Bolsonaro extinguiu prisão disciplinar para PMs semanas antes de motim no Ceará

No último 27 de dezembro, em um remate de 2019, o Diário Oficial da União publicou a sanção do presidente da República, Jair Bolsonaro, à lei 13.967/2019, cujo projeto bordejava no Congresso Nacional desde 2014 e, quando se viu, pimba: virou norma e passou a vigorar naquela data, entre o Natal e o Réveillon.
A lei ainda está fresquinha. Quando começou o motim de PMs no Ceará, no último 18 de fevereiro, ela não tinha dois meses de vigência. A nova lei prevê, em resumo, que em hipótese alguma qualquer policial militar brasileiro pode ser preso por transgressão disciplinar.
Transgressão disciplinar pode ser uma continência mal feita, um coturno mal lustrado, uma falta ao serviço, ou pode ser o que está previsto – que coincidência – no Código Disciplinar da Polícia Militar do Ceará: violações da disciplina “atentatórias aos Poderes Constituídos, às instituições ou ao Estado”.

“Isso está previsto no inciso I, parágrafo 2º, do artigo 12”, dizia o professor Wagner Sousa Gomes, há um ano, em fevereiro de 2019, em uma videoaula preparatória para o ingresso na carreira policial no Ceará, referindo-se ao Código Disciplinar da PM cearense. E dizia mais, o professor Wagner:
“O militar que atentar contra os poderes constituídos, contra as instituições ou contra o Estado, vai estar cometendo uma transgressão grave. ‘Dê um exemplo, professor’. O militar que participa de um movimento grevista. Esse militar atentou contra a instituição, contra o Estado, contra os poderes instituídos, e então ele vai estar classificado como uma transgressão grave”.
Wagner Sousa Gomes dá aulas sobre transgressão disciplinar em cursinhos apenas enquanto, tipo, segundo emprego. Trata-se do deputado federal bolsonarista Capitão Wagner, um dos maiores agitadores de quartéis do Ceará; o sujeito que fez um boletim de ocorrência contra o senador Cid Gomes por tentativa de homicídio no episódio da retroescavadeira – episódio em que Cid foi baleado por PMs amotinados.
Em 2011, em Fortaleza, junto com outros policiais, Capitão Wagner cercou o carro onde estava o então governador cearense, o mesmo Cid Gomes, e se esgoelou em um microfone: “senhor governador, eu honro as calças que visto!”.
Em 2016, Capitão Wagner chegou ao segundo turno da eleição para prefeito de Fortaleza, pelo PR. Perdeu para Roberto Claudio, do PDT de Cid e Ciro Gomes, mas vem aí outra vez, agora pelo PROS, para disputar nas eleições deste ano o governo da capital cearense, em um momento em que “PMs despontam como núcleo de oposição ao PT e a Cid e Ciro Gomes no Ceará“.
‘Extinta do ordenamento jurídico pátrio’
A lei 13.967/2019, sancionada por Bolsonaro em dezembro, é bem clara: os estados e o Distrito Federal deverão ter códigos de ética e disciplina para suas PMs que observem “a vedação de medida privativa e restritiva de liberdade” para policiais militares.
O texto diz ainda que “os Estados e o Distrito Federal têm o prazo de doze meses para regulamentar e implementar esta Lei”. Quando da sanção, falou-se que a nova lei, além de ser inconstitucional, provocaria um “vazio normativo”, por causa do prazo de 12 meses para os estados e o Distrito Federal publicarem novos códigos de ética e disciplina.
Porém, um policial militar do Paraná que foi preso disciplinarmente, por ordem do seu comandante, porque não moveu um fio de cabelo quando um colega de farda espancou dois adolescentes na sua frente, em uma cidade a 375 quilômetros da República de Curitiba; esse policial, dizíamos, foi solto no último 5 de janeiro por causa da “lei de Bolsonaro”, apenas nove dias após sua publicação no Diário Oficial.
“Com a publicação da Lei 13.967/2019, a possibilidade de prisão por infração disciplinar militar foi extinta do ordenamento jurídico pátrio”, justificou-se o juiz.
Excludente de amotinamento
De modo que, diante desta verdadeira excludente de amotinamento que é a lei 13.967/2019 – que passou quase despercebida, e passou bem na hora – agora de nada mais vale, ao que parece, o artigo 70 do Estatuto dos Militares do Estado do… Ceará:

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