receitas brasileiras não pode ser limitar a combinação: gelo, limão e açúcar e cachaça.
Outros clássicos com cachaça como rabo de galo, bombeirinho, as batidas e o mais novo clássico, o macunaíma, são exemplos de coquetéis que também fazem parte da cultura da coquetelaria nacional e que também merecem o lugar de destaque nas cartas dos bares.
A marca de cachaça Yaguara promove desde 2016 o Projeto Rabo de Galo, que também visa dar holofote para este coquetel nascido na década de 1950 que leva cachaça e vermute. Participam durante o período bares de 5 capitais, que são São Paulo, Rio de Janeiro, Goiânia, Curitiba e Porta Alegre.

O objetivo é, além de promover o coquetel que dá nome ao projeto, também ajudar a elevar a cachaça como destilado fundamental para os coquetéis nos bares, onde os estabelecimentos participantes oferecem durante o período os coquetéis com um preço amigável e em 2018 foi aberta a possibilidade de outros drinques também participarem da proposta do evento – todos com cachaça, é claro!
5. NOVAS EXPERIÊNCIAS: CAIPIRINHA NA BOCA?
Até o momento defendemos a ideia da cachaça como base para coquetel, porém não podemos esquecer que o nosso destilado também tem como característica original a questão de ser apreciado puro, com boas pausas para a comtemplação.
Wilson Barros, produtor da cachaça Wiba, percebeu que o público não costumava apreciar muito a cachaça pura. Foi assim então que pensou no projeto ‘Caipirinha na Boca’, em que o degustador passa por uma experiência sensorial em que ele pode escolher uma fruta, ou temperos favoritos, passar no chocolate, açúcar, ou pimenta e na sequência tomar um gole de cachaça junto – o que lembra mais ou menos o ritual da tequila com limão e sal.
Esse conceito abriu o mercado para gente e nos permitiu que chegássemos a grandes empórios e restaurantes, além do mais isso nos abriu a porta para poder divulgar e falar mais sobre cachaça, em que atualmente eu dou degustação em workshops que faço e também em restaurantes pós-venda, além de releituras de clássicos da coquetelariaWilson Barros, produtor cachaça Wiba

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