Para a esquerda ter um sentido de existência, ela não deve ter medo de dizer seu nome”– Vladimir Safatle, Só Mais Um Esforço, p. 38
Antes de mais nada, diremos o que não queremos! Não queremos uma reedição da esquerda conciliatória, que tem medo de introduzir temas políticos complicados, que são deliberadamente jogados para debaixo do tapete. A esquerda precisa reatualizar sua prática de enfrentamento refundando sua capacidade de pensar e agir. Sua recuperação passa pela radicalização de suas ideias centrais, que são inegociáveis, através da atuação política direta. Mas afinal, o que a esquerda quer?
3 PONTOS
- Igualdade Radical: busca pelas mesmas condições civis, econômicas, políticas e sociais que ofereçam as mesmas possibilidades de crescimento, expressão e singularização para cada um. Todos são iguais, ninguém é melhor que ninguém, não pode haver qualquer privilégio possível e aceitável. Ninguém está acima de ninguém;
- Indiferença às Diferenças: todo esforço da esquerda é para que as diferenças se multipliquem sem criar privilégios e hierarquias. Lada a lado todos são diferentes. A indiferença às diferenças significa hospitalidade incondicional, a capacidade de expressão livre e individual de cada um no meio em que vive. A chance de agir e pensar de modo único, natural e livre;
- Soberania Popular: luta contra toda e qualquer casta tecnocrática, de esquerda e de direita. Para a esquerda, não há poder salvador, apenas poder do povo. Isso significa esvaziamento progressivo do Poder Legislativo e do Poder Executivo em prol de mecanismos de democracia direta, onde a população faça parte das decisões que lhe dizem respeito.
Uma esquerda que não tem medo de dizer seu nome deve falar com clareza que sua agenda consiste em superar a democracia parlamentar pela pulverização de mecanismos de poder de participação popular direta”– Vladimir Safatle, A Esquerda Que Não Teme Dizer Seu Nome, p. 51
A prática da esquerda precisa ser condizente com os desafios enfrentados. Ela tem em uma mão a luta por igualdade e na outra a luta pela singularidade, fazendo isso através da participação popular. O tamanho das lutas define a profundidade e radicalidade das pautas. Sendo assim, chegamos nos temas políticos que não podem mais ser colocados à parte em nome de uma suposta governabilidade.
TEMAS POLÍTICOS INADIÁVEIS:
- Democracia Direta – Esvaziamento progressivo do Legislativo e do Executivo, em busca de um poder verdadeiramente do povo;
- Igualdade Popular: Todos podem participar, todos devem ser capazes de expressarem-se politicamente e apropriarem-se das decisões de seu país, cidade, bairro;
- Justiça Tributária Radical: para por fim às desigualdades econômicas, os mais afortunados devem dar mais, enquanto os menos afortunados podem dar menos.
- Gestão coletiva dos recursos públicos: quem paga a banda escolhe a música. Se é o povo quem paga os imposto, a maneira como ele será gasto é de decisão pública;
- Aparelhos Produtivos Geridos pelos Trabalhadores: acabar com as hierarquias em prol de decisões coletivas e horizontais, em prol dos trabalhadores e não por empresários multimilionários;
- Renda mínima e renda máxima: não apenas uma renda mínima é necessária para garantir direitos, mas também uma renda máxima, para que poucos não tenham muito e muitos não tenham pouco;
- Restrição da Propriedade Privada: a gestão coletiva dos bens públicos deve garantir Propriedade Privada a todos, isso significa que poucos não poderão ter tanto assim.
EXCESSO E STATUS QUO
A esquerda só funciona por meio dos excessos, ou seja, indo além de si e do status quo. Ela age defendendo pautas radicais e não negociando o inegociável. Queremos ir para além do campo do instituído. A luta é exatamente para isso! Fazer o que ainda não podemos, criar o que ainda não somos. A política de esquerda toma uma direção arriscada: desafia o instituído, e abre campo para o novo.
Muitos acusarão: utopia. Outros dirão: impossível. Mas não podemos esquecer que a política é exatamente isso: a busca por novos modos de vida. Vidas que querem se manifestar e expressar plenamente no meio em que vivem, vidas que não suportam mais esta maneira de viver. A esquerda não luta pelo que está posto, ela quer exatamente o contrário, busca o que ainda não existe, mas que percorre cotidianamente o nosso imaginário: trata-se da crença um tanto louca de que é possível viver de outra forma.
DESEJO REVOLUCIONÁRIO
Apenas a esquerda é verdadeiramente revolucionária, pois luta pelo que ainda não existe! É o próprio desejo de nos deixarmos para trás que nos anima. Nossa carcaça, nossa vida pequena, nossa existência miserável, nosso desejo bloqueado, capturado, axiomatizado. Nós estamos cansados deste presente, desta realidade. Se ninguém mais acredita em nossos tempos então é preciso fazer alguma coisa. Mas não somos saudosistas, queremos seguir em frente. Estamos inquietos!
A esquerda deve saber encarnar a urgência daqueles que sentem mais claramente o sofrimento social advindo da precariedade do trabalho, da pauperização e das múltiplas formas de exclusão […] a esquerda deve mostrar que é capaz de governar sem produzir novas modalidades de sofrimento e insegurança social […] ou seja, ela deve ser, ao mesmo tempo, capaz de sentir o sofrimento social e capaz de ter a inteligência técnica para resolvê-lo no cotidiano”– Vladimir Safatle, A Esquerda Que Não Teme Dizer Seu Nome, p. 17
CONCLUSÃO
O que a esquerda quer? Ora, acho que já podemos responder com certa convicção: 1) Enfrentar a desigualdade, diferenças civis, econômicas, políticas e sociais que geram exclusão e sofrimento existencial para a maioria esmagadora da população; 2) não abrir mão da singularidade, diferenças no modo de vida e expressão singular de cada um. Que as diferenças sejam capazes de se articular sem hierarquia. Que as diferenças não gerem ordenações verticais, mediadas. Igualdade coletiva, singularidade garantida e soberania plena.
A esquerda é absolutamente contra as diferenças econômicas, porque isso na verdade é desigualdade, que gera, por sua vez, discriminação e separação. A esquerda é absolutamente contra as homogeneidade identitária, porque isso se chama uniformidade e monotonia. Temos em uma mão a luta por igualdade e na outra a defesa das singularidades. Na primeira, há igualitarismo e soberania popular, a segunda se expressa como uma consequência natural, como o estrondo do trovão segue naturalmente a luminosidade do raio.https://razaoinadequada.com/2019/01/20/safatle-afinal-o-que-a-esquerda-quer/
0 comentários:
Postar um comentário